quarta-feira, 31 de outubro de 2018

Série da BBC discute casamento aberto


Um lisboeta de Portugal diria que wanderlust significa "navegar é preciso". 

O termo inglês tem a ver com novas experiências, que a gente adquire, principalmente, quando está viajando.

A série produzida pela BBC e exibida pela Netflix - Wanderlust -  não trata de viagens, mas discute o casamento aberto. 

Um casal - Joy e Alan - interpretados por Toni Collette e Steven Mackintosh - não sentem mais tesão depois de 20 anos de casados. 

A solução proposta por Joy, terapeuta de casais, é pouco ortodoxa: transar com outros parceiros. O professor Alan vai se relacionar com a colega de ensino, por quem sente atração, e Joy vai na base do "não tem tu, vai tu mesmo". 

A saída dá resultado. O casal recupera a atração sexual. Voltam a sentir aquela antiga paixão, que havia sido soterrada pelo imobilismo. 

Adúlteros e felizes, Joy e Alan não fazem segredo de seu pacto. Abrem o jogo e trazem desconforto para a comunidade. Comunidade, no caso, é um bairro classe média verdejante, confortável e urbanizado. Não significa favela, como no Brasil. 

Uma cena emblemática mostra um casal de pacientes de Joy despedindo-a, porque "se a senhora não consegue resolver seus próprios problemas com seu marido, que conselhos a senhora vai poder nos dar?". 

A série assustou os ingleses conservadores, que a classificaram de "pornográfica". A atriz Toni Collette comemorou o fato de ter sido a primeira mulher a ter um orgasmo na BBC. Ela tem uma ampla filmografia. Lembro bem dela em Um grande garoto, fazendo o papel da mãe vegetariana e hippie, que veio a pé de Woodstock, contracenando com o galã Hugh Grant. 

Realmente, há muita gritaria em Wanderlust, que soa pornográfica. Só que a gente não deve se deixar enganar pelo gritos e sussurros. A mensagem que a série transmite é, no fundo, conservadora: mesmo se você for um adúltero liberado, mesmo se o seu casamento for aberto e poliamoroso (transar com múltiplos parceiros), não adianta, meu filho, os problemas vão acabar apertando-o pelo pescoço até o sufocamento.

A Netflix oferece poucas alternativas na linha X, de sacanagem velada. Um bom produto é Eu, tu e ela, que fala de um trisal (casal de três). Não é conservador e trata o poliamor de uma maneira atraente. 

Se você votou no 17, fuja dessas séries. Elas vão trazer ideias pecaminosas para dentro da sua cabecinha.

   

    

terça-feira, 30 de outubro de 2018

Brasil deve romper relações comerciais com países comunistas?


Esse cidadão careca, que aparece na foto, disse que anda armado "com faca, pistola" e está em uma guerra particular contra pessoas que usam camiseta vermelha (comunistas?) e contra aqueles que ele chama de "negrada". Ele não esconde suas "preferências". Apoia "o capitão". Por isso, gravou um vídeo e postou na internet: 
https://www.facebook.com/enioverri/videos/756712504706955/

Outro fã de Bolsonaro agrediu, verbalmente, uma repórter da Folha, mandando que ela fosse "para a Cuba que a pariu".

O capitão Bolsonaro, presidente eleito por 57 milhões de eleitores, disse em pronunciamento recente que o Brasil não pode flertar com o socialismo e o comunismo. 

A China - não sei se todo mundo lembra - é um país comunista. Eles são 1 bilhão e 300 milhões de comunistas, jurando lealdade à bandeira vermelha, guardando com carinho em suas casas o Livro Vermelho de Mao Tse Thung. 

A China é a principal parceira de negócios do Brasil. O volume negociado com os comunistas chineses chega a 42 bilhões de dólares/ano. Lá atrás, em segundo lugar, vem os Estados Unidos, país capitalista, com 24 bilhões de dólares.

Não vale romper relações políticas com comunistas menores, tipo Cuba. Se for para deixar de flertar com o comunismo, o Brasil deveria começar pela China. É claro que isso não vai ocorrer, porque o capitão não vai dar tiro no pé. 

Vale refletir que o anticomunismo escolhe determinados alvos em detrimento de outros. Nos anos 60, os Estados Unidos invadiram o Vietnã para impedir que este país se tornasse comunista. Ao mesmo tempo, em que despejava mais bombas sobre os vietnamitas do que todas que haviam sido lançadas na Segunda Guerra, os americanos fechavam acordos comerciais com a então existente União Soviética e com a China vermelha. 

O cineasta Jean-Luc Godard fez um filme didático a respeito dessas opções da macroeconomia, em que as ideologias são deixadas de lado, em troca do pragmatismo comercial. O filme chama-se A Chinesa e é de 1967. 

Então, a gente percebe, desde aqueles tempos passados, que há comunistas que devem ser tolerados e podem se tornar nossos "parças", enquanto outros, como os cubanos, que são menores (compram pouca soja e carne de frango) e que podem ser excomungados, sem peso na consciência e no bolso.

Fala sério: essa história de anticomunismo é pra boi dormir. É arma eleitoral. A direita sempre usa, nem sempre dá certo. Daqui a quatro anos, retornam os comandos de caça aos comunistas eleitorais. É um anticomunismo sazonal.

Ontem, em entrevista ao Jornal Nacional, o presidente eleito voltou a mencionar o "kit gay", que ele combateu ardentemente, durante seu mandato parlamentar. 

Estranho essa iniciativa ter provocado tanta reação contrária. Foi uma ação governamental, voltada para a informação. Trazia histórias, explicava didaticamente temas como desigualdade entre homens e mulheres, homofobia, preconceito e diversidade. 

Pena que o governo federal sucumbiu à pressão dos conservadores e não levou o projeto adiante. Se você quiser conhecer um pouco mais sobre o programa, dê uma olhada nessa apostila. Informação é sempre o melhor caminho para pôr fim ao preconceito:

http://www.acaoeducativa.org.br/fdh/wp-content/uploads/2015/11/kit-gay-escola-sem-homofobia-mec1.pdf


segunda-feira, 29 de outubro de 2018

89 milhões não votaram em Bolsonaro


Assim como as cartas, os números não mentem jamais. O candidato eleito à Presidência teve 57 milhões de votos. Seu opositor, 10 milhões a menos. Um número recorde de 31 milhões de eleitores desistiram de votar. 

Somando-se os 11 milhões de votos brancos e nulos, mais as 31 milhões de abstenções e ainda os votos dados ao petista, chega-se a um total de 89 milhões de eleitores que não querem Bolsonaro na Presidência.

Isso não significa que os 42 milhões de eleitores que não quiseram votar ou preferiram anular ou embranquecer seu voto gostariam que Haddad fosse o eleito. São 42 milhões de indignados que não queriam nem um nem outro. 

Em resumo: Bolsonaro não terá tarefa fácil pela frente. Não haverá nem mesmo a tradicional lua de mel, que percorre os seis primeiros meses do governo.

No interior onde votei, uma carreata com uns dois quilômetros de extensão, protegida por batedores solidários da PM, era constituída, principalmente, por carros de luxo (Audi, BMW, Mercedes) e SUVs. Eles buzinavam com estardalhaço. Ostentavam chapelões caipiras e bandeiras do Brasil. O som no último volume tocava Eu te amo, meu Brasil, da dupla Dom e Ravel.

Essa música é emblemática, porque fez sucesso nos início dos anos 1970, durante os anos de chumbo da Ditadura Militar. Dom e Ravel eram chamados de "filhotes da ditadura". 

Os ricos dessa cidade do interior comemoravam exatamente o quê? A volta dos militares ao poder? Os anos 1970 deixaram saudades? Seria um tempo bom aquele? 

Mesmo a bordo de veículos que custam em média 170 mil reais, eles têm saudades do passado? Será que naquela época eles seriam ainda mais milionários? 

Gente estranha, esses Jecas.

Nesse Brasil de caipiras, acocorados em volta da TV, quem fez o discurso que antecede a fala do novo presidente é o político Magno Malta. 

Derrotado na disputa pelo Senado do Espírito Santo,  um dos muitos novos representantes da extrema-direita, "defensor da moral e dos bons costumes", o cantor gospel Magno Malta tem um extenso rol de acusações de maus feitos. Em 2007, foi acusado de participar da máfia dos sanguessugas. Mais recentemente, foi denunciado por uma reportagem da Folha por uso de caixa dois e de ter recebido um repasse de 100 mil reais. 

Em sua versão da Oração aos Moços, Magno Malta rezou, lembrou que "os tentáculos da esquerda jamais seriam arrancados sem a mão de Deus". Mencionou "Deus na vida", "Deus na vida da família", "lutando contra tudo e contra todos"...

O cobrador Luiz Alves de Lima sabe bem o que é "lutar contra tudo e contra todos". Lima foi acusado pelo então senador Magno Malta de ter estuprado sua filha então com dois anos. Na época, Malta presidia a CPI da Pedofilia no Senado. 

Preso no Centro de Detenção Provisória de Cariacica (ES) durante nove meses, Lima sofreu torturas. Ele afirma ter sido asfixiado com sacola de plástico na cabeça, recebido choques elétricos nos genitais e de ter sido colocado dentro de um barril com água gelada, além de sofrer surras cotidianas. 

Uma perita criminal constatou que Lima era inocente e que a filha dele nunca havia sofrido abuso sexual. 

Já era tarde. Em razão das torturas, Lima ficou cego de um olho. 
  

quarta-feira, 24 de outubro de 2018

Por trás do vídeo, um vereador com mandato em risco


A eleição para o governo de São Paulo mergulha fundo na baixaria. Quando a gente achava que tinha tocado o fundo do esgoto, aparece um vídeo. As imagens mostram um sujeito deitado na cama, enquanto seis mulheres circulam em volta dele. A data do vídeo é 11 de outubro de 2018, "véspera do Dia de Nossa Senhora de Aparecida". Se para os moralistas já é errado participar de uma orgia, o crime se torna imperdoável ao ser cometido na véspera do dia da padroeira do Brasil.

A imagem volta-se para o cara, que está deitado, e congela no rosto meio desfocado de João Doria. Estranhamente, o corpo se mexe um pouco, mas a cabeça permanece fixa, inalterada.

O vídeo causou alvoroço nas redes sociais. Teve efeito viral. Se fosse o vírus da gripe espanhola, mais da metade da população já estaria no cemitério. Os virtuosos não se conformam: "Onde já se viu, Doria, na cama com seis mulheres? E nenhuma delas é sua esposa".

O brasileiro do churrasco, da bermuda e do chinelo de dedo; o cara suado, tomador de cerveja, com bafo de pão de alho; o tipo que adora queimar uma carne na brasa e falar sacanagem com os amigos; esse cara bem que gostaria que fosse João Doria no vídeo no meio da mulherada pelada. Esse tipo votaria de olhos fechados no tucano. "Meu herói!"  

À tarde, o candidato do PSDB grava um vídeo, desmentindo o outro vídeo - o da orgia. Está ao lado da mulher, Bia, e diz que contratou uma "perícia criminal" para apurar os fatos. Seu opositor, Márcio França, se mostra constrangido e afirma que não participou da produção do vídeo orgiástico.

Aí, aparece o responsável pela divulgação do vídeo da sacanagem. É o vereador Camilo Cristófaro - do PSB, mesmo partido do candidato Márcio França. Olhando firme para a câmera, Cristófaro afirma com todas as letras que o vídeo da putaria não é falso, que é mesmo Doria que está na cama com a mulherada e que quem o postou foi uma das prostitutas (ela não teria recebido pelo programa).

Cristófaro, que fala de si mesmo na terceira pessoa, menciona a prática de "swing": 

"Véspera do dia de Nossa Senhora da Aparecida e o seu João Doria no swing".  

Pede desculpas pela "baixaria". Garante que "moça é o que não faltava naquela cama". Ao final, manda uma mensagem de "boas eleições" para todos.

Ex-PFL, ex-PL, ex-PT, ex-malufista e ex-janista, Camilo Cristófaro erra ao qualificar o "evento" de swing. Swing é troca de esposas. O que acontece ali no vídeo é a velha e boa orgia. 

Inimigo das ciclovias e das faixas exclusivas de ônibus, Cristófaro é adversário político de Doria, desde os tempos em que o então candidato ao governo de SP era prefeito. Cristófaro chegou a levar três bodes para pastar na avenida dos Bandeirantes, como forma de protesto pelo matagal que tomava conta da avenida. 

Dono de uma frota de 17 Fuscas, o colecionador Cristófaro teve o mandato cassado "por fraude eleitoral". A campanha de Cristófaro teria recebido doações de uma senhora de 80 anos, moradora em Jundiaí, "desempregada, doente e na fila por casa própria". Essa senhora teria doado 6 mil reais para a campanha de Cristófaro. A Justiça ainda analisa o caso.

Em junho do ano passado, Cristófaro foi acusado de agredir um assessor do vereador Eduardo Suplicy e, em março de 2017, ele também teria agredido uma vereadora do PSOL Isa Penna. 

Em outra história rumorosa, Cristófaro entregou 3 mil reais em espécie a um assessor da Secretaria Municipal de Mobilidade e Transportes.

Enfim, se eu fosse você, de olho nessa "capivara" considerável, nessa extensa ficha corrida que envolve os antecedentes do vereador Camilo Cristófaro, não poria muita fé nesse vídeo. 

           

terça-feira, 23 de outubro de 2018

"Palavras, palavras, nada mais que palavras"



A cinco dias do pleito mais importante da história desse País e não é que Marina Silva lembra de declarar apoio "ao professor Haddad". Pronto. Começou a grande virada. Com o 1 milhão de votos que Marina teve no primeiro turno, o candidato petista pode ficar tranquilo. Só precisa agora arrumar outros 17 milhões de votos para empatar com ele. O timing da Marina é excelente. Ela podia também ter esperado até sexta-feira. Ficava um pouco mais em cima da hora. 

O filho dele diz que é fácil fechar o Supremo. "Basta um cabo e um soldado."  Depois, vem o pai e pede desculpas públicas. Escreve cartinha para o "diretor da escola". Um vexame. Coitado do Brasil. Pobres de nós.

Por algum motivo que desconheço, repórteres e âncoras de TV e rádio usam a palavra recorde com acento na proparoxítona - "récorde". Só que a prosódia ensina que recorde é paroxítona, com acento invisível no "o". Pode isso, Arnaldo? 

"Palavras, palavras..." diria Shakespeare. Em jornalismo, havia palavras malditas, que você não podia sequer pensar nelas. Era proibido. O articulista Paulo Francis (pseudônimo de Franz Paul Trannin da Matta Heilbornvolta e meia, gostava de contar a história de uma palavra maldita. Crítico teatral do jornal Diário Carioca, Francis empregou o termo "via de regra". O texto retornou voando em sua direção, com uma anotação em vermelho vivo: "Via de regra é boceta". Francis conta que nunca mais escreveu via de regra.

Eu era editor do caderno de Variedades no Diário Popular e um crítico de arte gostava de usar a expressão "por outro lado".  O então diretor de Redação Miranda Jordão me chamou no aquário, que era aquela sala toda envidraçada onde ficavam as chefias dos jornais. Texto do crítico na mão, muito irritado, apoplético, com a educação que lhe era característica, Miranda Jordão me disse: "Por outro lado é bunda". Passaram-se trinta anos para eu voltar a escrever "por outro lado". 

Era assim naqueles tempos...Você podia passar na rua e testemunhar um infeliz se atirando do Viaduto do Chá e não podia noticiar o ocorrido. Suicídio era palavra proibida e sobre o qual não se podia noticiar. Hoje, a cada 45 minutos um brasileiro se suicida e, com exceção de setembro amarelo, quando a gente lê uma ou outra matéria a respeito, ainda não se fala no assunto.

Nosocômio, genitor/genitora, féretro, esposa/esposo, falecer...eram proibidas. Há uns cinco anos, estive em um canal de TV, que transmitia notícias pela internet. A equipe de jornalismo era rarefeita, como oxigênio no pico Everest. Para compensar a falta de pessoal, os jornalistas dessa TV roubavam as notícias das agências e, para não dar na vista, trocavam as palavras. Por exemplo, a notícia da agência dizia: "A mãe permaneceu o tempo todo ao lado do caixão do filho." O jornalista da TV pela internet alterava para: "A genitora ficou o tempo todo ao lado do féretro do filho". Foi a primeira e última vez que vi alguém usar "genitora", em um texto jornalístico.

Pelo menos uma boa notícia: faltam três dias para acabar a propaganda eleitoral obrigatória nas rádios e TVs. Não sei você, mas me sinto mal com tanto ódio transbordando, sendo vomitado em cima da gente. O estado é muito presente na vida da gente. Por que sou obrigado a aguentar essa chatice insuportável? Tem outras maneiras de o eleitor se informar. Me sinto aquele pato ou ganso, que fica com um funil enfiado na boca, pra engolir comida à força e ter o fígado dilatado, para a produção de foie gras. O estado brasileiro me obriga a votar. Não quero ser obrigado a nada. Mas lá vou eu, no domingo, me enfiar na fila. Entregar o título, entregar outro documento, porque só o título não serve. Eles precisam de outro documento que mostre a minha cara. Tenho que apertar aqueles botões. Aguentar a cara do sujeito me encarando dentro da "cabine indevassável"...Lá fora, o Brasil miserável, favelado, sem saúde, sem transporte, sem esperança. As coisas começam a mudar, quando o estado começa a se tornar presente onde interessa e não onde não é chamado.      

Nos Estados Unidos, a loteria vai pagar um prêmio de 6 bilhões de reais. Se eu ganhasse toda essa dinheirama, ia realizar o grande sonho da minha vida. Comprava um caminhão e ia puxar soja lá no Mato Grosso do Sul. Eita nóis.



quinta-feira, 18 de outubro de 2018

Disputa em São Paulo será definida pelo photochart


As pesquisas de intenção de voto indicam empate técnico entre os dois candidatos da situação ao governo de São Paulo. João Doria (PSDB) e Márcio França (PSB) correm "cabeça a cabeça", rumo ao photochart (no turfe, quando dois cavalos chegam praticamente juntos, somente uma prova fotográfica é capaz de deduzir quem venceu a corrida). Parece que vão disputar voto a voto até o dia 28. Quem gosta de filme de suspense tem um prato de pipoca cheio pela frente. 

Em São Paulo, capital, Doria come o pão que satã amassou. Sessenta e três por cento dos eleitores afirmam que vão votar em Márcio França e 53% disseram que não votariam em Doria nem que a vaca tussa.  A capital não perdoa o fato de Doria ter prometido que ficaria até o final do mandato e, depois de 15 meses, ter se mandado rumo a voos mais altos. A capital quer punir o arrivismo político.

Interessante é que Doria é situação e Márcio França é o governador em pleno exercício do cargo. Ou seja não existe um oposicionista de fato. É claro que Doria tenta colar no candidato ele e atirar a cruz do PT sobre o cangote de Márcio França, mas tudo indica que até agora a iniciativa não foi bem-sucedida. 

Quem prefere outro tipo de suspense, longe da briga eleitoral, o filme Thelma, dirigido pelo dinamarquês Joachin Trier, é uma boa opção, disponível pela Netflix. 

A história se passa em Oslo (Noruega). Uma garota entra na faculdade. Sai de sua cidadezinha, lá no fim do mundo, e vai para a capital. Os críticos apontam semelhanças entre Thelma e Carrie, a estranha

Não sei que água os escandinavos tomam, mas, seja o que for, eles se transformaram em mestres na produção de thrillers. Na literatura, autores como Stieg Larsson, Henning Mankell, Jo Nesbo - só para citar três - são expoentes do gênero. Larsson é autor da trilogia Millenium. Mankell, morto recentemente de câncer, foi o criador do célebre inspetor Kurt Wallander, que também ganhou série pela Netflix.

 Em Thelma, o público é mergulhado na atração que a garota vinda do interior (Thelma) sente pela colega de turma (Anja). Thelma foi criada por uma família religiosa. Não bebe, não fuma. As pulsões - principalmente, as homossexuais - devem ser reprimidas. Thelma apaixona-se, mas não pode concretizar o desejo. O prazer lhe é vedado pela religiosidade castradora. 

Lá no século passado, Freud ensinava que, quando você é reprimido, o desejo se transforma em perversão.

O filme tem cenas tocantes: Thelma deitada ao lado de sua paixão, incapaz de tocar um fio de cabelo da amada; Thelma chorando de desejo... Mas não serei eu o estraga prazeres (o spoiler, para os mais moderninhos). Assista e depois me conte.

Outro thriller digno de nota, também exibido pela Netflix, é Trapped. Uma aldeia na Islândia fica isolada pela neve, enquanto um policial tenta descobrir o autor de um crime (um tronco humano, sem cabeça e membros é encontrado). São dez episódios que você assiste sem cruzar as pernas. Hipnótico. Outra hora falo mais sobre Trapped.    

Anúncio: "Perdeu-se uma camisa de força. Recompensa-se bem a quem achar" - Olavo de Carvalho (Richmond, Virgina, Estados Unidos). 

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Se eu fosse ele, não participaria de debate


A última ficha do PT para virar o jogo é o debate. Em tom de desespero, o partido vem martelando a necessidade de se fazer um debate entre os dois candidatos, que disputam o segundo turno. 

O PT sabe que o candidato ele é despreparado, nunca dirigiu um empório que seja, atrapalha-se nas questões econômicas (foi risível a tentativa dele de explicar a desigualdade salarial entre homens e mulheres). Ele tem tudo a perder. 

Se eu fosse ele, não participaria do debate. Com uma larga vantagem de 16 milhões de votos - de acordo com as pesquisas de intenção de voto - ele está muito próximo de botar a mão na faixa. Por que colocar a vitória em risco nesse momento? 

Debates são decisivos. Lula aprendeu isso em 1989, quando enfrentou Collor, Boni, Armando Nogueira, Rede Globo, naquela famosa edição, que veio para derrubar a subida meteórica do petista nas pesquisas. Em outro debate histórico, Kennedy se saiu melhor sobre Nixon, em 1960, e venceu a eleição.

A 11 dias da eleição, o que resta ao PT para tentar virar o jogo? Com tanta desvantagem, nem a Liga da Justiça, com Batman, Super-Homem, Mulher Maravilha et caterva parecem capazes de mudar a história. O quadro é sombrio. A derrota aproxima-se inexorável e lá iremos nós rumo a um futuro, provavelmente, muito pior que o presente.

Levar o povo para as ruas é uma proposta tentadora. O problema é que isso foi feito no primeiro turno - com a famosa passeata das mulheres em 26 estados do País - e o resultado foi nulo. Quem iria votar nele não se deixou influenciar pelas moças, que - segundo BBC e Folha -  eram da "elite de esquerda". 

A maioria dos eleitores é, manifestamente, antipetista. Esse é o fator decisivo. Se o Coringa ou Lex Luthor estivessem no segundo turno contra o candidato do PT, eles teriam a preferência desse tipo de eleitorado. Não importa que ele seja machista, homofóbico, pró-ditadura, racista, pró-tortura, a favor do fechamento do Congresso. A única coisa que parece importar é que ele não é do PT. Odete Roitman sairia vencedora.  

O Partido dos Trabalhadores errou nesta eleição. Errou muito. A primeira bobagem foi lançar Lula candidato à Presidência. Até os habitantes do exoplaneta HD 164595 sabiam que Lula seria impedido pela Justiça de participar do pleito. Aliás, foi para impedi-lo de participar das eleições que a Justiça partidária o colocou na cadeia. Lula está preso por causa de um apartamento que nunca foi dele e onde ele nunca morou.

Enquanto o PT apostava em Lula, o tempo corria. As demais candidaturas seguiam seu caminho natural. Quando Haddad entrou na disputa, já não havia mais tempo. Não para vencer a eleição, mas para tornar o resultado menos vexatório. Pouco conhecido, alguns desinformados o chamavam de "Andrade". "Vou votar no Andrade."

Onze dias passam depressa. Vai ser difícil convencer 16 milhões de eleitores. Quem sabe uma nova e redentora manifestação. A maior manifestação da história desse País, uma nova e vitoriosa Coluna Prestes, um novo Dia D...

Se fosse dramaturgo e me coubesse tirar o candidato ele da corrida presidencial, só veria uma saída nesse momento dramático. O Deus Ex Machina. Como no teatro grego, deus baixaria em uma grua. Agarraria firmemente ele, o conduziria aos confins do universo e o atiraria bem longe, lá por onde andam as pedras verdes do extinto planeta Kripton.




   
           

terça-feira, 16 de outubro de 2018

Vivemos em um mundo antigo


O Brasil perdeu-se na antiguidade. Quem "sintoniza" as redes sociais percebe que comunismo e nazismo pertencem à ordem do dia. É como se estivéssemos na República de Weimar (1919-1933). Não passa um dia sem que eu receba mensagem pregando o "anticomunismo". Só a vitória do candidato X vai nos livrar do comunismo. Quem é contra o candidato X é tachado de "comunista". Os opositores do candidato X proclamam que estão diante do nazismo de Hitler, do fascismo de Mussolini. 

Tudo velho, tudo arcaico, bossa velha. O Brasil não avança. Patina. Perde-se em conceitos ultrapassados, em palavras velhas. Não se chega ao século 21. 

Até agora, a violência matou 30 mil pessoas no Brasil. A violência não é uma estatística. É nossa vizinha. Há um mês, assaltaram o mercadinho, perto de casa, e tentaram sequestrar um morador. Ele resistiu e foi nocauteado a coronhadas. Há 15 dias, um parente teve o carro roubado, quando ia lecionar em uma faculdade do bairro da Mooca, em São Paulo. Outra pessoa próxima de nossa família ficou coberta de cacos de vidro, depois que um ladrão estourou a janela de seu carro para roubar o celular. Até o final do ano, devem morrer 50 mil brasileiros. Posso ser um deles. Você, leitor, pode virar estatística. É um Vietnã por ano.  

Nem um eremita solitário, vivendo no Brasil, estaria a salvo desse pesadelo cotidiano, que é a violência, cada vez mais presente, cada vez mais assustadora.

Quando o cidadão se sente impotente, diante de uma situação sobre a qual não tem qualquer proteção, busca refúgio em um discurso que prega a violência contra a violência. Exige-se a força bruta, a ordem imposta a qualquer custo, a repressão. Elege-se com 264 mil votos a policial militar que matou o bandido a tiros, diante da escola. 

De um lado, o eleitor tem um candidato que se assemelha a uma "segunda Dilma", sustentado por um partido que não fez autocrítica, que não reconheceu seus erros. "Um partido que não foi humilde", como disse ontem o irmão de Ciro Gomes, o senador eleito e ex-governador do Ceará, Cid Gomes. Mesmo sem ter culpa no cartório, esse candidato, essa "segunda Dilma", representa os desmandos corruptos do Petrolão, do Mensalão. É uma sombra indesejada que o persegue. É uma cruz. É o que lhe quebra as pernas nas intenções de voto. 

Foi uma aposta errada do presidente Lula, que - é sempre bom lembrar - cumpre uma pena injusta, por causa de um apartamento onde nunca morou, nem nunca foi dele. 

Lula deveria ter optado por Ciro Gomes, que as pesquisas apontavam como o "cavalo vencedor" no segundo turno. 

Na realidade, o PT deveria se submeter a um rebranding, que é uma palavra enjoada pra dizer que, se você não mudar, perece. 
   
De outro lado do ringue político, apresenta-se o candidato do "prendo e arrebento", no melhor estilo daqueles generais, que ocuparam indevidamente a Presidência do Brasil, entre 1964 e 1985. É um sujeito sem qualquer experiência administrativa. Nunca dirigiu um empório de bairro. Nunca torneou um parafuso. Viveu os últimos 27 anos como parlamentar e teve a "sorte" de ser esfaqueado, durante a campanha, o que lhe deu o impulso necessário para arrancar firme rumo à vitória no segundo turno.

Nos países mais felizes do mundo, você pode ir ao mercadinho da esquina que dificilmente será recebido a coronhadas. Vive-se bem e de forma saudável. A renda é alta. Os menos favorecidos da Finlândia recebem apoio social do governo, sem que haja gritaria - dos mais favorecidos e elegantes - contra o Bolsa Família finlandês. As pessoas se sentem livres. Elas confiam em seus governantes e nas instituições. Nos países mais felizes do mundo, quando você para com o carro no farol, não vêm aquela multidão esfarrapada, pedindo o direito de sobreviver a mais um dia.

Fernando Gabeira disse uma vez (talvez em seu principal livro O que é isso, companheiro) que foi preciso muito esforço e uma incompetência sem limites para transformar um paraíso de recursos naturais, como era o Brasil, nesse buraco sem saída.

A violência não se resolve na base do "prendo e arrebento". Durante a Ditadura Militar, a violência era semelhante, com os mesmos casos, as mesmas mortes. Durante a redemocratização, o falecido Notícias Populares foi alvo de censura da Promotoria Pública por colocar em sua primeira página os trucidados do dia.  "Os presuntos", como se dizia no jargão policial da época.

Nos países mais felizes do mundo, os registros de violência são quase invisíveis. Não porque seus eleitores elegeram um capitão da reserva, mas por terem cuidado bem de seus cidadãos, por terem investido em educação, em saúde, em bem-aventurança. Coitado do Brasil. Pobres de nós.           

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

A briga pelo governo do Estado


"Nunca produziu um parafuso. Foi lobista a vida toda", disse outro dia o candidato derrotado à Presidência, Ciro Gomes, sobre João Doria. 

Filho do deputado e publicitário baiano João Agripino da Costa Doria Neto (criador do Dia das Mães e do Dia dos Namorados), João Doria errou ao assinar aquele compromisso de que iria cumprir os quatro anos do mandato de prefeito. 

Nem esquentou a cadeira e Doria saiu correndo em busca do governo do Estado. Atropelou seu mentor - o então governador Geraldo Alckmin - e faltou pouco para concorrer à Presidência. Deixou aquela impressão de arrivista, o cara que quer vencer a qualquer preço.  

Doria disse que iria cumprir o mandato de prefeito até o final. Fez questão de ratificar a promessa diante do jornalista Gilberto Dimenstein, do site Catraca Livre. Mas não cumpriu o prometido. Agora, é vítima do pugilato da campanha eleitoral que o chama de "mentiroso". 

A própria figura de Doria causa estranhamento. Aquelas rugas de expressão, que pessoas da idade dele têm na testa, desapareceram. Doria tem o rosto liso, "plastificado". Seria obra do botox? Aos 61 anos, o cabelo de Doria é pretinho, sem um único fio branco, como o de um garoto de 18 anos. Tudo bem, a gente entende a vaidade, mas é um rosto, com tanta produção, que não inspira confiança. Fica aquele estereótipo de "coxinha", de "playboy", "forever young", que não faz bem a ninguém. 

A gestão de Doria na Prefeitura foi ruim? Não, ao contrário. No pouco tempo que sentou na cadeira de prefeito, Doria fez ações interessantes, como a reforma da avenida 23 de Maio, que era o paraíso dos pichadores, e se transformou em uma artéria verdejante. Atacou com firmeza a Cracolândia. Buscou reduzir as filas de exames médicos.

Analistas políticos diziam, à época, que o então governador Alckmin teria fechado acordo para Márcio França ser o candidato indicado pelo PSDB ao governo do Estado. Doria teria atropelado Alckmin e correu por fora, conseguindo vencer a convenção tucana. Doria saiu correndo em busca de cargos políticos mais elevados. Pegou mal.

O cenário atual é preocupante para o PSDB. Depois de 24 anos no poder, os tucanos, por causa da ambição de Doria, podem perder São Paulo. Sem esquecer da derrota retumbante de Alckmin durante a corrida presidencial.

O "desconhecido" Márcio França tem a seu favor a percepção de que é o "novo". Ao contrário de Doria, França não esconde os cabelos brancos, nem as rugas de seus 55 anos. Nos debates, bateu de frente com Doria e se saiu melhor. Na greve dos caminhoneiros, enquanto o pessoal de Temer fechava "acordos" com líderes sem liderados, França localizou as lideranças de fato e conseguiu avanços consideráveis, em um cenário que beirava o caos no abastecimento. À frente do governo do Estado, França tem se mantido discreto. 

Há cinco dias, o candidato Paulo Skaff, que ficou fora do segundo turno por pouco mais de 70 mil votos, declarou seu apoio a Márcio França. Se os 4 milhões e 200 mil votos dados a Skaff reverterem em benefício de França, a derrota de Doria será estrondosa.

Na presidência da Fiesp, Skaff fez campanha pelo impeachment de Dilma. Transformou o prédio da Federação das Indústrias em comitê golpista. Colocou o pato amarelo nas ruas. Usou o sistema "S" (Sesc, Senai, Sesi, Senac) para se promover politicamente. 

Não se sabe se foi iniciativa de Skaff, o fato é que a placa em homenagem a Osmar Rodrigues Cruz, fundador do Teatro Popular do Sesi, foi retirada da sala de espetáculos. Atitude, no mínimo, antipática, para não dizer injusta.

  

    

sexta-feira, 12 de outubro de 2018

Saudades de Stieg Larsson


Não sei você, mas sinto saudades de alguns livros e de determinados autores. Stieg Larsson, por exemplo, sinto uma saudades tremenda dele. Quando meu ex-sócio, James Capelli, me deu de presente de Natal Os homens que não amavam as mulheres, passei aquele final de ano hipnotizado pela trama, criada pelo autor sueco. 

Larsson era um mestre em imaginar enredos de suspense, com personagens que a gente podia tocar com a nossa imaginação. Li toda a série Millenium (A rapariga que sonhava com uma lata de gasolina e um fósforo; A rainha no palácio das correntes de ar - em português de Portugal fica tudo muito estranho). Amei cada linha. Não conseguia parar de ler. 

O quarto livro da série, escrito por um jornalista, contratado pela editora de Larsson, A garota na teia de aranha, foi um momento de constrangimento editorial. Depois da morte de Larsson, não teria cabimento tentar usar originais incompletos, que ele havia deixado, para produzir um quarto livro. A tentativa teve sabor de ganância. Deixou um cheiro ruim no ar. 

Hoje, neste feriado religioso, estou lendo Anna Karenina. Como aquele personagem de Murakami, estou no capítulo 12 e até agora não me encontrei com Anna Karenina. Em algum momento, ela deve dar as caras. Vamos prosseguir...

Ontem, à noite, véspera do feriado, tive o prazer de ficar quatro horas dentro de um carro. Chovia. Estava no Rodoanel. Diante dos meus olhos, havia milhares de lanternas vermelhas de carros, caminhões, ônibus, kombis, todos estacionados, todos se movendo lentamente. Um percurso que você faria em quarenta minutos, levou quatro horas. 

Ainda bem que o Rodoanel investiu milhões naqueles painéis luminosos, que ficam na entrada da rodovia. Só que, ao invés de o painel informar que a estrada estava parada, as luzes amarelas do anúncio luminoso aconselhavam candidamente que estava chovendo e que era preciso dirigir com cuidado. 

A pergunta que não quer calar: pra que serve o painel luminoso, se não é capaz de informar que a droga da rodovia está parada e você vai se ferrar se optar em seguir naquela direção? É claro que está chovendo. É claro que vou dirigir com cuidado, principalmente, porque a única velocidade possível em um congestionamento monstro é 10 km/h. 

No site de notícias, me deparo com três nomes que não tenho a menor ideia de quem são: Whindersson, Laureta e Ana Paula Renault. Essa Ana Paula seria herdeira do senhor Renault, que produz carros na França e mundo afora? E esse rapaz de nome estranho - Whindersson? Que mãe desnaturada dá o nome de Whindersson para um filho? E essa Laureta...Um mistério. 

Reportagem informa que a Árabia Saudita permitiu que as mulheres dirijam carros. Seria um avanço. Único problema: para ser motorista, é preciso tirar uma carteira de habilitação. E como as mulheres, sob o tacão da religião muçulmana, são proibidas de ficar ao lado de um homem, que não seja o marido ou parente, elas não podem se matricular na auto-escola, porque, evidentemente, o instrutor é homem. Então, elas podem dirigir, mas, na prática, não vão dirigir. Alá não deixa. 

O caso Marielle Franco - sete meses sem solução, sem a prisão dos assassinos - inaugurou uma nova dupla caipira, chamada Os Incompetentes, formada por Raul Jungmann e general interventor Braga Netto.

Tenho visto gravações de gays e lésbicas, reclamando de agressões. Um deles aparece chorando. Sinceramente, vamos deixar de ser vítimas. Vamos pra cima deles. Chega desse discurso de vitimização. Filmes como Milk - a voz da igualdade e Stonewall podem servir de inspiração.

E chega de conversa mole. Vou me encontrar com Anna Karenina. 

Beijos.     


     

quinta-feira, 11 de outubro de 2018

Nada acontece


O gostoso de ficar velho é ter direito às mordomias. Uma delas é poder estacionar o carro na vaga destinada aos idosos. O estacionamento está lotado. Os motoristas desesperados para encontrar uma vaga e aí você - idoso, pé na cova, vetusto, macróbio - encontra a vaga livre, onde se lê escrito no chão: Idoso. Em azul piscina. Com um longevo, meio tortinho, se amparando em uma bengala mambembe, desenhado ao lado da palavra mágica. 

Você, matusalém da vida, vai lá e estaciona. Feliz da vida. É bom ser coroa e encontrar uma vaga no shopping lotado.

Em segundos, aparece, ao seu lado, um segurança de terno preto e gravata vermelha. O homem é careca e tem olhos de aço. Diz que você não pode estacionar ali. O velhote de cabelo branco e artrite nos ossos tira a carteira de identidade e mostra a data de nascimento. É um questão de orgulho: "Sou velho, sim senhor. A maldita vaga é minha. Foi conquistada em 66 anos de amor, ciúme e morte, como nas melhores óperas". 

O segurança diz que vai chamar o Departamento de Trânsito e irá multá-lo. O motivo é simples. Não importa que você seja acabado, corroído e gasto. Não! Não interessa que você possa provar que é um tipo surrado e batido. O que o homem de terno preto e gravata vermelha exige é um cartão. A sua identidade não prova nada. O que lhe dá direito à vaga é um cartão, que precisa ser providenciado pela Secretaria Municipal de Transportes.

E lá vai você, sem vaga, sem cartão, arrastando a sua obsolescência planejada rumo à burocracia dos carimbos, dos selos e dos tabeliões sem alma.  Um dia a vaga ainda será sua...

A vida é curiosa. Sempre acontece alguma coisa. Não tem um dia igual ao outro. A água que passa debaixo da ponte nunca é a mesma, como dizia Heráclito. É claro que você poderia passar sem essas obviedades, no entanto, como eu poderia transpor a história do cartão do idoso para o livro do Haruki Murakami, sem realizar esse sobrevoo? 

Terminei de ler O elefante desaparece e cheguei à conclusão que nada acontece na vida. São vários contos e em nenhum deles morre alguém; Caim não mata Abel; um velho pescador não se ferra tentando pegar um peixe para acabar com a maré de azar de 84 dias; um escriturário infeliz, explorado pela família, não acorda de manhã e se vê transformado em barata. Nada! Os contos de O elefante desaparece parecem uma superfície de um lago sem borbulhas. 

Imagine você, escritor, escrevendo uma série de contos, com vários personagens, várias histórias e nada acontece. Nada!  E, por favor, ao invés de você me chamar de "spoiler", prefira o termo estraga prazeres. É menos anglicista e mais adequado a esse momento verde-amarelo que vivemos. "Anauê!"



    


quarta-feira, 10 de outubro de 2018

De virada é mais gostoso


O então candidato Rodrigo Amorim, do PSL, quebrou a placa em homenagem à vereadora Marielle Franco, covardemente assassinada a tiros no Rio de Janeiro, em 14 de março. Por esse ato de vandalismo explícito, esse gesto de ódio, publicado nas redes sociais, Amorim foi premiado pelos eleitores. Amorim foi o candidato a deputado que recebeu mais votos no Rio. Marielle era negra, homossexual e ativista política. Um combo magnético para atrair bolsonaristas do calibre de Amorim. 

Por falar em Marielle, o interventor federal no Rio de Janeiro, general Braga Netto, ainda não conseguiu prender os assassinos de Marielle. O crime aconteceu em março. Estamos em outubro. Por que será que as investigações não caminham? Por que será tão difícil chegar aos assassinos? É só incompetência ou tem algo mais? Com a palavra o ministro da Segurança Pública de Temer, Raul Jungmann. 

Na Band News, o âncora Ricardo Boechat criticou os ataques que Bolsonaro vem sofrendo de acadêmicos e jornalistas do exterior, que acusam o candidato do PSL de ser homofóbico, racista, misógino, pró-ditadura e pró-tortura de presos políticos. Boechat disse que os analistas internacionais têm esquecido do apoio do PT à Venezuela. 

O âncora da Band News citou a presidente do PT, Gleise Hoffmann, que afirmou que a Venezuela é vítima do imperialismo e sofre ofensiva da direita, com o objetivo de desestabilizar o país. Ou seja, o PT apoia a ditadura de Nicolás Maduro e, indiretamente, apoia também os crimes praticados contra dissidentes políticos ao não se posicionar de uma forma mais clara.

Cá entre nós, alguém duvida que os norte-americanos não estejam tentando desestabilizar o governo venezuelano? Alguém põe em dúvida que o regime de Nicolás Maduro sofre interferência direta das forças de direita? 

É claro que a mídia vai usar a presidente do PT para atingir Haddad. Mas existe alguma possibilidade de o Brasil se transformar em uma Venezuela, se Haddad for eleito? O PT esteve 13 anos no poder e não virou Cuba, nem Venezuela. 

Fico ouvindo esses âncoras, como Boechat, tentando caminhar no fio da navalha de uma suposta imparcialidade, e me dá pena deles. Imagine as pressões que não devem sofrer para bater em Chico e Francisco (talvez bem mais em Chico do que no Francisco). Boechat foi militante do PCB. Ou seja, tem a esquerda no DNA. As pessoas mudam. Mudam o corte de cabelo. Mudam o jeito de se vestir, mas as paixões...As paixões continuam sempre lá. Dentro da gente. E vão morrer conosco.

Felizmente, não trabalho na Bandeirantes, nem na Globo, nem na Folha. Pense só no que acontece nos bastidores pré-eleitorais. Dê uma olhada nas pautas. A mídia empresarial foi decisiva para a queda de Dilma. A Globo News cobria exaustivamente as manifestações do MBL. Veio o golpe, a presidente Dilma - eleita democraticamente - foi deposta e a articuladora do impeachment, a professora Janaína Paschoal, premiada com 2 milhões de votos. 

Se antes, eu ia religiosamente à banca de jornais, hoje, isso não é mais possível. Não há mais bancas de jornais. A leitura eletrônica é irritante (sempre aparece um anúncio, um vídeo intrometido). E o pior: não me identifico mais com nenhum veículo. 

Às 6h30 desta quarta-feira, recebo uma mensagem de um amigo de infância. É um comunicado do bolsonarista delegado Francischini, informando "em primeira mão" que as urnas eletrônicas são fajutas. Aviso que a notícia é falsa. Mando uma notícia, informando que o mesmo Francischini havia pago R$ 24 mil para uma empresa, especializada em propagar fake news (boatos). Enfim, é cansativo. 

Por essas e outras, seria delicioso ver Haddad eleito. De virada é sempre mais gostoso.  



  

   



   

terça-feira, 9 de outubro de 2018

O fantasma do anticomunismo



1989. Entrei na rua Mairinque, na Vila Clementino, para levar meus pais ao colégio eleitoral, que ficava no Liceu Pasteur. Ao estacionar  o carro, avançou em nossa direção um sujeito, soltando fumaça pelas orelhas e nariz. Achei que fosse um guardador de carros, um flanelinha parasita, mas era outro tipo de parasita. Ele nos entregou panfletos, que alertavam para a ameça comunista que pairava sobre o Brasil, caso Lula fosse eleito. "Não vamos deixar o comunismo vencer", ele gritava. "Votem em Collor."

Em 1960, lembro de um primo, anticomunista ferrenho, fazendo campanha pró-Jânio Quadros. Esse primo ia com a sua romiseta para a boca de urna e chamava o opositor de Jânio - Marechal Lott - de "comunista". Acredite, se quiser...

Em 1964, Jango Goulart é deposto. Um presidente eleito democraticamente é tirado do poder pelos militares, porque haveria uma ameaça comunista. Não havia. Jango queria fazer "reformas de base". Ou seja, reduzir as diferenças entre os muito ricos e os miseráveis. Não conseguiu. 

Lula perdeu a eleição, porque a classe média achava que, se eleito, ele transformaria o Brasil em uma Cuba. E, principalmente, por causa da manipulação do debate, feito pelo Boni, pelo Armando Nogueira & Cia. da Rede Globo. 

Lula seria eleito em 2002 ("a esperança venceu o medo"), novamente reeleito em 2006, outra vez eleito em 2010 (desta feita, indicando uma candidata) e ainda uma quarta vez, com a reeleição de Dilma. Nesses 13 anos e meio, até o impeachment, o Brasil não virou Cuba, nem Venezuela. Ao contrário, muita gente ganhou dinheiro, muita gente pobre pôde entrar na universidade, a dívida "impagável" com o FMI foi paga, enfim, foram anos bem-sucedidos, voltados para a redução da miséria e das diferenças sociais.

O Partido dos Trabalhadores, criado por Lula, não é comunista. Ao contrário. Quando Lula almejava criar um partido, nos anos 80, não faltaram sondagens para ele ingressar nos partidos comunistas, como o PCB e o PC do B. No entanto, ele insistiu na criação de um partido, voltado para os trabalhadores, sem se ater à ideologia comunista, que é a estatização completa dos meios de produção, a abolição da propriedade privada e o fim das classes sociais. 

Mesmo não sendo um partido comunista, o PT é alvo frequente dos anticomunistas. "A bandeira do Brasil nunca será vermelha!", eles esbravejam. "Vai pra Cuba!", gritam. O anticomunismo é uma marca de campanha política. É ferro quente sobre o couro.  

Há uns quatro anos, ainda durante os estertores do governo Dilma, reencontrei um amigo de infância muito querido que estava assustado, porque imaginava, em sua ingenuidade, que o Brasil tinha se tornado "um país comunista". Estávamos em um jantar, com outro amigo de infância, que esclareceu didaticamente que o Brasil continuava um país democrático, com as instituições funcionando normalmente. Os bancos ainda eram dos banqueiros; as indústrias estavam nas mãos dos industriais e das multinacionais, haveria eleições normalmente e assim por diante.

Chegamos a 2018. Outra eleição presidencial. E lá vem ele de novo o parasita do anticomunismo. Ele grita, esperneia, publica barbaridades nas redes sociais...O parasita anticomunista é bem-sucedido. As pessoas o escutam. Acreditam nele. Divulgam suas mentiras. Passam adiante. Há uma incapacidade bovina de raciocinar. 

Além da pecha anticomunista, paira sobre os eleitores um desalento, motivado pelos erros cometidos pelo Partido dos Trabalhadores, enquanto exercia o poder. Se o PT era "diferente dos outros", o partido que viria "trazer a ética para a política", as denúncias do Mensalão e do Petrolão indicaram que a ética havia sido esquecida em alguma gaveta do governo Lula.

Quem usava a estrelinha vermelha no peito, quem grudava adesivos do PT na janela de casa e do carro, se sentiu traído, quando as denúncias ocuparam as manchetes da mídia. As corporações empresariais, que dominam os meios de comunicação, bateram firme e forte no governo Dilma até abalar as estruturas e fazer o edifício petista ruir com estrondo. 

Sem cometer nenhum crime no exercício do cargo, Dilma desabou no impeachment, mas ganhou de Lewandowski o direito de ser derrotada na eleição para senadora. 

O PT deveria ter reconhecido seus erros. Deveria ter feito uma autocrítica, mas o partido agiu como se não fosse com ele, como se a pulverização de sua ética fosse um equívoco menor. 

A derrocada do PT trouxe à luz personagens diversos. Surgiu o jornalista partidário, melhor representado por Reinaldo Azevedo, que cunhou o bordão "petralhas". Veio essa professora Janaína Paschoal, que pronunciava discursos no Largo de São Francisco, como se estivesse tomada por algum espírito subterrâneo, e que encontrou um atalho jurídico para o impeachment golpista. Apareceu o jovem Kim Kataguiri, do MBL (Movimento Brasil Livre), bolsista da fundação norte-americana mantida pelos irmãos Koch (fique esperto Monteiro Lobato, 'o petróleo era nosso'). Vieram os juízes e promotores partidários, preocupados em condenar integrantes de legendas específicas e esquecer os demais (Aécio Neves está livre e solto e inacreditavelmente eleito com 100 mil votos). Os eleitores elegeram Janaína e Kataguiri para cargos parlamentares. Articuladores do golpe foram premiados pelas urnas. Para os eleitores, eles teriam agido corretamente em derrubar uma presidenta eleita, para "pôr fim à corrupção". 

Só que a corrupção continuava bem de saúde. O ex-ministro de Temer Geddel Vieira Lima tinha R$ 51 milhões em um apartamento. Aécio Neves pedia R$ 2 milhões a Joesley Batista. E o próprio presidente Temer era acusado de liderar organização criminosa, que teria desviado R$ 587 milhões.

Sem provas efetivas para condenar Lula, o ex-presidente acabou na cadeia por causa de um apartamento, que nunca foi dele e onde ele nunca morou. Sob as acusações de "corrupção passiva" e "lavagem de dinheiro", o juiz Sergio Moro condenou Lula a 12 anos de prisão. Na realidade, a condenação de Lula foi motivada pela suposição de que, quando era presidente, ele teria conhecimento da corrupção que grassava na Petrobrás e que quase levou a petrolífera para o buraco. Prova mesmo - uma escritura, por exemplo - não havia. 

Dia 28 de outubro, um domingo, o Brasil elege seu próximo presidente. O jornal francês Libération, em sua edição de 5 de outubrocolocou a foto de Bolsonaro ocupando toda a primeira página e o texto proclamou: "Racista, homofóbico, misógino, pró-ditadura e mesmo assim ele seduziu o Brasil". 

Então, precisamos escolher entre o candidato de um partido que errou muito, quando esteve no poder, mas mesmo assim trouxe esperança para quem não tinha nenhuma esperança; e outro candidato que vai de encontro a todos os valores democráticos saudáveis, "uma folha seca que vai com o vento e a ventania está forte", como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre Bolsonaro. 

A escolha não é simples, mas, para quem foi em todos aqueles memoráveis atos pela volta das Eleições Diretas, a decisão parece óbvia. Será difícil conquistar corações e mentes, rendidos ao "mito", ao "anticomunismo", mas tem luta que vale a pena ser travada. E esta é, sem dúvida, uma delas.   
         



       

segunda-feira, 1 de outubro de 2018

À beira do precipício


Quando era criança, passava os fins de semana com meus avós. Eles moravam em um prédio de 12 andares na rua Senador Feijó, centro velho de São Paulo. Meu avô era zelador. O prédio, ocupado por escritórios, fechava às 13h do sábado para só reabrir na segunda-feira cedo. 

Bisbilhoteiro, eu andava pelos corredores sombrios. Ouvia vozes. Saía correndo, com medo dos espíritos (pensando bem, o que um espírito estaria fazendo sábado à tarde em um prédio da rua Senador Feijó?) Era moleque, tinha medo do desconhecido. Meus avós acreditavam na existência das almas e, quase sempre, narravam alguma experiência além da vida, da qual tinham sido testemunhas.

Eu gostava de me arriscar. Uma tarde, decidi subir ao telhado. Havia uma escada de ferro que conduzia à caixa d'água naquilo que seria o 13º pavimento. A caixa d'água era gigantesca. Quem subia até lá podia caminhar sobre ela, andando na laje de cimento. Havia uma tampa, também de cimento, e se você conseguisse arrastá-la um pouco, fazendo um esforço sobre-humano, conseguia ouvir as bombas funcionando lá dentro e puxando a água, que vinha das profundezas da terra.

Além da superfície de cimento, que cobria a caixa d´água, podia ser visto um telhado, recurvado, com seis fileiras de telhas francesas. 

Naquela tarde, subi pela escada de ferro. Tentei ouvir o barulho da água entrando na caixa e fui em direção ao telhado. Trepei na cumeeira e observei as pessoas e os carros em miniatura, passando pela Senador Feijó. 

É claro que as telhas eram velhas, é claro que eu usava uma sandália, daquelas que as crianças usavam antigamente. O solado liso não freou e despenquei em alta velocidade, rumo ao precipício. 

Senti o corpo gelado, como se tivesse caído e morrido. Na realidade, morri um pouco naquele momento, de tanto medo de mergulhar no vazio. Pensava no sofrimento que causaria aos meus avós, meus pais, minha irmã, minha tia...As pessoas que eu mais amava na vida e que eram tudo para mim. 

No final das telhas, havia uma calha, reforçada, bem resistente, que amparou meus pés. Mesmo assim, senti a calha fraquejar, dar uns estalos. Eu não tinha onde me segurar. As telhas eram muito lisas e pareciam cobertas com um limo escorregadio. Precisava recuar... 

Lentamente, fui me mexendo para trás, só que, às vezes, voltava a escorregar e descer em velocidade em direção à calha. Tirei as sandálias e descalço consegui a firmeza que necessitava para sair do sufoco.

Contei essa história, porque estou me sentindo assim, hoje, a uma semana antes da eleição. Vivi 21 anos sob a Ditadura Militar e foi uma experiência dilacerante. Eles proibiam o acesso a livros, filmes e peças de teatro. Censuravam alguns jornais (a Folha, não). Impediam reuniões. Fechavam sindicatos. Andando pela rua, você era parado, revistado...Uma noite, o militar tirou todos os meus documentos e espalhou sobre o camburão, tentando achar sei lá o quê. A gente vivia debaixo de uma sombra escura, asfixiante. Era um País sem alegria, infeliz, temeroso. O País não andava. Entre 1982 e 1983, fiz uma pesquisa de campo no interior de Minas Gerais e dei de cara com o atraso, a miséria, a pobreza atroz. As crianças desmaiavam de fome na sala de aula. O transporte público era risível. Os muito doentes morriam, enquanto eram transportados para a capital Belo Horizonte. Faltava trabalho, faltavam escolas e oportunidades. O "milagre econômico" do regime militar era um conto de fadas. A miséria estava por todo canto.

Agora, justamente o candidato que apoia a volta a esse pesadelo político, econômico, social, cultural lidera as pesquisas. Seus correlegionários são agressivos, fazem uma campanha brutal, com componentes insuportáveis. Como a maré negra que se incorpora aos pássaros marinhos e crustáceos, sinto o mesmo acontecendo à minha volta. Leio os posts de antigos amigos, participo de conversas com conhecidos próximos e percebo neles um reacionarismo fétido. Como é possível ser contra o Bolsa Família, em um País com 13 milhões de miseráveis? Essa sujeira vai se alastrando, vai se incorporando aos nossos corpos, vai deixando tudo grudento, matando a vida. Me sinto novamente criança, à beira do vazio. Só que o meu desejo agora é sucumbir à queda. Não parece mais valer a pena. 

Sábado passado, as mulheres foram às ruas e marcaram território. Foram belas manifestações, pacíficas, emocionadas, valorizando o novo ideário feminista - contra o machismo, contra o racismo, contra a volta da Ditadura, a favor do aborto e dos LGBTs.

Quem analisa os índices de rejeição percebe que o candidato, que apoia a Ditadura Militar, tem pouca chance de sobreviver ao segundo turno. O problema é que o tecido que forma a sua candidatura vai continuar existindo e se propagando, em metástase, como um câncer. Contra essa gente não há quimioterapia política eficiente.

Então, para que serviu tudo aquilo que fizemos nos anos 1980? O que adiantou ter participado de tantas manifestações, pedindo a volta das Diretas, se eles continuam vivos, ervas daninhas contaminando nosso jardim? 

A democracia fez um bem danado para o País. Em 2012, quando fiz nova pesquisa de campo e retornei àquela comunidade mineira, parecia estar em outro lugar do mundo. Sobravam postos de trabalho, "aqui só não tem emprego quem não quer", me diziam os entrevistados. Os antigos sitiantes haviam prosperado. Havia transporte público decente, escolas e unidades médicas suficientes. Ninguém mais desmaiava de fome.

Só que a democracia não bateu fundo, não fez todo o dever de casa. Era preciso ter tosquiado o capital devidamente. Taxar os rentistas, taxar as grandes fortunas, obrigar esse negócio multimilionário, chamado igreja, a pagar impostos. 

E o banqueiro, com fortuna de 450 milhões de reais, querendo ser presidente? Os bancos demitem pessoal, obrigam o desgraçado que precisa entrar naquele antro a esperar horas e horas na fila, cobram juros escorchantes e nunca faturaram tanto na vida. Perto de casa tem uma agência da Caixa Econômica Federal com um funcionário para atender dezenas de miseráveis, em busca do troco do PIS. Fui perguntar o que estava havendo e aquela mocinha que fica na porta, tentando apagar o incêndio com colher de sobremesa, me disse que a agência tem dois funcionários. "Só que um está de férias."




          

       

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