1989. Entrei na rua Mairinque, na Vila Clementino, para levar meus pais ao colégio eleitoral, que ficava no Liceu Pasteur. Ao estacionar o carro, avançou em nossa direção um sujeito, soltando fumaça pelas orelhas e nariz. Achei que fosse um guardador de carros, um flanelinha parasita, mas era outro tipo de parasita. Ele nos entregou panfletos, que alertavam para a ameça comunista que pairava sobre o Brasil, caso Lula fosse eleito. "Não vamos deixar o comunismo vencer", ele gritava. "Votem em Collor."
Em 1960, lembro de um primo, anticomunista ferrenho, fazendo campanha pró-Jânio Quadros. Esse primo ia com a sua romiseta para a boca de urna e chamava o opositor de Jânio - Marechal Lott - de "comunista". Acredite, se quiser...
Em 1964, Jango Goulart é deposto. Um presidente eleito democraticamente é tirado do poder pelos militares, porque haveria uma ameaça comunista. Não havia. Jango queria fazer "reformas de base". Ou seja, reduzir as diferenças entre os muito ricos e os miseráveis. Não conseguiu.
Lula perdeu a eleição, porque a classe média achava que, se eleito, ele transformaria o Brasil em uma Cuba. E, principalmente, por causa da manipulação do debate, feito pelo Boni, pelo Armando Nogueira & Cia. da Rede Globo.
Lula seria eleito em 2002 ("a esperança venceu o medo"), novamente reeleito em 2006, outra vez eleito em 2010 (desta feita, indicando uma candidata) e ainda uma quarta vez, com a reeleição de Dilma. Nesses 13 anos e meio, até o impeachment, o Brasil não virou Cuba, nem Venezuela. Ao contrário, muita gente ganhou dinheiro, muita gente pobre pôde entrar na universidade, a dívida "impagável" com o FMI foi paga, enfim, foram anos bem-sucedidos, voltados para a redução da miséria e das diferenças sociais.
O Partido dos Trabalhadores, criado por Lula, não é comunista. Ao contrário. Quando Lula almejava criar um partido, nos anos 80, não faltaram sondagens para ele ingressar nos partidos comunistas, como o PCB e o PC do B. No entanto, ele insistiu na criação de um partido, voltado para os trabalhadores, sem se ater à ideologia comunista, que é a estatização completa dos meios de produção, a abolição da propriedade privada e o fim das classes sociais.
Mesmo não sendo um partido comunista, o PT é alvo frequente dos anticomunistas. "A bandeira do Brasil nunca será vermelha!", eles esbravejam. "Vai pra Cuba!", gritam. O anticomunismo é uma marca de campanha política. É ferro quente sobre o couro.
Há uns quatro anos, ainda durante os estertores do governo Dilma, reencontrei um amigo de infância muito querido que estava assustado, porque imaginava, em sua ingenuidade, que o Brasil tinha se tornado "um país comunista". Estávamos em um jantar, com outro amigo de infância, que esclareceu didaticamente que o Brasil continuava um país democrático, com as instituições funcionando normalmente. Os bancos ainda eram dos banqueiros; as indústrias estavam nas mãos dos industriais e das multinacionais, haveria eleições normalmente e assim por diante.
Chegamos a 2018. Outra eleição presidencial. E lá vem ele de novo o parasita do anticomunismo. Ele grita, esperneia, publica barbaridades nas redes sociais...O parasita anticomunista é bem-sucedido. As pessoas o escutam. Acreditam nele. Divulgam suas mentiras. Passam adiante. Há uma incapacidade bovina de raciocinar.
Além da pecha anticomunista, paira sobre os eleitores um desalento, motivado pelos erros cometidos pelo Partido dos Trabalhadores, enquanto exercia o poder. Se o PT era "diferente dos outros", o partido que viria "trazer a ética para a política", as denúncias do Mensalão e do Petrolão indicaram que a ética havia sido esquecida em alguma gaveta do governo Lula.
Quem usava a estrelinha vermelha no peito, quem grudava adesivos do PT na janela de casa e do carro, se sentiu traído, quando as denúncias ocuparam as manchetes da mídia. As corporações empresariais, que dominam os meios de comunicação, bateram firme e forte no governo Dilma até abalar as estruturas e fazer o edifício petista ruir com estrondo.
Sem cometer nenhum crime no exercício do cargo, Dilma desabou no impeachment, mas ganhou de Lewandowski o direito de ser derrotada na eleição para senadora.
O PT deveria ter reconhecido seus erros. Deveria ter feito uma autocrítica, mas o partido agiu como se não fosse com ele, como se a pulverização de sua ética fosse um equívoco menor.
A derrocada do PT trouxe à luz personagens diversos. Surgiu o jornalista partidário, melhor representado por Reinaldo Azevedo, que cunhou o bordão "petralhas". Veio essa professora Janaína Paschoal, que pronunciava discursos no Largo de São Francisco, como se estivesse tomada por algum espírito subterrâneo, e que encontrou um atalho jurídico para o impeachment golpista. Apareceu o jovem Kim Kataguiri, do MBL (Movimento Brasil Livre), bolsista da fundação norte-americana mantida pelos irmãos Koch (fique esperto Monteiro Lobato, 'o petróleo era nosso'). Vieram os juízes e promotores partidários, preocupados em condenar integrantes de legendas específicas e esquecer os demais (Aécio Neves está livre e solto e inacreditavelmente eleito com 100 mil votos). Os eleitores elegeram Janaína e Kataguiri para cargos parlamentares. Articuladores do golpe foram premiados pelas urnas. Para os eleitores, eles teriam agido corretamente em derrubar uma presidenta eleita, para "pôr fim à corrupção".
Só que a corrupção continuava bem de saúde. O ex-ministro de Temer Geddel Vieira Lima tinha R$ 51 milhões em um apartamento. Aécio Neves pedia R$ 2 milhões a Joesley Batista. E o próprio presidente Temer era acusado de liderar organização criminosa, que teria desviado R$ 587 milhões.
Sem provas efetivas para condenar Lula, o ex-presidente acabou na cadeia por causa de um apartamento, que nunca foi dele e onde ele nunca morou. Sob as acusações de "corrupção passiva" e "lavagem de dinheiro", o juiz Sergio Moro condenou Lula a 12 anos de prisão. Na realidade, a condenação de Lula foi motivada pela suposição de que, quando era presidente, ele teria conhecimento da corrupção que grassava na Petrobrás e que quase levou a petrolífera para o buraco. Prova mesmo - uma escritura, por exemplo - não havia.
Dia 28 de outubro, um domingo, o Brasil elege seu próximo presidente. O jornal francês Libération, em sua edição de 5 de outubro, colocou a foto de Bolsonaro ocupando toda a primeira página e o texto proclamou: "Racista, homofóbico, misógino, pró-ditadura e mesmo assim ele seduziu o Brasil".
Então, precisamos escolher entre o candidato de um partido que errou muito, quando esteve no poder, mas mesmo assim trouxe esperança para quem não tinha nenhuma esperança; e outro candidato que vai de encontro a todos os valores democráticos saudáveis, "uma folha seca que vai com o vento e a ventania está forte", como disse o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso sobre Bolsonaro.
A escolha não é simples, mas, para quem foi em todos aqueles memoráveis atos pela volta das Eleições Diretas, a decisão parece óbvia. Será difícil conquistar corações e mentes, rendidos ao "mito", ao "anticomunismo", mas tem luta que vale a pena ser travada. E esta é, sem dúvida, uma delas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário