segunda-feira, 6 de maio de 2024

Em época de alteração climática, governos deveriam tornar SUVs obsoletos

 


SUV, traduzido do inglês, significa "veículo utilitário esportivo". Na prática, é um carro enorme, poluente, bebedor, autoritário, que manda uma espécie de recado subliminar a quem está sendo ultrapassado por ele: Sai da frente, pobre. Sou rico, poderoso e o senhor dos caminhos.

Na Europa, o cerco aos SUVs começou pra valer. Governos aumentaram as taxas de circulação. Na Itália, centros históricos pensam em banir completamente a presença dos SUVs. Paris já sobretaxou esses veículos e Londres segue pelo mesmo caminho.  À noite, ecoativistas têm percorrido as ruas europeias e esvaziado os pneus desses gigantes.

Em plena crise climática, com desastres naturais ocorrendo por todo o planeta, como pode o consumidor ainda pensar em comprar um SUV? Movido a diesel ou gasolina, polui a atmosfera de maneira soberana e irresponsável. É um Tiranossauro Rex na cidade: ocupa muito espaço, faz espalhafato, se espalha por duas vagas nos estacionamentos. É um delinquente ambiental.

Por causa do tamanho gigantesco, esses carros têm se tornado protagonistas na matança de pedestres. Estudo produzido nos Estados Unidos revelou que a presença dos SUVs nas ruas aumentou em 57% o número de pedestres atropelados e mortos.

No Brasil, o país mais desigual do mundo, as vendas de SUVs cresceram 35%. O consumidor brasileiro, pelo jeito, está pouco se lixando para mudança climática, para uma postura mais sustentável, ele quer mesmo é ostentar, igual aos influencers que se projetam nas mídias sociais a bordo do luxo efêmero. Esse pessoal lembra o imperador Nero que tocava violino, enquanto um incêndio monumental queimava Roma (a gente sabe que isso é uma lenda, porque não tinha violino naquela época e Nero nem estava em Roma).

O preço dos SUVs é estratosférico. Tem modelos que custam 1 milhões de reais. Outros, mais em conta, saem por 270 mil, 300 mil e um Hyundai Palisade (considerado o maior SUV do mercado) sai da loja por módicos 500 mil reais. 

Garimpando notícias aqui no Brasil, não se veem medidas mais ortodoxas para acabar com a farra dos SUVs. O governo deveria quadruplicar, quintuplicar seus impostos sobre esses delinquentes ambientais. 

Para os céticos que dizem que nada muda, por isso não adianta mudar, houve avanços surpreendentes no que se refere ao cerceio de hábitos nocivos. Acredito que o melhor exemplo é o do banimento do tabaco, do cigarro social. Antes, a vida do não fumante era um suplício diário. Fumava-se no transporte público, nos locais de trabalho, nos restaurantes, aviões. Em todo lugar. Você ia a uma festa e saía cheirando cinzeiro. O cigarro foi inteligentemente banido da esfera social. É um ganho de qualidade de vida você poder comer em um restaurante, sem a companhia desagradável e nefasta de um fumante seu vizinho de mesa. 

O próximo passo agora seria banir os refrigerantes. Sobretaxá-los. Mas, melhor ainda, antes dos refrigerantes, a alça de mira deveria se posicionar sobre os SUVs. A primeira medida, seria obrigar os fabricantes a produzir esses gigantes apenas elétricos, sem uso de qualquer outro combustível. Nada de híbridos. Depois, como eles são muito grandes, como ocupam muito espaço, como atropelam muitas pessoas, uma sobrecarga tributária seria bem-vinda. 

E um recado ao ecoativista europeu: pare de esvaziar pneu de carro. Isso é uma bobagem. Pense em criar medidas restritivas e viáveis no parlamento de seu país. É bem mais prático do que ficar com dor nas costas de tanto esvaziar pneu. 

    

domingo, 5 de maio de 2024

Carros elétricos sofrem campanha de difamação

 

Modelo produzido pela chinesa BYD custa 115 mil reais

Pouco antes de entrar no século 20, por volta de 1895, Santos Dumont dirigia um carro movido a gasolina em Paris (França). Não gostava do cheiro e nem do barulho que a "carroça" fumegante fazia. Tirou o motor e colocou no lugar baterias. Circulava feliz da vida pela avenue des Acacias, com seu carrinho elétrico, que não fazia barulho, nem soltava fumaça, nem destruía o clima do planeta.

O buggy elétrico de Santo Dumont

Além de construir um avião, que decolou, fez a volta no torre Eiffel e pousou novamente, Santos Dumont certamente foi o primeiro brasileiro a ter um carro elétrico.

Os carros elétricos não utilizam combustível fóssil (diesel, gasolina), são silenciosos e resumem uma tecnologia de ponta, que reuniu todo o conhecimento humano sobre locomoção. Tirando os inconvenientes posicionamentos pessoais do bilionário filhinho de papai mimado Elon Musk, ele conseguiu criar um veículo absurdamente inteligente e não poluente. Não libera as partículas poluentes que estão matando o clima. Um familiar, que tem usado diariamente um Tesla, disse assombrado que "podem falar o que quiserem do Elon Musk, mas esse é o melhor carro do mundo". 

Estive ontem em um shopping, onde havia um show room de carros elétricos da chinesa BYD. Um Dolphin (veja imagem no alto) é um show de recursos tecnológicos. Tem potência, autonomia de 280 quilômetros, central multimídia, seis air bags, câmera de ré, sensores de estacionamento. Reportagens publicadas neste mês estimavam que o Dolphin custaria menos de 100 mil reais. Não custa. A vendedora me informou que o preço de venda é 115 mil reais. O carro é uma tentação. 

O problema maior dos carros elétricos hoje são as múltiplas campanhas que têm sido recorrentes - principalmente nas mídias sociais - para desencorajar futuro compradores. Quem fizer uma pesquisa rápido no YouTube vai ficar assombrado: carros elétricos pegam fogo, explodem, não vão dar certo no Brasil, estão sendo retirados do mercado. Vídeos falsos mostram explosões, desmentidos posteriormente, quando o estrago já foi feito: 

 https://g1.globo.com/fato-ou-fake/noticia/2023/08/23/e-fake-que-incendio-mostrado-em-video-seja-entre-dois-carros-eletricos.ghtml

Todos os dias, ao entrar nas redes sociais, me deparo com depoimentos, entrevistas, vídeos destinados a fazer a cabeça do público de que carro elétrico é uma roubada. 

Quem será que está por trás dessa campanha? De onde surge tanto material corrosivo e nem sempre verídico?

Em 2006, o cineasta Chris Paine fez um documentário intitulado "Quem matou o carro elétrico" https://www.youtube.com/watch?v=7tcv2ZXTk_E. A produção mostrava um modelo EV-1 da General Motors, que não precisava de troca de óleo, gás, nem escapamento e freios. O documentário deixava perceber nas entrelinhas que a morte do carro elétrico tinha um mandante. Aliás, vários mandantes. Seriam eles a indústria automotiva, a indústria petrolífera e o próprio governo norte-americano.

Conspirações à parte, passados 18 anos, a campanha contra o carro elétrico continua. É incansável. Está agora no seu celular, no seu notebook, no seu PC. Quem está por trás das mensagens negativas contra o carro elétrico?  

Assustadoramente atual, o filme de Chris Paine mencionava que os fenômenos climáticos se tornariam cada vez mais extremos e seriam a maior preocupação das nações nos anos seguintes.

O Rio Grande do Sul foi devastado por um fenômeno climático sem precedentes. O Sudeste enfrenta temperaturas de 36 graus em pleno mês de maio. Será tão difícil assim perceber que é preciso enfiar uma estaca de madeira profunda e imperdoável no coração da indústria petrolífera? As medidas têm de ser tomadas hoje. Nada de plano, de reuniões, de procrastinação. Tem de ser agora.  


domingo, 24 de março de 2024

A inexplicável crença na fé

 


O jogador faz um gol, ajoelha-se, agradece aos céus, tece uma cruz no ar, junto à testa e repete umas duas vezes o mesmo gesto. Ao dar entrevista para o telejornal esportivo, agradece a Deus por tê-lo ajudado a fazer o gol. "Deus me dá forças. Deus permitiu que eu marcasse o gol." 

A senhora teve a casa destruída pela enchente. Perdeu todos os móveis, os eletrodomésticos, as roupas, documentos. Tudo foi levado pelas águas. Durante a entrevista, ela contabiliza as perdas e agradece a Deus: "Tenho só que agradecer a Deus por ter me deixado com vida".

São dois exemplos, entre milhões, que a gente escuta ao longo da vida. As pessoas acreditam em um ser imaginário, que vive no céu, ou em algum lugar do universo, com o qual mantêm uma relação de perda e ganho. 

São 7 bilhões de seres humanos na Terra. Todos controlados por esse ser invisível. O jogador faz o gol e agradece a este ser, não levando em conta que, se Deus o ajudou, então, prejudicou o goleiro adversário e todo o outro time. De acordo com esse raciocínio simplista, Deus torce para um time e despreza o outro. "Foi Deus!", diz o atleta emocionado, garantindo ter algum tipo de relação próxima com a divindade. 

A senhora, que perdeu tudo na enchente, acredita que Deus mandou 200 milímetros de água sobre a casa onde vivia, para, em uma manobra celestial acrobática, destruir tudo, mas salvá-la. Não tem o menor sentido, mas as pessoas se emocionam e acreditam que foi a fé que a salvou.

Meu avô por parte de mãe escrevia um diário, em que contava as amarguras que passava na fazenda, onde a família, que veio da Itália, vivia e trabalhava no Brasil. Falava da pressão do fazendeiro de café sobre os trabalhadores. Do ritmo excruciante das jornadas intermináveis no campo, além dos salário irrisório e da miserabilidade geral (com exceção do fazendeiro). Nesse diário, que pude ler depois de sua morte, ele entabulava uma espécie de contabilidade com Deus. Relatava as perdas dos filhos: um recém-nascido morreu porque minha avó não sabia que estava grávida e a criança nasceu enquanto ela trabalhava no roçado; um garoto de um ano e sete meses morto por causa de alguma doença não diagnosticada e uma filha, morta aos 23 anos, provavelmente de câncer, mas nunca se soube ao certo. Ele anotava essas mortes e lembrava que o mesmo Deus que havia levado seus filhos também tinha lhe dado quatro netinhos. O balanço era favorável a Deus. Ele não tinha frequentado escola. Aprendera a ler, escrever e fazer contas por si próprio. Era uma pessoa esforçada, religiosa, que nem sempre conseguia entender a "contabilidade" divina. 

A crença nesse ser imaginário  atinge 156 milhões de brasileiros, em uma população de 200 milhões. Os ateus representam 22 por cento, algo em torno de 44 milhões que não creem em uma divindade. Em minoria, a vida do ateu em país de maioria religiosa é sofrida. Você está em um trem, que circula pela Grande São Paulo, e aparece no meio do vagão um cidadão, armado de uma bíblia. Ele começa a gritar e exigir que você o ouça. Mesmo sem querer, você é obrigado a escutá-lo. É uma ação religiosa agressiva. O crente quer convertê-lo e vai continuar gritando durante toda a sua viagem. Em casa, no conforto de sua residência, enquanto você relaxa e vê um programa qualquer na TV, toca a campainha. Você levanta do sofá. Vai até a porta e topa com meia dúzia de crentes, armados com seus livros religiosos, querendo fazer a sua cabeça. No supermercado, você está empurrando o carrinho, com aquela pressa de sempre, e do nada surgem dezenas de crentes, que começam a rezar e gritar, interrompendo suas compras. Eles chamam de "flash mob evangélico". É uma chateação atrás da outra. 

Você ama Deus, acredita nele, acha maravilhoso ir na igreja, cantar e rezar, crê em diabo e sabe-se lá mais o quê, por que cargas d'água você não continua na sua igreja, feliz da vida, e, ao invés disso, vem na minha casa perturbar o meu sossego? É maravilhoso acreditar em Deus? Ótimo, seja egoísta, guarde só para você, não venha me incomodar. Eu não saio de casa e vou dentro da sua igreja dizer que Deus não existe.

A fé é um negócio bilionário no Brasil. Segundo a Receita Federal, somente as igrejas evangélicas faturam 30 bilhões de reais por ano. As igrejas não pagam impostos. Elas têm o que se chama de "imunidade tributária". É um dinheiro que escorre limpinho bolso a dentro dos responsáveis pelos templos. 

Os seres humanos tinham necessidade de crer em divindades. Não sabiam por que o sol aparecia toda manhã. Nem sabiam o que era o sol. Durante as tempestades, não conseguiam entender o acontecimento climático de raios e trovões. Associavam a tempestade à ira furiosa de algum deus invocado por causa de alguma diatribe humana. Para aplacar a ira divina, surgiram os sacerdotes, que mantinham relação próxima com a divindade (a exemplo do jogador de futebol). Os sacerdotes faziam sacrifícios. Matavam ovelhas, cabras, galinhas e muitas pessoas (principalmente, mulheres virgens). 

Os filósofos gregos já desmontavam essa crença vingativa da divindade com uma associação simples. Enquanto os sacerdotes juravam que os raios e trovões eram manifestação da ira de Zeus, os filósofos questionavam as velhas crenças e diziam que isso era uma bobagem, porque os raios também caíam e destruíam as igrejas que louvavam Zeus. 

Ontem, as manchetes dos jornais relatavam um massacre ocorrido em uma casa de shows, em Moscou (Rússia). Um grupo de celerados entrou no lugar e disparou a esmo. Morreram 140 pessoas. Todas desarmadas, que estavam no local para se divertir. Esse grupo de malucos quer instituir no planeta Terra um negócio chamado "califado", em que um religioso monárquico muçulmano é o chefe do governo. Outro grupo muçulmano invadiu Israel, em 7 de outubro do ano passado, e matou centenas de pessoas. Esse grupo criminoso é genocida, planeja matar todos os judeus e eliminar o Estado de Israel.

A religião fez milhões de vítimas no passado. Continua a matar no presente. Esse pesadelo medieval, sem sentido, parece não ter fim.  

      

sábado, 24 de fevereiro de 2024

Lula e a prisão das ideologias

Lula e Zelensky posam para a foto

 A invasão da Rússia na Ucrânia completa dois anos. São cerca de 700 mil mortos e 730 dias de imagens de prédios destruídos, movimentação de tropas e veículos blindados, gente chorando, gente morta, o presidente ucraniano Volodymir Zelensky de pires na mão pedindo ajuda à Europa e aos Estados Unidos, para tentar impedir a ocupação total de seu território. 

Gostaria que o presidente do meu país transformasse em palavras o que eu sinto. O que eu sinto é uma aversão ao autocrata russo Vladimir Putin, presidente de 2000 a 2008 e de 2012 até agora (no curto intervalo entre 2008 e 2012 ele foi primeiro ministro), que invadiu a Crimeia, em 2014 e em 2022, a Ucrânia. 

Vladimir Putin invadiu a Ucrânia, porque precisava "defender" o território russo da "ameaça ocidental". Qual "ameaça"? Quando o ocidente iria atacar a Rússia? Essas perguntas sem resposta indicam que a Ucrânia está sendo vítima de um valentão ("bully" para usar a palavra inglesa da moda). Ao assumir a presidência, Zelensky sabia que o vizinho gigante era uma ameaça real. Foi em busca da Otan (Organização do Tratado Atlântico Norte). Pediu para a Ucrânia ser admitida no grupo de países que antigamente se opunham à União Soviética. A Otan era uma organização, quase em declínio, quase pronta para ser desmantelada. Coube a Putin a primazia de "reerguer" a Otan.

Em 1982, eu morava no interior da França e a Guerra Fria ainda era uma realidade. Muito distante, é verdade, mas presente no dia a dia. A gente andava na rua e quase toda semana o céu era riscado por caças bombardeiros, em treinamento da Otan. Os caças e tropas iam até a fronteira da antiga URSS e retornavam a suas bases. Em determinados dias, eram acionadas sirenes, que alertavam para possível ataque "inimigo". Era um ambiente de tensão constante. 

A União Soviética acabou. Veio abaixo com a derrubada do Muro de Berlim, em 1989. A Rússia trocou as cores da bandeira vermelha com a foice e o martelo, pela tricolor branco, azul e vermelho. Atualmente, nas cerimônias em Moscou, predomina o azul. Estranhamente, mesma cor do Partido Democrata norte-americano. 

Por que o presidente do meu país não se posiciona contra a invasão da Ucrânia, criticando de maneira feroz a Rússia e Vladimir Putin? Por que não usa o mesmo tom de indignação que empregou para criticar a destruição da Faixa de Gaza pelos israelenses?

Por causa de uma presença fantasmagórica chamada "ideologia". Li recentemente vários comunicados da esquerda na América Latina e em outros países e existe um termo comum, entre eles, que é o desejo de "proteger" a Rússia da "ameaça capitalista ocidental". Um desses comunicados menciona derrubar o governo eleito de Zelensky, substituindo-o por um governo "popular", da "classe trabalhadora".

Como assim? Zelensky foi eleito pela "classe trabalhadora" ucraniana, pelos aposentados e estudantes. É um mandatário legítimo, escolhido pela maioria dos eleitores.

Supostamente, preso a esse posicionamento ideológico perturbador, Luiz Inácio Lula da Silva prefere atacar Israel e se omite em relação à Ucrânia. Reiterou que Israel está cometendo "genocídio" ao "matar mulheres e crianças palestinos". 

Não é genocídio. Esta palavra implica em extermínio deliberado de um grupo étnico, racial ou religioso. As tropas israelenses não saíram de seus quartéis para exterminar palestinos. O exército de Israel reagiu a um ataque absurdo, cometido por um grupo terrorista, em 7 de outubro do ano passado, contra idosos, crianças, bebês, adolescentes, adultos. Os terroristas saíram matando a torto e direito. Vi na TV a imagem de uma senhora judia, de cerca de 80 anos, sendo levada pelos terroristas em um carro aberto (parece um Jeep). A multidão aplaudindo, como se fosse um grande feito heroico raptar uma idosa, que devia estar em casa, preparando o chá da tarde.

Israel iniciou uma guerra reativa contra os vizinhos. Só deve encerrar as hostilidades, quando formar uma faixa de segurança extensa, que antecederá em quilômetros os limites de seu território.

Como eu me sinto ao ver corpos de mulheres e crianças, em meio a escombros de prédios destruídos pelo bombardeio israelita?
Atualmente, tenho mudado de canal. Não consigo mais assistir essas imagens. Considero terrível essas 30 mil mortes de palestinos. Existe uma guerra em curso e é dilacerante presenciar tanta desgraça, ver tantas vidas destruídas, casas e apartamentos que viraram escombros, famílias esfaceladas. Filhos sem pais. Mães sem filhos. 

Grupos extremistas, como o Hamas (que covardemente atacou e matou pessoas desarmadas), não querem selar tratados de paz. Não querem conviver pacificamente com o vizinho. Não importa para esses grupos extremos que os palestinos tenham um país. O Hamas, a Jihad Islâmica, o Hezbollah só tem um único propósito: destruir Israel. Esses extremistas - se forem liquidados amanhã - serão substituídos no dia seguinte por outros, com os mesmos propósitos, a mesma deliberação ensandecida.

Voltando à Ucrânia, talvez o real motivo que faça com que o presidente Lula se omita em relação à violência russa seja menos uma questão ideológica, como os analistas internacionais supõe, e mais o fator econômico e político. O Brasil exporta produtos agropecuários para a Rússia e esta vende para o Brasil, principalmente, fertilizantes nitrogenados. Os dois países são parceiros de negócios. Em outubro, haverá encontro dos Brics (acrônimo que designa Brasil, Rússia, Índia e China) e Lula viajará para a Rússia, onde terá encontro privado com Vladimir Putin. Deve aparecer na foto dando a mão ao autocrata russo.

É a economia, imbecil. 

 


     
 

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

"True Detective" e a pior chefe de polícia da história

 

Jodie Foster faz o papel de chefe de polícia em vilarejo do Alaska

Jodie Foster, aos 61 anos, estrela a quarta temporada de "True Detective". Ela é a chefe de polícia de Ennis, uma cidade gelada e esquecida do mundo no invernal Alaska. Jodie Foster é também a pior chefe de polícia da história do cinema. Pode ser que tenha alguém tão ruim quanto ela, mas superá-la vai ser difícil. 

"True Detective" começou bem na primeira temporada com Mattew McConaughey e Woody Harrelson, no papel dos detetives, encarregados de descobrir um assassino em série que agia no estado de Louisiana (EUA). A história tinha um lapso de tempo de 17 anos, com os dois detetives voltando a se reencontrar para encontrar o criminoso.

A história segurava o público, com as atuações irrepreensíveis de Mattew McConaughey e Woody Harrelson. Havia a obsessão dos dois policiais em encontrar o assassino, as horas e horas dedicadas à investigação, o estudo das fotos das vítimas, a revisão dos inquéritos. Eles eram incansáveis e as cenas insistiam em mostrá-los dentro de uma viatura policial, percorrendo os campos desolados da Louisiana. Era um trabalho cansativo e infatigável. 

Se "True Detective" começou bem, esta última temporada - a quarta - tem tantos absurdos e bobagens que é até difícil elencar qual é o pior momento. Jodie Foster passou a vida no show business. Tem 58 anos de carreira. Nos filmes que protagoniza, ela é atacada ou ameaçada por homens. É uma especialidade. Foi assim em "Taxi Driver", "Silêncio dos Inocentes", "O quarto do pânico", "Acusados". Neste último filme, por sinal, ela é estuprada por vários homens em um bar. 

Nesta série "True Detective", Foster gosta de homens e tem até um caso tórrido com um coroa fora de forma. Como chefe de polícia, ela age sempre ao arrepio da lei, como diria um promotor de Justiça.

Imagine o seguinte: você é um policial e vê o seu colega de farda assassinar um homicida. O seu colega não quis saber de levar o suspeito preso, de acusá-lo formalmente, enfim, agir de acordo com aquele profissional que atua dentro do rigor da lei. O colega matou e você - pior ainda - queria ter tido a primazia da execução. Parece que a gente está em um morro carioca, ocupado pelo tráfico, mas não é. A história se passa nos Estados Unidos.

Em outro momento, um agente corrupto é assassinado dentro da sua casa e, ao invés de você chamar a Corregedoria, de registrar a ocorrência, de atuar dentro do limite legal; não, você manda limpar a cena do crime e sumir com o corpo do policial corrupto. É uma bagunça essa delegacia do Alaska.

A pior parte da trama são as cenas de "terror". Vários personagens veem gente morta, conversam com as almas perdidas, ouvem chamados do além. As cenas tentam provocar medo nos assinantes. Múmias descabeladas aparecem do nada e gritam: Uiiiiii. No Alaska, quase todo mundo tem uma alma perdida de estimação. Essas almas perdidas não têm qualquer função dentro da história. Servem apenas para sugerir que estamos vendo algo do gênero terror. 

Felizmente, uma personagem muito chata, bem irritante, tira a roupa e vai se escafeder no gelo, nos livrando da sua presença insuportável. A gente não deveria, mas fica feliz em ver que ela morreu congelada. 

A policial, vivida por Jodie Foster, comete outros descaminhos. O pior deles é ser testemunha de uma confissão de crime, cometido contra oito pessoas. Ficar sabendo dos detalhes da execução. Ouvir tudo atentamente e - simplesmente - deixar pra lá. Vam'bora que a luta continua. Um acinte. 

Esta quarta temporada poderia ter sido mais eficaz ao dar o seu recado. A história central fala de uma mina subterrânea que tem causado sérios danos ao meio ambiente e prejudicado a vida dos locais. É a mesma história da mina do Córrego do Feijão, da Vale do Rio Doce, que teve rompimento de uma barragem e soterrou e matou 272 pessoas. As mineradoras oferecem emprego a quem mora na localidade, mas a destruição ambiental é catastrófica. Em Ennis, a cidade fictícia onde Jodie Foster é chefe de polícia, a mina é altamente poluidora e transformou a água da cidade em lama preta. Nascem crianças mortas e muitos adoecem de câncer. 

Ou seja, tem história a ser contada. Mas os roteiristas decidiram criar um carnaval de múmias, espíritos perdidos, que fazem com que o assinante perca a paciência. Sem falar nos autóctones, que a gente chamava antigamente de "esquimós", retratados de uma maneira grotesca, com costumes pouco compreensíveis (por que cargas d'água os locais precisam pintar traços pretos debaixo do queixo?, por que isso é tão importante?). 

Um péssimo programa esta quarta temporada de "True Detetctive", em exibição pelo canal de assinatura HBO Max.  

      

terça-feira, 6 de fevereiro de 2024

É difícil achar o Brasil no meio da bagunça

 


A primeira página da edição online do "Estadão" informa que haverá nova legislação para coibir as "saidinhas" de presos. Vêm, em seguida, notícias do Corinthians (sem técnico), casal de influenciadores norte-americanos se deu mal, duas articulistas e duas notícias descem a lenha no ministro do STF Dias Toffoli, lançamento do novo Chevrolet e uma cachaça premium. 

O "Estadão" é um jornal do Olimpo. O País está em meio a uma dramática crise sanitária, com a dengue matando pessoas, e a primeira página do jornal nem dá bola pra isso. Dane-se a dengue!

Quem passeia por São Paulo, a capital, tropeça em 30 mil pessoas (homens, mulheres, crianças, idosos) vivendo sob pontes, viadutos, em condições de suprema e escaldante miséria. Causa estranhamento que esse quadro de sufocante desigualdade social não esteja na primeira página do jornal. De todos os jornais do País. Que sociedade construímos que permite que 30 mil pessoas - praticamente uma cidade - viva em condições humilhantes, de degradação profunda. Onde estão o presidente, o governador, o prefeito, o raio que o parta que não tira essas pessoas da rua, que não consiga lhes dar um teto? Como é possível viver numa sociedade que têm 30 mil pessoas morando na sarjeta?

A miséria não entra em pauta. Permanece remanejada para o inconsciente. A gente sabe que existe. A gente convive com os desgraçados, mas continua tocando a vida. "Nossa, dormiram na frente do nosso prédio ontem. Precisamos colocar uma lanças pontiagudas debaixo da marquise para afastar os mendigos." 

O País vive desastres hidrológicos e geológicos periódicos e fatais. Chove muito, porque a maior parte do País se encontra entre a linha do Equador e o Trópico de Capricórnio. Ou seja, é um país tropical, sujeito a chuvas e deslizamentos.

Sem condições de pagar aluguel, sem ter onde morar, centenas de famílias vivem às margens de córregos insalubres, fedorentos. Quando chove (e chove sempre e muito de novembro a março), as águas dos córregos e rios sobem. Sempre irão subir. As moradias, próximas às águas correntes de pequeno porte, vão descobrir que o arroio avolumou-se, tornou-se um rio devastador que vai encher de lama e soterrar os poucos bens de quem sempre teve muito pouco. Aqueles que compraram terrenos, com muita dificuldade, nas proximidades de barrancos verão suas moradias serem levadas pelo lamaçal megalodôntico, que pega telhados, paredes e pisos e, como um mágico destruidor, desaparece com tudo, em questão de segundos. Fica só a lama e sob ela os sonhos destruídos.

Na rede social, predomina a bagunça de sempre, o desordenamento informativo: promoção de loja de móveis (apresentadora circula entre sofás), história do samba paulista, montadora faz recall de airbags, viajantes passeiam por localidade italiana, nova rodada do campeonato paulista, propaganda da montadora Nissan, empréstimos consignados. 

A gente foge da rede social (Instagram) e corre para o jornal online. O veículo informativo põe um aviso, informando que quer saber a minha localização. Se eu permito ou bloqueio? Queria apenas ler a notícia, jornal, só isso. Novo clique e mais uma mensagem inquietante: "Deseja receber as notícias em tempo real? Agora não ou Ativar". É um inferno.

Tem uma série lançada em 2012, exibida atualmente pela HBO Max, intitulada "Newsroom", com o carismático Jeff Daniels, que faz o papel de um âncora de uma TV por assinatura. Mesmo sem ser novidade, a série toca em temas interessantes e atuais. O âncora despreza o jornalismo da fofoca, da notícia policialesca, da bobagem travestida de "informação". Ele quer questionar o poder, deseja jogar luz sobre um movimento do Partido Republicano, apelidado de "tea party", que ele considera um "novo talibã". O "tea party" - por sinal - tem um parente brasileiro que se chama bolsonarismo. O "tea party" defendia reduzir os programas de bem-estar social, opunha-se à reforma do sistema de saúde, queria menos intervenção do Estado na economia e, se pudesse, expulsaria todos os imigrantes sem documentos dos Estados Unidos. Era um movimento de extrema-direita, criado em 2009 e que lançou as raízes de uma nova direita, espalhada por países da Europa (Portugal tem o Chega), Itália, Espanha e que chegou ao poder no Brasil, em 2018, com a eleição de um deputado radical direitista do baixo clero, eleito presidente. A série "Newsroom" mostra principalmente a vontade do âncora de revolucionar a fórmula dos debates. Ao invés de um debate sonolento, orbitado por regras restritivas, ele desejava uma contenda de arguição incisiva, iconoclasta. O pessoal do Partido Republicano tirou da reta. 

Aproveitei esses dias pré-Carnaval para reler alguns livros de John Grisham. Se fosse resumir a obra dele em uma frase curta, diria: "O mal sempre vence".      

Achei esta imagem, que ilustra a postagem, significativa, dá ideia da bagunça que a gente tropeça no Instagram & Cia. por isso reproduzi aqui. Tem o aviso de "free royalties", significa que posso publicar, sem estar ferindo direitos autorais. Grato pelo designer que a produziu.

quinta-feira, 1 de fevereiro de 2024

Nas redes sociais, predomina o caos e a censura

 


O tempo passa mais rápido. Uma espera de 30 minutos voa, enquanto o dedo vai deslizando as imagens. Uma fila de alpinistas aguarda para chegar ao topo do monte Everest; Ministério Público pede arquivamento de processos; quadrinhos coloridos contam uma piada sobre o caos climático; dengue e a vacina; dois lutadores se golpeiam, um deles nocauteia o outro; imagem de Paris; carro manobrando; imagem de Veneza e as gôndolas; dicas para deixar seus utensílios de prata brilhando; pressão alta; convite para visitar uma cidade; imagem de uma vila paradisíaca na Suíça...

A "linha do tempo" é uma sequência "linear" de imagens que se sucedem interminavelmente. A pessoa passa horas deslizando pela "linha do tempo". A própria pessoa contribui para alimentá-la. Posta imagens de um prato de comida, de um evento que participou, encena uma situação supostamente engraçada, compartilha cenas de desastres.

A rede social é um caos informativo. Embora se diga que os algoritmos reproduzem aquilo que seu perfil exige, acredite, isso é uma bobagem. Os algoritmos são sem noção. Durante anos, recebi vídeos de consumo rápido (chamados de "reels") com cavalos. Cavalos sendo amestrados, cavalos desfilando, cavalos comendo, cavalos, cavalos e cavalos. Tenho horror de andar a cavalo. Não tenho cavalo e mesmo assim o algoritmo acreditava piamente que eu era apaixonado por cavalos. 

Mesmo assim, a gente passa horas, dias, semanas, deslizando pela tela. A gente ri. Comenta algo com alguém. Encaminha uma informação. Digita, reclama, posta... É um turbilhão informativo, sem qualquer ordem ou classificação. Somos arrastados por ela, dominados por ela, a famosa "rede social".

Aparentemente, é um espaço democrático, onde você pode postar suas opiniões, divulgar suas ideias, expor seus ideais. Só que não é bem assim. A rede social é um espaço de vigilância constante. Se você publica algo que uma determinada maioria se posiciona de forma contrária, pode aguardar, você terá suas postagens censuradas.

No meio do caos informativo, prepondera a censura. Essa censura vem de "cima". Cai verticalmente sobre a sua cabeça. Você pode até tentar se defender. Envia e-mails, liga para conhecidos, procura o sindicato da sua categoria. Ao final, você será derrotado. A rede social não vai lhe dar ouvidos. Eles estão em um patamar superior à humanidade.

Você teve o seu blogue censurado pelo Facebook? Tudo bem, por que isso aconteceu? Difícil saber. O Facebook não tem telefone, não tem uma pessoa que vai ouvir seus reclamos. É uma parede. Rígida, imóvel, que não lhe deve qualquer satisfação. Embora a Constituição brasileira diga que todos os brasileiros têm direito à liberdade de expressão, o artigo quinto, parágrafo quarto é solenemente ignorado pela rede social. Basta um grupo reclamar em peso e seu pensamento será varrido pelo Facebook, Instagram et caetera.

Em 1º de outubro de 2023, publiquei neste blogue um texto, intitulado "Precisamos falar sobre o aborto". Provavelmente, grupos religiosos, que se opõem ao aborto, reclamaram em massa ao Facebook, que, sem sequer ler o artigo, sem entrar em contato comigo, simplesmente, proibiu a divulgação de minhas postagens. O texto teria ferido suscetibilidades. Na realidade, acredito que esse pessoal não se deu ao trabalho de ler o texto. Diante do título, foi correndo protestar e atendido, sem reservas e de forma imediata, pela rede social.

A rede social não é apenas caótica. É um organismo perigoso que fere a liberdade de expressão e não deve satisfação a qualquer organismo de classe. Mesmo assim, o mecanismo é hipnotizante. A gente não cansa de rolar a tal da "linha do tempo": imagem de Amsterdã com neve nas ruas; um hipopótamo briga com um tigre; um castelo; propaganda de uma montadora de veículos; entrevista de 1986 com Zeca Pagodinho; pauta do Noturno número 9 de Chopin; corrida de Fórmula 1; maestro regendo orquestra...

        

sábado, 20 de janeiro de 2024

Informática gera falsas acusações contra funcionários dos Correios ingleses

 

Somente agora governo britânico tomará medidas sobre os erros

Entre 1999 e 2015, 700 funcionários foram acusados de enfiar a mão na grana dos Correios ingleses. Eles faziam o balanço de caixa, mandavam para a matriz e o sistema de informática, o software Horizon, implementado pela japonesa Fujitsu, acendia uma luz vermelha e avisava a chefia: "Fulano está roubando". O funcionário era chamado às falas. Dizia que era inocente. O chefe ria e dizia: "Na cadeia, para onde você vai, todo mundo diz que é inocente". O funcionário era processado. Tinha de devolver o dinheiro "roubado". Perdia o emprego. Era julgado, condenado e preso. Passava a ser olhado de soslaio pelos amigos, parentes e vizinhos. Ficava com um carimbo na testa; "ladrão". 

Acontece que os 700 infelizes acusados de fraude, roubo e falsificação eram todos inocentes. Nenhum havia roubado os Correios da rainha. O software Horizon veio com um "erro de fabricação". Não passou por "recall" e a Fujitsu dizia que estava tudo certo, que o software era confiável e que os agentes eram mesmo um grupo de bandidos, ladrões, salafrários. Bom, é claro que a Fujitsu não usava esses termos, mas continuava apoiando cegamente seu Horizon até que descobriram que o programa era falho.

Uma série de TV, produzida pela britânica ITV, relata o drama que atingiu centenas de trabalhadores honestos. Chama-se "Mr.Bates vs The Post Office". É estrelada por Toby Jones, que faz o papel de Mr. Bates, o funcionário correto, indignado com as acusações levianas e sem fundamento e que move um processo contra The Post Office, que é o nome em inglês dos Correios.

Na semana passada, o primeiro ministro Rishi Sunak confirmou que prepara legislação para inocentar todos os acusados. Por enquanto, à medida que os processos rolavam na corte, os injustamente acusados iam sendo absolvidos. Na base do conta-gota. Agora, com a decisão do primeiro ministro, uma única canetada vai livrar a cara de todo mundo.

Muitos não suportaram as acusações e se suicidaram. Outros caíram em depressão. Não suportaram a vergonha, o vexame públicos. A série de TV ganhou audiência e trouxe o tema novamente para debate. Por isso, Sunak decidiu neste mês pela criação de legislação que inocenta os acusados.

Esse erro monumental, desastroso, provocado pela informática, me fez lembrar do início de carreira. Quando comecei no jornalismo, o repórter usava máquina de escrever e digitava sua matéria em um pedaço de papel chamado lauda. Algumas tinham 20 linhas, outras 25, marcadas em vermelho. Depois de escrever, o repórter corrigia o texto. Riscava. Escrevia por cima. Às vezes, batia um trecho à máquina, recortava e colava sobre a lauda original. Ficava uma nojeira. O texto ainda ia passar pelo copydesk, pelo revisor, pelo editor e ia ter muito erro pelo caminho.

Finalmente, vieram os computadores. Escrever ficou muito mais simples. O repórter abria o seu PC. Via a página já diagramada do jornal. E escrevia naquele espaço. Às vezes, o editor olhava e corrigia. Às vezes, não dava tempo. Simplificou. Aperfeiçoou o sistema. Só que não.

A informática enfiou também uma estaca de madeira nos jornais impressos. No Brasil, não se veem mais jovens andando com jornal debaixo do braço. Na Europa, é mais comum o pessoal comprar jornal na banca e levar para ler no café.

Sinto rancor da informática. Desprezo por ela ter destruído a cultura do papel e colocado no lugar a controversa "rede social". A série "Mr. Bates vs The Post Office" toca em um nervo sensível que é o erro. A tecnologia dos computadores parece acima do bem e do mal. É algo inatacável, "que veio para ficar", "que mudou o mundo". Mas também erra. E seus erros podem matar indiretamente humanos. Parece coisa do "Exterminador do Futuro". E olha que é isso mesmo.   

  

terça-feira, 17 de outubro de 2023

A árdua missão de uma mulher presidente no futebol

 

Leila Pereira conquistou 12 títulos para o Palmeiras

"NÃO É POSSÍVEL! Atitude de Leila causa fúria na torcida do Palmeiras. Já passou da hora dessa mulher sair do Verdão. Merecemos um presidente a altura para comandar nosso Clube!"

Esta é apenas uma postagem apanhada ao sabor do vento em uma rede social. A fúria de uma torcida organizada contra a presidente Leila Pereira parece ter dia e hora para ter começado. Surgiu quando a presidente decidiu deixar de dar dinheiro para esta organizada, que faz desfiles de Carnaval. Desde então, as publicações nas redes sociais foram subindo de tom até estas últimas que pedem a saída dela da Presidência. Assim mesmo, na base do golpismo, uma vez que o mandato da presidente Leila encerra-se no próximo ano, com direito à reeleição. "Saia agora! Estamos mandando!", eles dizem, com outras palavras.

A justificativa da presidente para deixar de subsidiar a organizada foi óbvia e traz uma informação que todo torcedor de futebol conhece: "As organizadas são o câncer do futebol". Teve promotor que prometeu acabar com as organizadas e fracassou. Outras ações semelhantes foram utilizadas (juizado do torcedor para punir os responsáveis por violência no campo e extracampo), além da rendição completa aos arruaceiros que é a decisão de fazer os grandes jogos, os clássicos, com apenas uma torcida do mandante.

Desde 2015, quando a Crefisa passou a patrocinar o Palmeiras, a presidente Leila Pereira (eleita em 2022) fez uma coleção invejável de títulos: Paulista de 2020, 2022 e 2023; Copa do Brasil de 2015 e 2020; Brasileiro de 2016, 2018 e 2022; Libertadores de 2020 e 2021; Recopa Sul-Americana de 2022 e Supercopa do Brasil de 2023. São 12 títulos. Todos importantes, significativos e históricos.

Mesmo assim causa estranhamento que a organizada, em questão, promova campanha para destituir a presidente. Não contentes em pedir diariamente a saída da presidente, grupos têm atacado as lojas da empresa patrocinadora, de forma criminosa e, até então, impunemente.

Em ângulo maior, a direita fez o mesmo ao tirar a presidente Dilma de seu cargo, por culpa de um artifício burocrático, que depois constatou-se não ter lesado o erário público. São golpistas. Tanto bolsonaristas e organizados têm o mesmo DNA.

Acostumado a frequentar campos de futebol desde a longínqua década de 1960, presenciei momentos de extrema violência. Certa vez, em um jogo contra o São Paulo, no velho Parque Antárctica, um torcedor acendeu um rojão e disparou o petardo em nossa direção. Na época, usava cabelo comprido e a bomba estourou a centímetros da minha cabeça. Tufos de cabelo saíam aos montes da minha mão, à medida que passava os dedos para entender o grau da desgraça.

Fora esse momento de enfrentamento, as situações mais surpreendentes partiram dessa organizada, que hoje perdeu o patrocínio e tenta destituir a presidente eleita. Uma vez, durante uma partida, um integrante desta organizada virou-se contra um rapaz que estava ao meu lado e lhe desferiu um murro potente no nariz, que começou a sangrar. Isso porque o rapaz xingou um jogador que o integrante da organizada devia apreciar sobremaneira. Houve outros momentos de muito pânico. Para não ser exaustivo, lembro de estar com meu filho na arquibancada, quando parte da torcida do Palmeiras começou a apupar os integrantes da organizada, sabe-se lá por qual motivo. Os torcedores organizados saíram como, provavelmente os hunos comandados por Átila sairiam em busca de seus inimigos. Eu e meu filho, que devia ter uns 10 anos, vimos aquela multidão enlouquecida vindo em nossa direção e nos abaixamos. Eles saltavam por cima de nós e iam até a torcida, também do Palmeiras, tirar satisfação. Momentos de pânico e desespero.

O Brasil tem mesmo esse problema. Não consegue resolver aquilo que mais incomoda. Vai varrendo para debaixo do tapete. São Paulo tem a sua Cracolândia, com tráfico de drogas a céu aberto. As motos fazem o que querem nas ruas, causando - todos os dias - acidentes graves que provocam congestionamentos quilométricos. O transporte público não funciona e, quando funciona, está sempre lotado e irrespirável. Os ônibus não chegam no horário. Os trens não chegam no horário. O metrô lança pneus lá do alto em cima da cabeça da gente que está passando aqui embaixo. As enchentes têm dia e hora para acontecer. E os desabamentos também, assim como a ocupação irregular das áreas urbanas. É uma bagunça. É nesse lugar que a gente vive e tenta sobreviver, um dia depois do outro.

domingo, 1 de outubro de 2023

Precisamos falar sobre o aborto

 

800 mil mulheres brasileiras praticam aborto a cada ano

.No final de seu mandato à frente do STF (Supremo Tribunal Federal), a ministra Rosa Weber votou a favor da descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação. O ministro que deveria votar em seguida - Luís Roberto Barroso - fez um pedido de destaque e com isso o julgamento foi suspenso.

A gestante que abortar hoje dentro dessa faixa limite (até 12 semanas de gestação) pega de um a quatro anos de cadeia. O crime é previsto nos artigos 124 e 126 do Código Penal. O artigo 124 diz que se a gestante causar o aborto, incorre em crime. E o artigo 126 refere-se a quem pratica o aborto na gestante.

O Código Penal brasileiro tem 83 anos. É um velho caduco. O Código ficou perdido no tempo. Existe um fato comprovado: 800 mil mulheres brasileiras abortam a cada ano. Desse total, 200 mil mulheres correm em busca do SUS, quando o aborto provocado em condições precárias e insalubres acaba colocando em risco a vida da mulher. Levantamento disponibilizado pela Câmara dos Deputados indica que o aborto está na lista dos maiores causadores de mortes maternas. É a quinta maior causa.

No mundo, o aborto é legalizado em 77 países. Na América Latina, Argentina, Uruguai, Guiana e Guiana Francesa permitem o aborto. No Chile e na Colômbia, abortar não é considerado crime. Em 23 de setembro último, a Suprema Corte do México descriminalizou o aborto. 

No Brasil, a discussão pautada pelo PSOL no STF, ao que parece, está paralisada. Deve mofar nas prateleiras do Supremo por um bom tempo até que um ministro consiga tirar o pó do processo e recolocá-lo em pauta.

Estranha essa aversão do brasileiro em resolver os problemas. Ele prefere deixar a aranha, o escorpião, a cobra cascavel embaixo do tapete. Escondidos. Estão lá. Dentro da casa dele. Ele sabe disso, mas faz de conta que não há aranha, nem escorpião, nem cobra cascavel dentro de casa. Continua assistindo as séries em streaming da Netflix que hoje devem superar as novelas, antigo interesse dos brasileiros diante da TV. 

O brasileiro age como se não houvesse o problema e o problema está bem diante do nariz dele. Uma em cada sete mulheres já fez aborto no Brasil. Geralmente, isso ocorre antes da mulher completar 19 anos.

Outro fator a ser considerado é que o aborto é legal para a mulher que tem dinheiro e ilegal para a mulher pobre. A mulher que tem dinheiro marca consulta em uma clínica, com médicos experientes e infraestrutura de hospital cinco estrelas. O aborto é feito. Ela não corre qualquer risco e vai para casa no mesmo dia, levando medicamentos que deve tomar nos dias seguintes para evitar intercorrências.

A mulher pobre não tem dinheiro para pagar clínica, nem médicos. Recorre a práticas medievais. Há relatos de talos de mamona enfiados na vagina para provocar contração uterina e a morte do feto. Esse aborto sem assistência, sem mediação de uma unidade de saúde, provoca a morte maternal. As mulheres pobres, que não querem ter filhos, ficam com vergonha de alertar os familiares. Depois de dias, com dores fortíssimas, passando mal, a mulher procura ajuda no posto de saúde e nem sempre dá tempo de salvá-la. Enquanto isso, a pauta dorme no STF.

Para se ter uma ideia de como essa discussão é antiga, em 1989, distantes 34 anos atrás, eu editava um caderno no falecido "Diário Popular" e publiquei uma reportagem sobre aborto. Conforme a repórter que produziu a matéria concluiu, na época, o aborto era legal para quem tinha dinheiro e ilegal para as mulheres pobres.

Grupos religiosos e conservadores, assim que a ministra Rosa Weber votou a favor da descriminalização do aborto, antes mesmo que a tinta da caneta dela no papel secasse, começaram a povoar as redes sociais, com mensagens sensacionalistas, tentando conquistar corações e mentes.

Um cidadão me enviou uma postagem que mostrava animais silvestres, proibidos de serem mortos. E questionava por que os humanos preferiam salvar animais silvestres e, em contrapartida, matar bebês? A arte era ilustrada com setas verdes sobre onças, cobras e outros bichos, dizendo que esses eram protegidos pela lei; enquanto que as criancinhas (e a seta assinalava um X vermelho sobre a foto de um bebê) podiam ser mortas a qualquer momento.

Essa manipulação asquerosa da opinião pública busca atrair pessoas ainda sem opinião formada sobre o tema. De fato, como é possível que os seres humanos preservem  animais silvestres e matem bebês? Não faz sentido.

Na prática, a gente sabe que onças, cobras, jacarés, passarinhos, cutias, entre tantos animais da fauna brasileira, continuam sendo exterminados diariamente. Queima-se a floresta. Queima-se implacavelmente. A destruição ambiental no Brasil não tem limites e as leis são pouco eficazes na sua proteção. Como seres sem cérebro e omissos, enchemos nossas barrigas de cerveja e petiscos, de camiseta e bermuda, com parte da bunda aparecendo na hora de se levantar da poltrona para pegar mais cerveja na geladeira, enquanto o noticiário informa, em linguagem sígnica, que  "Brasil destrói 128 campos de futebol de floresta por hora". Glub-glub-glub. E toma cerveja... Por isso, essa imagem da onça, da cobra, do jacaré protegidos é uma bobagem. Uma estupidez produzida por uma mente infantil. 

Já o aborto clandestino continuará produzindo vítimas. Mulheres pobres, principalmente, vão morrer, em razão de abortos perpetrados por curiosos inexperientes, em condições vis. E a gente continua fingindo que nada há embaixo do tapete. 

      



     

    


terça-feira, 26 de setembro de 2023

A difícil tarefa do brasileiro enxugador de gelo

 

Um em cada três presos brasileiros responde por tráfico de drogas (foto BBC)

Não é fácil. Enxugar gelo é uma das tarefas mais inglórias, reservadas à humanidade. Parece que você está fazendo a coisa correta, mas peca pela inutilidade da ação. O Brasil tem hoje 832.295 presos, segundo o Infopen. Vinte e cinco por cento da população carcerária estão atrás das grades por tráfico de drogas. Um em cada três presos responde por tráfico. Se a gente tiver a paciência de selecionar as principais notícias da mídia, envolvendo confrontos armados, vamos chegar à conclusão que é sempre a mesma história: o tráfico por trás da violência. 

Durante quantos anos mais vamos ligar a TV, pegar o jornal, ligar o rádio e ouvir sempre a mesma ladainha, a mesma insuportável ladainha: "Traficantes armados trocaram tiros com a polícia nesta manhã..."; "Traficantes disputam ponto de droga", "Traficantes e milicianos disputam posse de comunidade carioca"? 

O governo destina 1 bilhão e meio de reais anualmente para NÃO acabar com o tráfico de drogas. É um dinheiro jogado na lata de lixo. As polícias federais, estaduais, rodoviárias, civis empregam milhares de horas de serviço no combate às drogas. Apreendem uma tonelada de maconha naquele caminhão. Encontram duas toneladas de cocaína debaixo de um navio. Vão correndo atrás do prejuízo. Eles ganham uma ou outra batalha e perdem a guerra. Perdem a guerra, porque as pessoas querem se drogar. Querem usar cocaína, maconha, ecstasy, crack, sei lá mais o quê. Elas querem a droga. Precisam da droga. Então, não adianta enxugar o gelo. As pessoas vão continuar se drogando. São cinco milhões de brasileiros, entre 210 milhões, que consomem drogas. Ou seja, 2,3 por cento da população precisam de drogas para aguentar o tranco. 

Existe o traficante, porque existe o consumidor de droga. Onde há oferta... 

Até quando esse jogo de esconde-esconde continuará? A solução seria continuar reprimindo o tráfico (ação que qualquer marciano idiota acharia que se trata de uma estupidez), ou buscar outra possibilidade? 

É simples: os meios policiais repressivos não conseguem impedir o tráfico de drogas. Eles podem inibir, minimizar, mas a droga vai continuar chegando ao usuário.

Seria o momento de compreender que tudo que se fez até agora não deu certo. Não funcionou. Não atingiu os objetivos. A droga continua sendo negociada e ponto final. 

Como sou uma pessoa simplista e ingênua, acredito que o governo deveria abrir farmácias de venda de drogas, com preços acessíveis, do tipo "genérico". Empregos seriam criados. Impostos, arrecadados e os usuários deixariam de fortalecer o crime organizado, as facções, os milicianos, aquela desgraça toda que a gente se "acostumou" a tomar conhecimento.

Mês passado estive no bairro Alto, em Lisboa, visitando uma loja de venda de produtos de maconha. Tem cerveja, chá, bolacha, vaporizadores, cookies, chocolate... Os consumidores entram. Escolhem o produto que desejam. Vão até o caixa. Pagam e saem com sua compra, sem precisar subir em favela, levar tiro de PM, driblar traficante armado de fuzil. A loja é limpa. Confortável e atraente. Bem verdinha.

Mas no Brasil isso não deve ocorrer. Aqui, vamos continuar "proibindo" as drogas, dando tiro a esmo, matando crianças e enriquecendo os criminosos. 

Outra forma de enxugar gelo, que o brasileiro faz questão de manter, é permitir que as motocicletas trafeguem pelo corredor. Hoje, até o final do dia, vão morrer quatro motociclistas. As motos foram as principais responsáveis por acidentes de trânsito no Brasil, em 2022. Setenta por cento dos acidentados de moto ficam com algum problema na perna, ou na pior opção tornam-se deficientes. Mesmo assim até hoje as autoridades de trânsito do Brasil recusam-se a encarar o problema de frente. Mantém o sinal verde para os motoqueiros criarem sua própria lei de trânsito. E a lei de trânsito do motoqueiro vale tudo: sinal verde, vermelho e amarelo é tudo igual, significa que ele pode seguir sempre em frente; mão e contramão não existem, todas as ruas são mãos; calçada também serve de pista de rolamento; pode ultrapassar pela direita, pela esquerda, pelo meio. É uma farra. É uma casa da mãe joana que faz vítimas diárias. Nos Estados Unidos, com exceção da Califórnia, é proibido trafegar no corredor dos veículos. Também é proibido trafegar pelo corredor na Alemanha, França e Itália. 

Aqui, a gente vai continuar enxugando gelo. Somos bons pra caramba nisso.

      

Em época de alteração climática, governos deveriam tornar SUVs obsoletos

  SUV, traduzido do inglês, significa "veículo utilitário esportivo". Na prática, é um carro enorme, poluente, bebedor, autoritári...