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800 mil mulheres brasileiras praticam aborto a cada ano |
.No final de seu mandato à frente do STF (Supremo Tribunal Federal), a ministra Rosa Weber votou a favor da descriminalização do aborto nas primeiras 12 semanas de gestação. O ministro que deveria votar em seguida - Luís Roberto Barroso - fez um pedido de destaque e com isso o julgamento foi suspenso.
A gestante que abortar hoje dentro dessa faixa limite (até 12 semanas de gestação) pega de um a quatro anos de cadeia. O crime é previsto nos artigos 124 e 126 do Código Penal. O artigo 124 diz que se a gestante causar o aborto, incorre em crime. E o artigo 126 refere-se a quem pratica o aborto na gestante.
O Código Penal brasileiro tem 83 anos. É um velho caduco. O Código ficou perdido no tempo. Existe um fato comprovado: 800 mil mulheres brasileiras abortam a cada ano. Desse total, 200 mil mulheres correm em busca do SUS, quando o aborto provocado em condições precárias e insalubres acaba colocando em risco a vida da mulher. Levantamento disponibilizado pela Câmara dos Deputados indica que o aborto está na lista dos maiores causadores de mortes maternas. É a quinta maior causa.
No mundo, o aborto é legalizado em 77 países. Na América Latina, Argentina, Uruguai, Guiana e Guiana Francesa permitem o aborto. No Chile e na Colômbia, abortar não é considerado crime. Em 23 de setembro último, a Suprema Corte do México descriminalizou o aborto.
No Brasil, a discussão pautada pelo PSOL no STF, ao que parece, está paralisada. Deve mofar nas prateleiras do Supremo por um bom tempo até que um ministro consiga tirar o pó do processo e recolocá-lo em pauta.
Estranha essa aversão do brasileiro em resolver os problemas. Ele prefere deixar a aranha, o escorpião, a cobra cascavel embaixo do tapete. Escondidos. Estão lá. Dentro da casa dele. Ele sabe disso, mas faz de conta que não há aranha, nem escorpião, nem cobra cascavel dentro de casa. Continua assistindo as séries em streaming da Netflix que hoje devem superar as novelas, antigo interesse dos brasileiros diante da TV.
O brasileiro age como se não houvesse o problema e o problema está bem diante do nariz dele. Uma em cada sete mulheres já fez aborto no Brasil. Geralmente, isso ocorre antes da mulher completar 19 anos.
Outro fator a ser considerado é que o aborto é legal para a mulher que tem dinheiro e ilegal para a mulher pobre. A mulher que tem dinheiro marca consulta em uma clínica, com médicos experientes e infraestrutura de hospital cinco estrelas. O aborto é feito. Ela não corre qualquer risco e vai para casa no mesmo dia, levando medicamentos que deve tomar nos dias seguintes para evitar intercorrências.
A mulher pobre não tem dinheiro para pagar clínica, nem médicos. Recorre a práticas medievais. Há relatos de talos de mamona enfiados na vagina para provocar contração uterina e a morte do feto. Esse aborto sem assistência, sem mediação de uma unidade de saúde, provoca a morte maternal. As mulheres pobres, que não querem ter filhos, ficam com vergonha de alertar os familiares. Depois de dias, com dores fortíssimas, passando mal, a mulher procura ajuda no posto de saúde e nem sempre dá tempo de salvá-la. Enquanto isso, a pauta dorme no STF.
Para se ter uma ideia de como essa discussão é antiga, em 1989, distantes 34 anos atrás, eu editava um caderno no falecido "Diário Popular" e publiquei uma reportagem sobre aborto. Conforme a repórter que produziu a matéria concluiu, na época, o aborto era legal para quem tinha dinheiro e ilegal para as mulheres pobres.
Grupos religiosos e conservadores, assim que a ministra Rosa Weber votou a favor da descriminalização do aborto, antes mesmo que a tinta da caneta dela no papel secasse, começaram a povoar as redes sociais, com mensagens sensacionalistas, tentando conquistar corações e mentes.
Um cidadão me enviou uma postagem que mostrava animais silvestres, proibidos de serem mortos. E questionava por que os humanos preferiam salvar animais silvestres e, em contrapartida, matar bebês? A arte era ilustrada com setas verdes sobre onças, cobras e outros bichos, dizendo que esses eram protegidos pela lei; enquanto que as criancinhas (e a seta assinalava um X vermelho sobre a foto de um bebê) podiam ser mortas a qualquer momento.
Essa manipulação asquerosa da opinião pública busca atrair pessoas ainda sem opinião formada sobre o tema. De fato, como é possível que os seres humanos preservem animais silvestres e matem bebês? Não faz sentido.
Na prática, a gente sabe que onças, cobras, jacarés, passarinhos, cutias, entre tantos animais da fauna brasileira, continuam sendo exterminados diariamente. Queima-se a floresta. Queima-se implacavelmente. A destruição ambiental no Brasil não tem limites e as leis são pouco eficazes na sua proteção. Como seres sem cérebro e omissos, enchemos nossas barrigas de cerveja e petiscos, de camiseta e bermuda, com parte da bunda aparecendo na hora de se levantar da poltrona para pegar mais cerveja na geladeira, enquanto o noticiário informa, em linguagem sígnica, que "Brasil destrói 128 campos de futebol de floresta por hora". Glub-glub-glub. E toma cerveja... Por isso, essa imagem da onça, da cobra, do jacaré protegidos é uma bobagem. Uma estupidez produzida por uma mente infantil.
Já o aborto clandestino continuará produzindo vítimas. Mulheres pobres, principalmente, vão morrer, em razão de abortos perpetrados por curiosos inexperientes, em condições vis. E a gente continua fingindo que nada há embaixo do tapete.
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