sábado, 20 de janeiro de 2024

Informática gera falsas acusações contra funcionários dos Correios ingleses

 

Somente agora governo britânico tomará medidas sobre os erros

Entre 1999 e 2015, 700 funcionários foram acusados de enfiar a mão na grana dos Correios ingleses. Eles faziam o balanço de caixa, mandavam para a matriz e o sistema de informática, o software Horizon, implementado pela japonesa Fujitsu, acendia uma luz vermelha e avisava a chefia: "Fulano está roubando". O funcionário era chamado às falas. Dizia que era inocente. O chefe ria e dizia: "Na cadeia, para onde você vai, todo mundo diz que é inocente". O funcionário era processado. Tinha de devolver o dinheiro "roubado". Perdia o emprego. Era julgado, condenado e preso. Passava a ser olhado de soslaio pelos amigos, parentes e vizinhos. Ficava com um carimbo na testa; "ladrão". 

Acontece que os 700 infelizes acusados de fraude, roubo e falsificação eram todos inocentes. Nenhum havia roubado os Correios da rainha. O software Horizon veio com um "erro de fabricação". Não passou por "recall" e a Fujitsu dizia que estava tudo certo, que o software era confiável e que os agentes eram mesmo um grupo de bandidos, ladrões, salafrários. Bom, é claro que a Fujitsu não usava esses termos, mas continuava apoiando cegamente seu Horizon até que descobriram que o programa era falho.

Uma série de TV, produzida pela britânica ITV, relata o drama que atingiu centenas de trabalhadores honestos. Chama-se "Mr.Bates vs The Post Office". É estrelada por Toby Jones, que faz o papel de Mr. Bates, o funcionário correto, indignado com as acusações levianas e sem fundamento e que move um processo contra The Post Office, que é o nome em inglês dos Correios.

Na semana passada, o primeiro ministro Rishi Sunak confirmou que prepara legislação para inocentar todos os acusados. Por enquanto, à medida que os processos rolavam na corte, os injustamente acusados iam sendo absolvidos. Na base do conta-gota. Agora, com a decisão do primeiro ministro, uma única canetada vai livrar a cara de todo mundo.

Muitos não suportaram as acusações e se suicidaram. Outros caíram em depressão. Não suportaram a vergonha, o vexame públicos. A série de TV ganhou audiência e trouxe o tema novamente para debate. Por isso, Sunak decidiu neste mês pela criação de legislação que inocenta os acusados.

Esse erro monumental, desastroso, provocado pela informática, me fez lembrar do início de carreira. Quando comecei no jornalismo, o repórter usava máquina de escrever e digitava sua matéria em um pedaço de papel chamado lauda. Algumas tinham 20 linhas, outras 25, marcadas em vermelho. Depois de escrever, o repórter corrigia o texto. Riscava. Escrevia por cima. Às vezes, batia um trecho à máquina, recortava e colava sobre a lauda original. Ficava uma nojeira. O texto ainda ia passar pelo copydesk, pelo revisor, pelo editor e ia ter muito erro pelo caminho.

Finalmente, vieram os computadores. Escrever ficou muito mais simples. O repórter abria o seu PC. Via a página já diagramada do jornal. E escrevia naquele espaço. Às vezes, o editor olhava e corrigia. Às vezes, não dava tempo. Simplificou. Aperfeiçoou o sistema. Só que não.

A informática enfiou também uma estaca de madeira nos jornais impressos. No Brasil, não se veem mais jovens andando com jornal debaixo do braço. Na Europa, é mais comum o pessoal comprar jornal na banca e levar para ler no café.

Sinto rancor da informática. Desprezo por ela ter destruído a cultura do papel e colocado no lugar a controversa "rede social". A série "Mr. Bates vs The Post Office" toca em um nervo sensível que é o erro. A tecnologia dos computadores parece acima do bem e do mal. É algo inatacável, "que veio para ficar", "que mudou o mundo". Mas também erra. E seus erros podem matar indiretamente humanos. Parece coisa do "Exterminador do Futuro". E olha que é isso mesmo.   

  

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