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Restaurante João, em Sesimbra, é acolhedor e a comida deliciosa |
Os portugueses chamam de "tasca" aquele restaurante modesto, geralmente administrado por uma família, que serve pratos típicos. A tasca é uma experiência inesquecível. Do lado de fora, você olha aquilo que parece um boteco, mas é restaurante, e decide entrar para ver o que acontece ali dentro. Na maior parte deles, não tem computador, nem tablet, nem maquininha de débito e crédito. O dono do restaurante vem até a sua mesa e oferece o cardápio. Na cozinha minúscula, sem qualquer aparato Masterchef, é a mulher que está dando duro. Às vezes, ocorre o inverso. A mulher atende os clientes e o marido capricha no menu.
A tasca do João, na cidade praiana de Sesimbra, tem meia dúzia de mesas. A decoração é primitiva e aquilo que o Sebrae ensina de "causar uma sensação" no visitante não se encontra por lá. Então, vem a comida: uma bacalhoada inacreditável por meros 12 euros. Cerca de 60 reais. O bacalhau vem imerso em azeite de qualidade e o acompanhamento de batatas, exemplar. Tem peixe espada. O salmão é um deslumbre. Sem falar das gambas, que é um tipo de camarão, que a cozinha portuguesa faz com curry e ilumina um rosto triste.
Em Sintra, Coimbra, Óbidos, Lisboa... Não importa a cidade. Se você vir uma tasca, entre e viva a experiência. Vai ser um show dos Beatles ao vivo dentro do seu palato.
Na hora de pagar a conta do Restaurante do João, você estende seu cartão de débito (ou de crédito) e ele meneia a cabeça. Muitas tascas e até alguns restaurantes recusam-se a aceitar cartões bancários. A solução é simples: "O sr. saia daqui e desça ali na frente que tem um Multibancos". Multibancos é como eles chamam os caixas 24h. Têm por todas as cidades. Ninguém explode. Ninguém faz "saidinha". É uma tranquilidade assustadora.
Batedores de carteira, que assombram a Itália e França, podem até existir em grande número em Portugal, mas nas semanas que estive por lá, circulando pelo país, não vi uma única cena de violência ou constrangimento físico. Pode até não ser, mas a caminhada, o passeio das pessoas, aparenta muita serenidade, como se vê no exemplo daquelas meninas levando o celular preso por um cordão fino, balançando nas costas.
O bom mesmo em uma viagem é você cometer aquela gafe primordial. Entramos em uma loja de vinhos, no Azeitão, para comprar um moscatel e um vinho do Porto (3 a 6 euros a garrafa), e vimos aqueles copos com um dedal de vinho, postados sobre um barril. Imaginei que fosse para degustação. Fui como uma flecha na direção do vinho e emborquei o primeiro. Nisso, a senhora que estava no caixa veio correndo na minha direção: "Please, don't do this", ela falou em inglês, imaginando que eu fosse sabe-se deus lá o quê. Não era vinho para degustação. Aliás, até era. Mas já tinha sido degustado. Eram restos, deixados pelo cliente anterior. Um vexame.
No Azeitão, visitei a estátua do professor Carlos Alberto Ferreira Júnior, que aparece em bronze, na calçada, caminhando. Ou "a caminhar", como diria o português. O professor foi afastado do ensino pela ditadura salazarista e só retomou seu posto, depois da Revolução dos Cravos, em 25 de abril de 1974.
Do outro lado da rua, tem uma patisserie francesa - "Aux Fins Gourmets". O chef chama-se Christopher. E faz todos aqueles doces típicos franceses: éclair de chocolate, de baunilha e até uma delícia sofisticada de pistache; macarons coloridos; tarte tatin; profiteroles. Você está na freguesia do Azeitão, rodeado de vindimas e de um depósito gigantesco de tonéis de vinho Periquita, do secular fabricante José Maria da Fonseca, e assim, sem mais nem menos, entra em uma boulangerie francesa, com o perfume característico daquela boulangerie inesquecível que ficava no 17, em Paris. São essas surpresas de bom tom que Portugal nos traz.
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