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Livraria Bertrand, "a mais antiga do mundo" |
Onde você vai, não importa o lugar, pode ser um restaurante, um bar, o supermercado, o barbeiro, o cabeleireiro, a sorveteria, a loja que vende lembranças, fatalmente, você encontrará um brasileiro. Eles são jovens. Têm entre 20 e 30 anos e escolheram Portugal para viver. São eles que irão lhe atender e a pergunta que segue é sempre a mesma: "De que cidade você vem?". Não é preciso dizer que você é brasileiro, porque, pelo sotaque, eles já sabem.
Se você sair da Livraria Bertrand, na valorizada rua Garret, bairro Baixo Chiado, centro de Lisboa, onde um apartamento modesto custa a bagatela de 3 milhões e 400 mil euros, virar duas ruas à esquerda, descer uns 60 metros, você encontrará um restaurante italiano que serve uma pizza margherita excepcional. Terminada a refeição, você vai até a cozinha e cumprimenta o chef: "Parabéns, sua pizza estava ótima".
"De qual cidade?", ele pergunta. Você responde: "São Paulo" e ele sorri e completa: "Vocês, paulistas, sabem reconhecer uma pizza de qualidade".
"E você, chef, de qual cidade?"
"Vitória, Espírito Santo".
Esse diálogo irá se repetir vezes sem conta, em tudo quanto é estabelecimento comercial: "Maringá", "Recife", "São Paulo", "Santos", "Brasília", "Porto Alegre", "Rio", "Goiânia"...
Você descobre que a garotada, a nossa jovem mão de obra, arregaçou as mangas e está dando duro em Portugal. É bonito de se ver o brilho nos olhos, a vontade de vencer e é triste também. Como disse alguém o portão de embarque internacional virou o trampolim que lança nossos filhos para outros países.
Pode haver um país tão subestimado quanto Portugal, mas mais do que Portugal e os portugueses será difícil encontrar. As ruas são limpas. Alvo de piadas eternas, Portugal, como disse uma moradora local, "é o jardim da Europa".
Os ônibus chegam no horário previsto, com pontualidade inglesa (pelo menos da Inglaterra de antigamente). As estradas, amplas, bem sinalizadas e sem um mísero buraco. Tapetes de asfalto que cortam o país de cima a baixo.
Estava hospedado em um bairro próximo de uma praia. A 400 metros de casa, havia um ônibus que levava os veranistas para a orla. Transporte público de qualidade. E grátis! Com direito a ar condicionado e música ambiente. Quem pega o ônibus intermunicipal, com destino a Lisboa, descobre que os assentos tem cinto de segurança. O ar condicionado funciona em volume máximo e o coletivo sai, pontualmente, às 10h20. Se você chegar às 10h21, perdeu, playboy.
As cidades e os campos são bem cuidados. Percebe-se que há uma ordem, uma disciplina e organização por trás da zeladoria. Próximo da casa onde estava hospedado, havia uma horta comunitária. O funcionamento é simples: você vai até a prefeitura e diz que quer plantar alimentos. O poder público lhe cede um espaço no terreno e você fica à vontade para enfiar a mão na terra e plantar e colher pés de alface, agrião, rúcula selvagem, batatas, tomates, couve. Só tem um porém: você não pode revender sua colheita. É apenas para uso da família que ganhou aquele espaço. Hortas comunitárias semelhantes espalham-se pelo país. Por volta de 20h, com luz ainda solar, você vê o pessoal dando duro nos canteiros. Molham, arrancam as ervas daninhas, adubam, veem as mudas crescer.
De volta a rua Garret, você descobre a Livraria Bertrand, "a mais antiga do mundo", diz a placa do Livro Guinness dos recordes, "em funcionamento desde 1732". Você compra um livro e ganha um carimbo com a garantia Guinness de longevidade. Em Mafra, a biblioteca do Palácio Nacional é de lhe deixar com o queixo caído. São 30 mil volumes, conservados por três espécies de morcegos que se alimentam diariamente das pragas que comem os livros. Tem as primeiras bíblias e enciclopédias, partituras raras. "É um monumento ao saber", de fato, como diz o folheto promocional.
Em Coimbra, da universidade famosa, outra biblioteca majestosa, decorada com ouro (dizem que era do Brasil), com estantes recheadas de 70 mil volumes, pinturas, obras raríssimas. Você se emociona. Você sente vontade de sentar na mesa mais próxima e começar a ler aquilo tudo. Até o fim da vida.
Pode ser falsa impressão, pode ser coisa de viajante de primeira viagem, mas a imagem que o povo português passa é de acolhimento, educação e carinho ao viajante de outro país. Em Sintra, o dono do restaurante, espaço ocupado naquele momento por 90% de turistas espanhóis, aproxima-se da mesa, com o pano de prato na mão e o avental característico, pergunta para nós: "Portugueses?". "Não, senhor, somos brasileiros". Ele sorri e diz: "Então, somos todos da mesma família".
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