A primeira página da edição online do "Estadão" informa que haverá nova legislação para coibir as "saidinhas" de presos. Vêm, em seguida, notícias do Corinthians (sem técnico), casal de influenciadores norte-americanos se deu mal, duas articulistas e duas notícias descem a lenha no ministro do STF Dias Toffoli, lançamento do novo Chevrolet e uma cachaça premium.
O "Estadão" é um jornal do Olimpo. O País está em meio a uma dramática crise sanitária, com a dengue matando pessoas, e a primeira página do jornal nem dá bola pra isso. Dane-se a dengue!
Quem passeia por São Paulo, a capital, tropeça em 30 mil pessoas (homens, mulheres, crianças, idosos) vivendo sob pontes, viadutos, em condições de suprema e escaldante miséria. Causa estranhamento que esse quadro de sufocante desigualdade social não esteja na primeira página do jornal. De todos os jornais do País. Que sociedade construímos que permite que 30 mil pessoas - praticamente uma cidade - viva em condições humilhantes, de degradação profunda. Onde estão o presidente, o governador, o prefeito, o raio que o parta que não tira essas pessoas da rua, que não consiga lhes dar um teto? Como é possível viver numa sociedade que têm 30 mil pessoas morando na sarjeta?
A miséria não entra em pauta. Permanece remanejada para o inconsciente. A gente sabe que existe. A gente convive com os desgraçados, mas continua tocando a vida. "Nossa, dormiram na frente do nosso prédio ontem. Precisamos colocar uma lanças pontiagudas debaixo da marquise para afastar os mendigos."
O País vive desastres hidrológicos e geológicos periódicos e fatais. Chove muito, porque a maior parte do País se encontra entre a linha do Equador e o Trópico de Capricórnio. Ou seja, é um país tropical, sujeito a chuvas e deslizamentos.
Sem condições de pagar aluguel, sem ter onde morar, centenas de famílias vivem às margens de córregos insalubres, fedorentos. Quando chove (e chove sempre e muito de novembro a março), as águas dos córregos e rios sobem. Sempre irão subir. As moradias, próximas às águas correntes de pequeno porte, vão descobrir que o arroio avolumou-se, tornou-se um rio devastador que vai encher de lama e soterrar os poucos bens de quem sempre teve muito pouco. Aqueles que compraram terrenos, com muita dificuldade, nas proximidades de barrancos verão suas moradias serem levadas pelo lamaçal megalodôntico, que pega telhados, paredes e pisos e, como um mágico destruidor, desaparece com tudo, em questão de segundos. Fica só a lama e sob ela os sonhos destruídos.
Na rede social, predomina a bagunça de sempre, o desordenamento informativo: promoção de loja de móveis (apresentadora circula entre sofás), história do samba paulista, montadora faz recall de airbags, viajantes passeiam por localidade italiana, nova rodada do campeonato paulista, propaganda da montadora Nissan, empréstimos consignados.
A gente foge da rede social (Instagram) e corre para o jornal online. O veículo informativo põe um aviso, informando que quer saber a minha localização. Se eu permito ou bloqueio? Queria apenas ler a notícia, jornal, só isso. Novo clique e mais uma mensagem inquietante: "Deseja receber as notícias em tempo real? Agora não ou Ativar". É um inferno.
Tem uma série lançada em 2012, exibida atualmente pela HBO Max, intitulada "Newsroom", com o carismático Jeff Daniels, que faz o papel de um âncora de uma TV por assinatura. Mesmo sem ser novidade, a série toca em temas interessantes e atuais. O âncora despreza o jornalismo da fofoca, da notícia policialesca, da bobagem travestida de "informação". Ele quer questionar o poder, deseja jogar luz sobre um movimento do Partido Republicano, apelidado de "tea party", que ele considera um "novo talibã". O "tea party" - por sinal - tem um parente brasileiro que se chama bolsonarismo. O "tea party" defendia reduzir os programas de bem-estar social, opunha-se à reforma do sistema de saúde, queria menos intervenção do Estado na economia e, se pudesse, expulsaria todos os imigrantes sem documentos dos Estados Unidos. Era um movimento de extrema-direita, criado em 2009 e que lançou as raízes de uma nova direita, espalhada por países da Europa (Portugal tem o Chega), Itália, Espanha e que chegou ao poder no Brasil, em 2018, com a eleição de um deputado radical direitista do baixo clero, eleito presidente. A série "Newsroom" mostra principalmente a vontade do âncora de revolucionar a fórmula dos debates. Ao invés de um debate sonolento, orbitado por regras restritivas, ele desejava uma contenda de arguição incisiva, iconoclasta. O pessoal do Partido Republicano tirou da reta.
Aproveitei esses dias pré-Carnaval para reler alguns livros de John Grisham. Se fosse resumir a obra dele em uma frase curta, diria: "O mal sempre vence".
Achei esta imagem, que ilustra a postagem, significativa, dá ideia da bagunça que a gente tropeça no Instagram & Cia. por isso reproduzi aqui. Tem o aviso de "free royalties", significa que posso publicar, sem estar ferindo direitos autorais. Grato pelo designer que a produziu.
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