terça-feira, 16 de outubro de 2018
Vivemos em um mundo antigo
O Brasil perdeu-se na antiguidade. Quem "sintoniza" as redes sociais percebe que comunismo e nazismo pertencem à ordem do dia. É como se estivéssemos na República de Weimar (1919-1933). Não passa um dia sem que eu receba mensagem pregando o "anticomunismo". Só a vitória do candidato X vai nos livrar do comunismo. Quem é contra o candidato X é tachado de "comunista". Os opositores do candidato X proclamam que estão diante do nazismo de Hitler, do fascismo de Mussolini.
Tudo velho, tudo arcaico, bossa velha. O Brasil não avança. Patina. Perde-se em conceitos ultrapassados, em palavras velhas. Não se chega ao século 21.
Até agora, a violência matou 30 mil pessoas no Brasil. A violência não é uma estatística. É nossa vizinha. Há um mês, assaltaram o mercadinho, perto de casa, e tentaram sequestrar um morador. Ele resistiu e foi nocauteado a coronhadas. Há 15 dias, um parente teve o carro roubado, quando ia lecionar em uma faculdade do bairro da Mooca, em São Paulo. Outra pessoa próxima de nossa família ficou coberta de cacos de vidro, depois que um ladrão estourou a janela de seu carro para roubar o celular. Até o final do ano, devem morrer 50 mil brasileiros. Posso ser um deles. Você, leitor, pode virar estatística. É um Vietnã por ano.
Nem um eremita solitário, vivendo no Brasil, estaria a salvo desse pesadelo cotidiano, que é a violência, cada vez mais presente, cada vez mais assustadora.
Quando o cidadão se sente impotente, diante de uma situação sobre a qual não tem qualquer proteção, busca refúgio em um discurso que prega a violência contra a violência. Exige-se a força bruta, a ordem imposta a qualquer custo, a repressão. Elege-se com 264 mil votos a policial militar que matou o bandido a tiros, diante da escola.
De um lado, o eleitor tem um candidato que se assemelha a uma "segunda Dilma", sustentado por um partido que não fez autocrítica, que não reconheceu seus erros. "Um partido que não foi humilde", como disse ontem o irmão de Ciro Gomes, o senador eleito e ex-governador do Ceará, Cid Gomes. Mesmo sem ter culpa no cartório, esse candidato, essa "segunda Dilma", representa os desmandos corruptos do Petrolão, do Mensalão. É uma sombra indesejada que o persegue. É uma cruz. É o que lhe quebra as pernas nas intenções de voto.
Foi uma aposta errada do presidente Lula, que - é sempre bom lembrar - cumpre uma pena injusta, por causa de um apartamento onde nunca morou, nem nunca foi dele.
Lula deveria ter optado por Ciro Gomes, que as pesquisas apontavam como o "cavalo vencedor" no segundo turno.
Na realidade, o PT deveria se submeter a um rebranding, que é uma palavra enjoada pra dizer que, se você não mudar, perece.
De outro lado do ringue político, apresenta-se o candidato do "prendo e arrebento", no melhor estilo daqueles generais, que ocuparam indevidamente a Presidência do Brasil, entre 1964 e 1985. É um sujeito sem qualquer experiência administrativa. Nunca dirigiu um empório de bairro. Nunca torneou um parafuso. Viveu os últimos 27 anos como parlamentar e teve a "sorte" de ser esfaqueado, durante a campanha, o que lhe deu o impulso necessário para arrancar firme rumo à vitória no segundo turno.
Nos países mais felizes do mundo, você pode ir ao mercadinho da esquina que dificilmente será recebido a coronhadas. Vive-se bem e de forma saudável. A renda é alta. Os menos favorecidos da Finlândia recebem apoio social do governo, sem que haja gritaria - dos mais favorecidos e elegantes - contra o Bolsa Família finlandês. As pessoas se sentem livres. Elas confiam em seus governantes e nas instituições. Nos países mais felizes do mundo, quando você para com o carro no farol, não vêm aquela multidão esfarrapada, pedindo o direito de sobreviver a mais um dia.
Fernando Gabeira disse uma vez (talvez em seu principal livro O que é isso, companheiro) que foi preciso muito esforço e uma incompetência sem limites para transformar um paraíso de recursos naturais, como era o Brasil, nesse buraco sem saída.
A violência não se resolve na base do "prendo e arrebento". Durante a Ditadura Militar, a violência era semelhante, com os mesmos casos, as mesmas mortes. Durante a redemocratização, o falecido Notícias Populares foi alvo de censura da Promotoria Pública por colocar em sua primeira página os trucidados do dia. "Os presuntos", como se dizia no jargão policial da época.
Nos países mais felizes do mundo, os registros de violência são quase invisíveis. Não porque seus eleitores elegeram um capitão da reserva, mas por terem cuidado bem de seus cidadãos, por terem investido em educação, em saúde, em bem-aventurança. Coitado do Brasil. Pobres de nós.
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