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Estação do metrô da Mairie d'Aubervilliers |
O taxista chinês estaciona o carro. Ajuda a descer as malas. Olha desconfiado para os lados e avisa, em tom desesperado: "Aqui, é periferia brava. Igual à favela do Brasil. Favela!", ele diz, quase gritando.Aubervilliers fica na periferia mesmo de Paris. É uma comuna, onde vivem umas 64 mil almas, a maioria delas, imigrantes. Muitos pretos nas ruas. Muitos árabes e muçulmanos. Muita gente falando em línguas irreconhecíveis. A maioria veste roupas africanas, longas, estampadas e algumas com muito brilho.
O chinês, certamente, nunca pisou em uma favela real brasileira. Não há esgoto a céu aberto. Não se veem palafitas, nem barracos, nem terrenos invadidos e ocupados de forma urbanamente desastrosa. Não há habitações precárias em morros oscilantes. As ruas são livres e não estão obstruídas com carcaças de carros incendiados e nem se veem os vigias do tráfico, armados de fuzis AK47. Não tem os miseráveis que passam fome e que vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 500 reais por mês.
É uma "favela" de prédios seguros, com chaves de entrada inteligentes. À noite, não se ouve um suspiro vindo do apartamento vizinho. É um silêncio de monastério.
Às seis horas da manhã, saio para comprar baguete e croissant na boulangerie da esquina e sou atendido por um rapaz árabe, que me recebe com um sorriso cordial. A boulangerie é impecável. Exala aquele odor delicioso de pão, que acabou de sair do forno. A baguete custa 1 euro e está quente, estalando na mão.
O mercadinho de produtos árabes na esquina oferece frutas, sopas industrializadas, pratos congelados, bebidas, doces, produtos de primeira necessidade. É um milagre de ocupação de prateleiras em uns 20 metros quadrados.
No metrô da Mairie d'Aubervilliers, uma atendente solícita deixa o posto de observação envidraçado para me ajudar a comprar o tíquete e explica as diversas opções de transporte e seus respectivos valores. Essa estação de metrô, em plena "favela", foi recém-construída. Tem elevadores modernos - e todos funcionam. Assim como funcionam as escadas rolantes. Nada ali está quebrado ou pichado ou danificado. Avisos luminosos informam os minutos que faltam para o próximo trem chegar à plataforma.
Ao descer em Saint-Michel, passo pelos cafés e as pessoas lendo livros - e até jornais, acredite - me chamam a atenção. Existe ainda uma cidade no mundo em que as pessoas leem livros impressos e jornais. Vou até o café L' Écritoire, na praça da Sorbonne, onde em 1991/92, passei momentos memoráveis, discutindo minha tese e as teses dos colegas, que faziam doutorado sob a orientação do brilhante professor Michel Maffesoli.
Na época, o filósofo Jean Baudrillard costumava sentar-se numa mesa vizinha. Era uma proximidade quase surreal. Alguém que você conhecia de leitura aparecia bem ali, ao vivo e em cores.
A Sorbonne continua no mesmo lugar de sempre. Vetusta, mas presente, firme, intocável, inabalável. Em 1968, durante a Revolução que transformou o Quartier Latin, em praça de guerra, os estudantes ficaram acampados e "aquartelados" na Sorbonne. Época do "amor livre". Dizia-se, com evidente exagero, que as pessoas "escorregavam" em esperma ao caminhar pelos corredores da Sorbonne.
No L'Écritoire, peço um kir ao garçom. Ele pergunta se é um "kir cassis". Respondo que sim. O kir tem o mesmo sabor, mas, em pleno feriado prolongado, a universidade está fechada. Nas mesas, casais e solitários sorvendo cafés, cervejas e aperitivos, iguais ao meu. Não vejo estudantes. Ninguém ali discute a tese que está escrevendo. E faz alguns anos que Jean Baudrillard não se encontra mais entre nós.
Na armadilha do tempo, o que antes tinha muito sabor, parece ter perdido a essência. Simenon, por exemplo, e o seu querido inspetor Maigret. Eu costumava devorar seus livros, que comprava por míseros 10 francos (quanto isso seria em euro?), em caixotes posicionados na porta de uma livraria. Agora, milhares de anos mais tarde, me decepciono com as histórias inverossímeis, com as decisões estapafúrdias de um policial, que passa por cima do mais elementar direito legal.
Diante da livraria Gibert Jeune, em frente ao Sena e vizinha da turística Shakespeare and Company, vejo um exemplar do "Imoralista", de André Gide, por 50 centavos de euro. É uma moedinha ridícula de 50 centavos, em troca de André Gide. Só que na hora de iniciar a releitura de uma obra, que devo ter lido lá pelos meus 20 anos, descubro que a fonte da impressão deve ser inferior a 7, o que inviabiliza a leitura.
Paris deve ter o mesmo número de livrarias que São Paulo tem de igrejas. Na mesma proporção.
Caminho pela Rive Gauche, cruzo com gente em patinetes elétricos, passo pelos bouquinistes, vendendo os mesmos livros usados de sempre, os mesmos jornais antigos e as inexoráveis lembranças de Paris (aventais, panos de prato, aparadores, chaveiros com miniaturas da torre Eiffel). Embaixo, no Sena, as péniches deslizam serenas pelo rio, visualmente limpo e vivo. Outras estão "estacionadas" nas margens. Sobre elas, há plantas, bicicletas, roupas secando.
Paris tem essa particularidade. Você não se cansa de andar. Você caminha, caminha, entra por uma rua, sai em outra. É tudo visualmente encantador. Você não cansa de ver as vitrines, de ser um flâneur, no melhor estilo Walter Benjamin.
Acabo indo parar no bairro Saint-Germain-de-Prés, recheado de apartamentos que custam a bagatela de 2 milhões de euros. Uma loja se evidencia por seu produto em oferta na vitrine: cartas e autógrafos raros. Encosto o rosto na vitrine e vejo a assinatura de Freud, em uma cartinha simpática, que talvez ele tenha escrito ao seu biógrafo Ernest Jones. Vizinha dali, aparece uma livraria, que expõe as obras de Annie Ernaux, ganhadora do prêmio Nobel de Literatura. Haverá uma sessão de autógrafos, que começa naquele mesmo dia por volta de 19 horas.
Cansado, percebo que começa a escurecer. Faço o caminho de volta, o trajeto de retorno à minha querida "favela", bem no final da linha do metrô, onde vou descer e caminhar sereno e complacente pela avenida Victor Hugo. Viver em uma "favela" em que uma das ruas principais tem o nome do maior escritor dos últimos 160 anos deve dar um orgulho danado para seus bem-aventurados "favelados".
Tradução para o francês:
Le chauffeur de taxi chinois gare la voiture. Il aide à descendre les valises. Il regarde autour de lui avec méfiance et avertit, d'un ton désespéré : "Ici, c'est la banlieue dangereuse. Comme les favelas du Brésil. Favela !", dit-il, presque en criant.
Aubervilliers se trouve en effet en banlieue parisienne. C'est une commune où vivent environ 64 000 âmes, dont la majorité sont des immigrés. Beaucoup de Noirs dans les rues. Beaucoup d'Arabes et de musulmans. Beaucoup de gens parlent des langues méconnaissables. La plupart portent des vêtements africains, longs, imprimés, et certains très brillants.
Le Chinois, certainement, n'a jamais mis les pieds dans une véritable favela brésilienne. Il n'y a pas d'égouts à ciel ouvert. On ne voit ni maisons sur pilotis, ni baraques, ni terrains envahis et occupés de manière urbanistiquement désastreuse. Il n'y a pas d'habitations précaires sur des collines instables. Les rues sont libres et ne sont pas encombrées de carcasses de voitures incendiées, et on ne voit pas les guetteurs du trafic de drogue, armés de fusils AK47. Il n'y a pas de miséreux qui souffrent de la faim et vivent sous le seuil de pauvreté, avec moins de 500 reais par mois.
C'est une "favela" d'immeubles sécurisés, avec des clés d'entrée intelligentes. La nuit, on n'entend pas un soupir venant de l'appartement voisin. C'est un silence de monastère.
À six heures du matin, je sors pour acheter une baguette et un croissant à la boulangerie du coin et je suis servi par un jeune Arabe, qui m'accueille avec un sourire cordial. La boulangerie est impeccable. Elle exhale cette délicieuse odeur de pain qui vient de sortir du four. La baguette coûte 1 euro et est chaude, croustillante dans la main.
L'épicerie arabe du coin propose des fruits, des soupes industrielles, des plats surgelés, des boissons, des sucreries, des produits de première nécessité. C'est un miracle d'occupation d'étagères sur environ 20 mètres carrés.
Dans le métro de Mairie d'Aubervilliers, une agente prévenante quitte son poste d'observation vitré pour m'aider à acheter un ticket et m'explique les différentes options de transport et leurs tarifs respectifs. Cette station de métro, en plein cœur de la "favela", a été récemment construite. Elle dispose d'ascenseurs modernes – et tous fonctionnent. Tout comme les escalators. Rien n'est cassé, tagué ou endommagé. Des panneaux lumineux indiquent les minutes restantes avant l'arrivée du prochain train sur le quai.
En descendant à Saint-Michel, je passe devant des cafés et les gens qui lisent des livres – et même des journaux, croyez-le – attirent mon attention. Il existe encore une ville dans le monde où les gens lisent des livres imprimés et des journaux. Je me rends au café L'Écritoire, sur la place de la Sorbonne, où en 1991/92, j'ai passé des moments mémorables, discutant de ma thèse et de celles de mes collègues, qui faisaient leur doctorat sous la direction du brillant professeur Michel Maffesoli.
À l'époque, le philosophe Jean Baudrillard avait l'habitude de s'asseoir à une table voisine. C'était une proximité presque surréaliste. Quelqu'un que vous connaissiez par ses écrits apparaissait là, en chair et en os.
La Sorbonne est toujours au même endroit. Vénérable, mais présente, ferme, intouchable, inébranlable. En 1968, pendant la Révolution qui a transformé le Quartier Latin en champ de bataille, les étudiants campaient et se "retranchaient" à la Sorbonne. C'était l'époque de "l'amour libre". On disait, avec un exagération évidente, que les gens "glissaient" sur du sperme en marchant dans les couloirs de la Sorbonne.
Au L'Écritoire, je commande un kir au serveur. Il me demande si c'est un "kir cassis". Je réponds que oui. Le kir a le même goût, mais, en plein pont du week-end prolongé, l'université est fermée. Aux tables, des couples et des solitaires sirotent des cafés, des bières et des apéritifs, comme le mien. Je ne vois pas d'étudiants. Personne ne discute de la thèse qu'il est en train d'écrire. Et cela fait quelques années que Jean Baudrillard n'est plus parmi nous.
Dans le piège du temps, ce qui avait autrefois beaucoup de saveur semble avoir perdu son essence. Simenon, par exemple, et son cher inspecteur Maigret. Je dévorais ses livres, que j'achetais pour une misérable somme de 10 francs (combien cela ferait-il en euros ?), dans des caisses placées à l'entrée d'une librairie. Maintenant, des milliers d'années plus tard, je suis déçu par les histoires invraisemblables, par les décisions absurdes d'un policier qui bafoue les droits les plus élémentaires.
Devant la librairie Gibert Jeune, face à la Seine et voisine de la touristique Shakespeare and Company, je vois un exemplaire de "L'Immoraliste" d'André Gide pour 50 centimes d'euro. C'est une pièce ridicule de 50 centimes, en échange d'André Gide. Mais au moment de commencer la relecture d'une œuvre que j'avais dû lire vers mes 20 ans, je découvre que la police d'impression doit être inférieure à 7, ce qui rend la lecture impossible.
Paris doit avoir le même nombre de librairies que São Paulo a d'églises. Dans la même proportion.
Je marche sur la Rive Gauche, je croise des gens sur des trottinettes électriques, je passe devant les bouquinistes, qui vendent les mêmes livres d'occasion, les mêmes vieux journaux et les inévitables souvenirs de Paris (tabliers, torchons, dessous de plat, porte-clés avec des miniatures de la tour Eiffel). En bas, sur la Seine, les péniches glissent tranquillement sur le fleuve, visuellement propre et vivant. D'autres sont "garées" sur les rives. Sur elles, il y a des plantes, des vélos, des vêtements qui sèchent.
Paris a cette particularité. On ne se lasse pas de marcher. On marche, on marche, on entre dans une rue, on en sort une autre. Tout est visuellement enchanteur. On ne se lasse pas de regarder les vitrines, d'être un flâneur, dans le meilleur style de Walter Benjamin.
Je finis par arriver dans le quartier de Saint-Germain-des-Prés, rempli d'appartements qui coûtent la bagatelle de 2 millions d'euros. Une boutique se distingue par son produit en vitrine : des lettres et des autographes rares. Je colle mon visage à la vitrine et je vois la signature de Freud, sur une petite lettre sympathique, qu'il a peut-être écrite à son biographe Ernest Jones. À côté, il y a une librairie, qui expose les œuvres d'Annie Ernaux, lauréate du prix Nobel de littérature. Il y aura une séance de dédicaces, qui commence ce même jour vers 19 heures.
Fatigué, je remarque que la nuit commence à tomber. Je fais le chemin du retour, le trajet vers ma chère "favela", tout au bout de la ligne de métro, où je descendrai et marcherai sereinement et complaisamment sur l'avenue Victor Hugo. Vivre dans une "favela" où l'une des rues principales porte le nom du plus grand écrivain des 160 dernières années doit rendre ses bienheureux "favelados" très fiers.