sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O dia em que o Latis deu uma trombada em Pelé

 


No dia 1º de janeiro de 1993, exatamente no primeiro dia daquele ano, comecei a trabalhar no Diário do Grande ABC. Quando retornava para casa, o freio do meu Chevette 1983, que meu filho chamava carinhosamente de "Latis", falhou, durante uma tempestade de verão. 

Essas pancadas rápidas de fim de tarde. Estava na avenida Presidente Wilson, tão esburacada e abandonada como ainda é hoje, quando vi aquele Mercedes do ano na minha frente. Pensei na hora: "Não posso bater nesse Mercedes. Não no meu primeiro dia de trabalho no emprego novo. Vou precisar dar um ano do meu salário para pagar o conserto". 

Não deu outra. Apertei o freio. O pedal desceu até o fundo, "na tábua", como se dizia na época, e entrei com tudo, com toda volúpia, na traseira do Mercedes. 

Paramos os carros. 

Desceu um sujeito corpulento, misto de boxeur com esmagador de crânios profissional, para olhar o prejuízo. O céu estava escuro, com raios caindo a nossa volta. A chuva havia parado momentaneamente, mas a tempestade ia recomeçar a qualquer instante. Estávamos no olho do furacão, quando os elementos dão uma trégua, mas prometem voltar com força no total em segundos.

O sujeito olhava, olhava e avaliava a desgraça. 

Desci do carro para dizer que a culpa tinha sido minha e que ia arcar com o prejuízo, ainda que demorasse uns vinte anos para fazê-lo. Desceu do carro o passageiro...Não acreditei no que estava vendo. 

Eu tinha simplesmente esmagado a traseira do Mercedes do meu maior ídolo, Pelé.  

Passei a mão na cabeça e disse: "Puxa, Pelé, com tanto carro para bater fui escolher justo o seu..." 

Ele pôs a mão nas minhas costas e disse: "Você está bem? Machucou alguma coisa? Quer tomar um café; uma água com açúcar, um conhaque?" 

Falei que estava bem, mas inconformado. "Justo o seu carro, Pelé. Que droga!" Ele se ofereceu para pagar o prejuízo. "Arrebentou muito seu carro? Eu pago. Não tem problema." 

O meu velho Chevette estava apenas com o para-choque de metal entortado. O Mercedes novinho tinha um rombo na lataria. Lamentável. A gente se despediu. Pelé e o segurança/motorista foram embora. 

Cheguei em casa, em estado de graça. "Como foi no seu primeiro dia?", minha sogra perguntou, assim que estacionei o carro. "Foi bem diferente", falei, "bati no carro do Pelé".   

Diário do Grande ABC foi o jornal onde consegui me realizar plenamente como profissional. Escrevi artigos, produzi matérias especiais que conquistavam a manchete da edição de domingo (a principal da semana) e - principalmente - foi onde eu mais me diverti na profissão, apesar de varar inúmeras madrugadas trabalhando arduamente e de ter começado com o pé esquerdo. Aliás, com o pé direito no freio quebrado.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

A TV por assinatura paga dá direito a assistir comerciais


 TV por assinatura é um luxo. Não é qualquer um que pode ter. O consumidor compra um pacote. Paga lá seus 140 reais por mês e tem direito a ter na sua sala cento e tantos canais. Tem canal esportivo. Tem canal que só passa filme. Tem canal que só passa publicidade. Tem canal que passa partidas de futebol. "É luxo só", como dizia minha mãezinha.

Você fica com o controle remoto na mão se sentindo o rei da cocada preta e da outra cocada também (pessoalmente, sou alérgico a coco; se comer uma fatia morro em segundos). Passa de um canal para o outro. É aquele esporte chamado de "zapping". Você "zappeia" à vontade. Começa a ver um filme, não gosta e pula para o outro que está na metade, mas parece melhor que o anterior. 

Na hora que o gladiador vai cortar a cabeça de alguém, aparece um sujeito vendendo um celular. Você está mergulhado na Roma antiga, com todos aqueles cavalos, os gladiadores, os escravos, escudos, lanças e espadas, César ali na plateia... Tudo desaparece. Fica só o sujeito vendendo celular. 

Você desiste do gladiador e encontra um jogo. Quem será que está em campo? Os jogadores são desconhecidos. A bola é maltratada de forma vil e pouco cavalheiresca. Quem está jogando, Cristo rei? É Austin contra Dallas... Liga norte-americana. Sem querer ser pretensioso, mas a Série B do Brasileirão goleia esse pessoal. Por mais boa vontade que se tenha, não dá para ver Austin contra Dallas. 

E dá-lhe "zapping"... Aparece agora beisebol... Beisebol??? No outro canal, aquele "futebol americano" que é jogado com as mãos e só tem uma única jogada.

Nova "zappeada"... O filme parece interessante. A personagem principal trabalha no atendimento da polícia de emergência. As pessoas discam "911" e ela fala: "Polícia emergência. Como posso ajudar?"  Tem uma adolescente em perigo. Está sozinha em casa e teve o lar invadido por um estranho. A atendente sugere que ela se esconda debaixo da cama. Ela faz isso. Só que o bandido a encontra e...

Entrou um comercial. É estranho, mas é uma propaganda do próprio canal. Os donos do canal querem que eu assista a esse filme. Gente, falo para as paredes, eu já estou vendo o filme, já estou assistindo o canal de vocês. Seria possível me devolver a moça que trabalha no serviço de emergência da polícia, para eu saber se o bandido foi preso e se a adolescente conseguiu fugir?

Novo "zapping". É o "Homem Aranha". São vários filmes sobre o "Homem Aranha". E toda semana eles passam um para você não se esquecer dele. Passam também do "Super-Homem" e do "Batman". Acho que, se forem somadas as reprises, desses três super-heróis em quilometragem de horas, a gente conseguiria ir até Plutão. Dar uma volta longa pelo fim do espaço sideral e voltar a tempo para mais uma reprise de "Homem Aranha" na cabeça.

O "Homem Aranha" está de ponta cabeça. Mary Jane vai beijá-lo na boca e... Entra um novo comercial. Você é ágil e pula fora. Não quer ver aquela propaganda surrada de objetos que nunca vai comprar na vida. 

Tentando retornar às origens, aquele mundo conhecido, que você apreciava tanto, você faz o "zapping" do retorno. Maneja seu controle para o passado. Só que aquele mundo não existe mais. 

O gladiador sumiu. Foi substituído por "Rambo", veja você. A atendente da polícia virou um filme sobre bombeiros. Mas, pelo menos, Austin contra Dalas continua ainda positivo operante. Deve ser um daqueles jogos que não terminam nunca. Em moto perpétuo. Para fazer qualquer apaixonado por futebol desistir do esporte. 

Nesse momento de pouca glória e baixa autoestima, você percebe que foi enganado, que aquele "luxo" que lhe custou cento e tantos reais, que tanto pesaram no seu bolso, na realidade, é apenas uma promessa de prazer, transformada em ônus. Você sente que é um trouxa. Você paga para assistir comerciais. 

Em que momento isso ocorreu? Quem permitiu que isso ocorresse? Como o consumidor pode ser tão enganado e ninguém dar a mínima importância para isso? 

Ainda não tenho resposta para tantas e tão motivadoras questões. Encontrei essa petição pública, perpetrada por alguém que pensa exatamente como eu. Não sei qual é a idade desse documento. Se faz anos que está na internet, mas vou assinar e passar pra frente. Quem sabe a gente derrota o sistema, como ingenuamente pensávamos em 1968. 

Apoie este Abaixo-Assinado. Assine e divulgue. O seu apoio é muito importante.

Abaixo-assinado Pagamos por TV por assinatura para ver programação e não propagandas.

https://peticaopublica.com.br/pview.aspx?pi=TV2012



segunda-feira, 26 de dezembro de 2022

O jogo mais idiota inventado pelo ser humano

 

Eles se agarram, não conseguem correr; é uma tristeza

No Natal, uma emissora de TV por assinatura exibiu um jogo do campeonato americano da liga de "futebol" nacional. Pode ter algum outro jogo idiota, mas esse ganha disparado de qualquer outra modalidade esportiva. Supera até aqueles pobres infelizes que ficam limpando o chão para um disco correr rápido sobre a pista de gelo.

O campo é todo riscado. Eles contam em "jardas". Jardas? Demora uma eternidade. O relógio marcava 1 minuto e 43 segundos para terminar a partida. Saí da sala. Fui até a cozinha. Preparei um pato assado. Voltei e faltavam agora 1 minutos e 18 segundos para terminar a partida. Aquilo não termina nunca.

É um jogo idiota por que só tem uma única maldita jogada. A bola, que é afunilada, torta, é entregue para um jogador que precisa lançá-la com a mão para outro jogador que está correndo lá na frente.

É isso. Acabou. Não tem outra jogada. É só essa. É inacreditável que isso ainda se chame "futebol", porque é jogado com as mãos 99% do tempo.

O sujeito, que corre lá na frente, agarra a bola lançada, mas é derrubado. Para tudo. O relógio para. Os jogadores param. Os juízes... Eles voltam às posições e a bola pontiaguda é entregue novamente para o lançador que a arremessa para alguém lá na frente. Novamente, o sujeito é derrubado. E tudo para. Outra vez. O relógio não anda. Alguém menciona as jardas. As jardas?

Tudo se resume em agarrar a bola e chegar à linha de fundo. Mas é tudo travado, preso, predomina a tentativa de ação, só que a imobilidade vence sempre. 

Os jogadores parecem astronautas do fim do mundo. Usam capacetes, tem os ombros acolchoados, são grandalhões. O resultado é emoção zero. A todo momento, eles se chocam. Trombam. Desabam. Voam uns sobre os outros. 

O estádio parecia cheio. O que me leva a pensar que o mundo tem muito mais masoquistas do que Freud poderia calcular. Qual é o sentido de ficar horas e horas vendo aqueles tipos imensos se chocando?

Na única jogada que é feita com os pés, a bola não consegue ficar parada. É claro que não. Ela é pontiaguda. Então, o jogador que vai chutar precisa da ajuda de um colega que fica segurando a ponta da bola. O "atacante" vem correndo e chuta... A bola precisa passar lá em cima, bem no alto, ao lado de duas traves do tamanho de um prédio de cinco andares. Acho que mesmo um sujeito com muletas conseguiria chutar a bola lá em cima. O tamanho do "gol" é imenso. Precisaria ter pouquíssima pontaria para errar um alvo daqueles.

O "futebol americano", como a gente chama aqui, é uma derivação do rugby. O rugby é também um jogo bem chato, mas a gente consegue entender o que está acontecendo lá dentro. As dimensões do campo parecem maiores. Os jogadores se assemelham a seres humanos. Enfim, não é tão ruim como o "futebol americano". Na Inglaterra, rugby é esporte de "macho". Lembro de um ônibus, transportando jogadores, onde se lia: "No winners, just survivors".

Como dizia minha avozinha, que lhe seja leve a terra, tem gosto pra tudo nesse mundo. 

Tradução para o inglês:

"The most idiotic game invented by human beings"

On Christmas, a cable TV channel broadcasted a game from the American national "football" league championship. There might be some other silly games, but this one easily surpasses any other sport. It even beats those poor souls who spend their time cleaning the floor so a puck can slide quickly across the ice rink.

The field is all marked up. They measure in "yards." Yards? It takes forever. The clock showed 1 minute and 43 seconds left in the game. I left the room. Went to the kitchen. Prepared a roast duck. Came back, and there were still 1 minute and 18 seconds left in the game. It never ends.

It's a silly game because there's only one damn play. The ball, which is pointy and oddly shaped, is handed to a player who has to throw it to another player running way up ahead.

That's it. That's the whole game. There's no other play. Just that one. It's unbelievable that this is still called "football," because it's played with hands 99% of the time.

The guy running up ahead catches the thrown ball but gets tackled. Everything stops. The clock stops. The players stop. The referees... They all go back to their positions, and the pointy ball is handed back to the thrower, who hurls it to someone up ahead again. Once more, the guy gets tackled. And everything stops. Again. The clock doesn't move. Someone mentions the yards. The yards?

The whole thing boils down to catching the ball and reaching the end zone. But it's all stuck, frozen, dominated by the attempt at action, yet immobility always wins.

The players look like astronauts from the end of the world. They wear helmets, have padded shoulders, and are huge. The result is zero excitement. Every moment, they collide. Crash. Fall. Fly over each other.

The stadium seemed full. Which makes me think the world has far more masochists than Freud could have ever calculated. What's the point of spending hours and hours watching those massive guys crashing into each other?

In the only play that involves the feet, the ball can't stay still. Of course not. It's pointy. So, the player who's going to kick it needs help from a teammate who holds the tip of the ball. The "attacker" comes running and kicks... The ball needs to go way up high, right between two goalposts the size of a five-story building. I think even a guy on crutches could kick the ball up there. The size of the "goal" is enormous. You'd have to have terrible aim to miss a target like that.

"American football," as we call it here, is a derivative of rugby. Rugby is also a pretty boring game, but at least you can understand what's happening on the field. The dimensions of the field seem larger. The players resemble human beings. Anyway, it's not as bad as "American football." In England, rugby is a "macho" sport. I remember a bus transporting players with a sign that read: "No winners, just survivors."

As my dear late grandmother used to say, may the earth rest lightly upon her, there's no accounting for taste in this world.

    

quinta-feira, 22 de dezembro de 2022

Para assistir - ou não - na Netflix

 

Um Papai Noel mal-humorado em um aeroporto cercado de neve

A lista do "The New York Times" dos melhores filmes à disposição na Netflix inclui filmes que muita gente gostaria de passar bem longe deles. É o caso de "Estou pensando em acabar com tudo", um filminho metido a besta, querendo ser cult, com roteiro "cabeça". É um amontoado de bobagens sem sentido. Encabeça a lista do NYT. 

A mesma lista cita "O Irlandês" (parece uma refilmagem de "Cassino"), com uso de câmeras que rejuvenescem os personagens. Robert De Niro, Joe Pesci, Al Pacino, Harvey Keitel, dirigidos por Martin Scorsese, nos lembram que todos eles já viveram momentos melhores na tela. 

Adam Sandler, um ator cômico, com um pé no humor escatológico, está perdido querendo ser sério nesse "Joias Brutas". 

"História de um casamento", com Adam Driver e Scarlett Johansson, queria muito ter sido dirigido por Ingmar Bergman. Não chegou lá.

 "Meu nome é Dolemite", com Eddie Murphy, tem uma cena que dá o que pensar: um grupo de pretos entra no cinema para assistir a um filme, que havia estreado e fazia grande sucesso. Trata-se de "Um estranho casal", de 1968, com Walter Matthau e Jack Lemmon, comédia hilária, divertidíssima. Só que os pretos não acham engraçado. O personagem de Eddie Murphy está no cinema. Observa todos rindo em volta dele e ele sem entender onde estava a graça. "Meu nome é Dolemite" relembra a história de um comediante preto, que fazia o papel de cafetão, durante seus stand-up. Contava piadas obscenas, retiradas do repertório de sem-teto e mendigos. Gravou discos. Fez filmes e tornou-se uma celebridade na época. No meu caso, não achei graça em nenhuma das piadas contadas por Dolemite. "Um estranho casal" continua a ser uma das comédias memoráveis que já tive o prazer de assistir. A tese de Murphy seria a de que, nos EUA, pretos só riem de piadas de pretos; e brancos, só das piadas de brancos? Tese certamente muito discutível.

"Sob a luz do luar" é triste, triste, tão triste que a gente não aguenta de tristeza e acaba abandonando o filme pela metade.

"Roma", também relacionada na lista da Netflix, foi alvo de um comentário meu neste blog em 25 de fevereiro de 2019. Torci para "Roma" perder o Oscar. E perdeu.

Saindo da lista do NYT, para a minha lista, nem sempre "assistível":

"Entre facas e segredos" - É um filme de 2022 e mesmo tendo sido lançado neste ano consegue o feito de ser antiquado e chato. É aquela baboseira de detetive tipo Poirot, de Agatha Christie, dentro de uma casa, investigando familiares - todos eles - suspeitos de terem cometido um crime. Aquelas esquisitices, os maneirismos detetivescos faz tempo que perderam a graça. Desde Columbo.

"Entrapped" - A série é uma continuação da história do detetive Andri, em uma Islândia coberta de neve por todos os lados. Tanto "Trapped", a série inicial, como esta continuidade valem a pena ser vistas. É uma série gelada, fria, gostosa demais.

"Confie em mim" - Baseada na obra de Harlan Coben, a série, lançada este ano, acontece em núcleo de novos ricos que vivem em uma Beverly Hills de Varsóvia (Polônia). Um adolescente morre (ou teria sido assassinado?) e isso desencadeia uma sucessão de ocorrências que tiram o sossego do núcleo bon-vivant da capital polonesa. Quem começa não tem coragem de parar. Vara a noite.

"O soldado que não existiu" - Filme de 2022, poderia ser melhor. A roteirista inglesa Michelle Ashford  inventou um romance entre o cansado e apático Colin Firth e a pouco sedutora Kelly Macdonald, que atrapalhou toda a trama. A história seria interessante, sem esse romance bobinho. Na Segunda Guerra Mundial, o então integrante de um grupo de espionagem Ian Fleming tem a ideia de criar um batalhão inexistente para desviar a atenção dos nazistas. Para isso, sugere arrumar um cadáver. Vesti-lo como um oficial britânico e despachá-lo no mar, com documentos falsos, para ser encontrado pelos alemães. No filme, Ian Fleming, que se tornaria escritor de sucesso com seus livros de espionagem ("meu nome é Bond, James Bond"), aparece pouco, porque o roteiro preferiu se perder entre o sonolento Colin Firth e Macdonald, tão sexy como um pé de milho verde. Uma pena.

"Lindo dia na vizinhança" - Com Tom Hanks, vale apenas uma confissão: desisti de assisti-lo, quando vi o pessoal cantando sem parar. É aquilo de o personagem pegar uma escova de dentes e sair gritando, "que escova de dentes linda que eu tenho". Não dá. Musical somente alguns. "Cabaret", por exemplo.

 "O poder e a lei" - Quem leu os livros de Michael Connely sobre o "advogado do Lincoln" vai gostar muito dessa série, lançada este ano. Lá está o advogado de defesa Mickey Haller voltando ao trabalho, depois de um período de sabático forçado, em uma clínica de desintoxicação. Como os livros de Connely, a série tem ritmo, dá prazer assistir cada episódio e a gente tem dificuldade de parar. 

"Nevasca de Natal" - É uma minissérie que tem como cenário o aeroporto de Oslo, na Noruega, pouco antes do Natal. Seguindo mais ou menos o trajeto de "Simplesmente amor" reúne vários personagens, que se cruzam, se apaixonam (ou rompem ligações). Entre eles, um Papai Noel preto, mal-humorado, que discute com as crianças, principalmente, as que fazem xixi em seu colo. Tem o personagem do pianista em fim de carreira, que não se conforma em viajar de classe econômica; um sujeito que trata todo mundo bem e é chamado de "anjo"; a garota que está com o amante abusivo, dando uma "rapidinha" no banheiro; a filha que precisa comprar um presente para o pai que ela não vê há muitos anos... Tem os malcriados, os ingênuos, os que adoram essa época de fim de ano e os que a detestam. É uma minissérie deliciosa para se assistir na véspera do Natal.

Bons filmes para você.

       


quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Copas inesquecíveis

A final da Copa de 2022 entre Argentina e França foi digna do nome. Argentina sai na frente. França empata. Argentina desempata na prorrogação. A França empata novamente e leva a decisão para os pênaltis. Argentina é tricampeã, 52 anos depois de o Brasil conquistar o tri.

Com exceção do jogo final, vai restar pouca memória da Copa de 2022, disputada em país árabe, o Catar. Qual foi o outro grande jogo? Qual foi a seleção que se destacou pelo seu estilo inovador de jogo? Qual foi a grande revelação?

A resposta para todas essas perguntas é semelhante. Teve uma semifinal interessante entre França e Inglaterra, mas fora esse jogo o restante foi uma amontoado de times retrancados, com muito mais medo de perder do que vontade de vencer. 

Nenhuma seleção foi inovadora. Nada de novo no front. Que atleta saiu coroado como o novo grande talento e revelação dos gramados? Nenhum. 

Houve um embate final - esperado - entre Messi e Mbappé. E fim.

 Messi, que havia ganho quase tudo como jogador, faltava conquistar o "doutorado" do futebol que é a Copa do Mundo. Um prêmio para uma carreira bem-sucedida. 

Mbappé está longe de ser uma revelação. Tem só 23 anos, mas já foi campeão do mundo, é talvez o maior talento em atividade, o mundo inteiro está familiarizado com sua marca e deve conquistar outros títulos importantes em sua carreira. Outros mundiais, quem sabe.

As Copas de 1958 e 1962, conquistadas pelo Brasil, revelaram ao mundo novos talentos, gratas revelações, como Pelé e Garrincha. Somente agora, 60 anos depois, alguns recordes estabelecidos por Pelé estão sendo quebrados. Mas nem Messi (em fim de carreira), nem Mbappé parecem ter fôlego para chegar aos 1.283 gols, marcados pelo maior jogador de todos os tempos. Vai ser difícil um jogador superar essa marca.

A Copa de 1970, que permitiu que uma terceira estrela fosse bordada junto ao escudo brasileiro, reuniu a melhor seleção de todos os tempos. O ataque formado por Jairzinho, Gerson, Tostão, Pelé e Rivelino era devastador. Ao bater a Itália, na final, por 4 a 1 a Seleção saiu do mero campo de jogo para se tornar uma lenda. Desde então, não me lembro de ter visto nada parecido.

O técnico Zagallo reuniu cinco camisas 10 e pôs todos no mesmo ataque. Pelé, Rivelino, Tostão, Gerson e Jairzinho eram camisas 10 e sua atuação foi massacrante. Não havia adversário capaz de derrotá-los. Até hoje, passados 52 anos, a gente costuma ver os lances dos gols convertidos por eles. Lances geniais, mirabolantes, a bola passando por quase todos os jogadores do time até a conclusão final e o gol.

Debaixo da Ditadura Militar, sob censura, sob Ato Institucional número 5, entre mortos, feridos e desaparecidos, a gente esqueceu tudo e foi comemorar nas ruas. Lembro da avenida 23 de maio parada. O trânsito imóvel. As pessoas saindo dos carros, balançando bandeiras, se abraçando, em uma comoção nunca mais vista.  

Em 1974, saí de um emprego meia boca para assistir a Copa. Não me arrependi. Vi o carrossel holandês e fiquei estarrecido com aquele futebol mágico da "laranja mecânica". Entre tantas injustiças do futebol, a maior delas foi a seleção da Holanda ter perdido a final para uma burocrática e enfadonha Alemanha. Se houvesse mesmo "deuses do futebol", eles jamais permitiram tamanha atrocidade. O time de Cruyff, Neeskens, Rensenbrink, sob a direção de Rinus Michels, foi a maior alteração tática da história do futebol. Ninguém parecia ter posição fixa. Havia sempre muitos holandeses em qualquer parte do campo. Os adversários se desesperavam com aquela avalanche laranja. Lembro de uma cena de um uruguaio, que estava de posse da bola, e se viu, subitamente, cercado por meia dúzia de holandeses. No desespero, se livrou da bola de qualquer maneira. Era um time bem treinado, com talentos, dirigidos por um ex-treinador de basquete, que levou a tática do basquetebol para o gramado e entrou para o panteão das "seleções imortais".

A burocrática e sonolenta Alemanha era reincidente. Em 1954, derrotou a "imbatível" seleção da Hungria por 3 a 2, sendo que o jogo foi disputado em Berna, na Suíça, sob a pressão fulminante da torcida alemã. No finzinho do jogo, o árbitro anulou um gol legítimo da Hungria que daria o empate em 3 a 3. Com o tento anulado (onde estava o Var, quando a gente mais precisava dele?), a Alemanha levou o título, vencendo por 3 a 2 e empobrecendo o futebol.

Em 2014, com a direita fascista e golpista mostrando as garras, "não vai ter Copa", o Brasil foi trucidado pela Alemanha por 7 a 1. A Seleção mereceu a humilhação. Era um time sem brilho, sem tática, sem disposição. O Brasil não "entrou" em campo e os alemães, com boa estratégia e um futebol quase vistoso, demoliram o time treinado por Luiz Felipe Scolari, vingando-se do Felipão, que lhes havia infligido derrota na Copa do Japão/Coreia do Sul, em 2002. 

Como a derrota brasileira era até esperada (mas não com tanta dedicação), os 7 a 1 foram implacáveis, mas sem deixar as sequelas do "maracanazzo" de 1950, quando a Seleção brasileira "imbatível" perdeu por 2 a 1, diante dos uruguaios. O Maracanã ficou em silêncio. Perplexo. Chocado. Incapaz de entender o que tinha acabado de ocorrer. Barbosa poderia ter impedido o gol de Gigghia, que veio carregando a bola pela direita, entrou na área, aproximou-se do gol brasileiro e atirou. A bola passou entre as mãos de Barbosa e a trave. Gol do Uruguai. 2 a 1. O Brasil morreu um pouco naquele 16 de julho de 1950. Foi escolhido um vilão - o goleiro Barbosa - e a maldição da derrota o perseguiu por toda a vida, até o final. De forma impiedosa. No país, sem pena capital, o pobre Barbosa foi condenado à morte pelo silêncio e censura. 

O time pentacampeão de 2002, por falar nisso, deixaria saudades. Um ataque formado por Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno poderia até perder, mas causaria baixas consideráveis no adversário. 

Apesar do pentacampeonato, se fosse disputada uma partida em algum espaço quântico, que pudesse reunir frente a frente a Seleção tricampeã de 1970 e a pentacampeão de 2002, eu apostaria todas as minhas fichas na Seleção de 1970.

O Brasil tetracampeão de 1994 era enfadonho e burocrático como a Alemanha de 1974. Time retrancado, sem brilho, com uma dupla isolada de atacantes (Romário e Bebeto). Foi o campeonato mais triste conquistado pelo Brasil.

A Seleção que foi ao Catar tinha até jogadores de prestígio. Neymar, Rodrygo (pronuncia-se Rodraigo), Vinícius Júnior, Richarlison tiveram boas atuações. Caiu na armadilha da retranca da Croácia, um dos times mais chatos que já se viu jogar desde a invenção do futebol. A tática croata é óbvia: jogar fechado, impedir as ações do adversário, levar a partida para a prorrogação e vencer nos pênaltis. Fizeram umas cinco vezes em mundiais. Ainda bem que perderam a final de 2018 para a França e a semifinal de 2022 para a Argentina.

Fazer Copa do Mundo no Catar? Sério?

O país é uma ditadura. Como todo regime ditatorial é intolerante. Persegue os Lgbtqia+. Oprime as mulheres. A torcida dos catares era só de homens. Excludente. Usam aquelas roupas medievais (brancas para os homens e pretas paras mulheres). Como pode a Fifa ter se permitido tamanha obscenidade? E o símbolo da Copa no Catar: uma mistura de Gasparzinho com aquele indiozinho da TV Tupi. Que tristeza.

Fecho os olhos e vejo as partidas chatas da Croácia, do Marrocos, jogos truncados, feios, sonolentos. 

De bom mesmo ficamos com a final. Só essa lembrança deve resistir ao tempo.    




 

quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

A estátua de Julieta, em Verona

A estátua de Julieta, diante da mansão dos Capuleto

Viajei 12 mil quilômetros. Atravessei o oceano Atlântico. Passei por cima do Saara. Pela Espanha e cheguei no aeroporto Milão Malpensa. Comi uma pizza margherita (Nota 6,5. Mesmo pizza em aeroporto italiano tem de tirar nota 9 pra cima).

Aluguei um carro. Viajei mais 200 quilômetros até Verona, onde Julieta está enterrada, sem o Romeu. Cheguei ao destino. Esvaziei a mala. Saí para comprar alguma coisa para o jantar.

Está escuro. São 20h. Garoa. Ninguém à vista. Então, chega essa senhora, andando lentamente, com uma bolsa de supermercado.

Ensaiei o italiano trôpego: "Signora, per favore: dov'è un mercato da queste parti?". Ela olha bem para mim e diz, em um português brasileiro impecável: "Você é brasileiro, não é?".

Entre 60 milhões de italianos, a primeira pessoa que encontrei em uma rua da Itália era uma compatriota. Os brasileiros vivem a sua diáspora, motivada pela violência nas cidades e os tropeços da economia, sempre titubeante.

Na região norte da Itália, os empregos de operador de pedágio e frentista desapareceram. No pedágio, em meio a uma chuva abundante, uma escuridão apocalíptica, você se aproxima com o carro e não tem uma singular presença humana. A máquina vomita um bilhete. Você puxa aquilo fora e guarda. Certamente, vai utilizar em algum momento. E usa mesmo. Depois de percorrer um determinado número de quilômetros, aparece outro pedágio. Então, você enfia o bilhete na máquina e ela informa quanto tem de ser pago. Em um momento de pânico, enfiei meu cartão que necessita de senha para autorizar o débito ou crédito. Não sei como a máquina aceitou e me liberou a passagem, mesmo sem eu ter posto a senha. Com experiência, você vai pegando as manhas e sabendo como agir rapidamente, pagando e recebendo o troco. A máquina não erra nem um único centavo.

No posto de combustível, é mais complicado. Começa que eu não sabia o que era diesel ou gasolina. Cabe a você abrir o reservatório de combustível. Colocar o dinheiro na máquina e esperar que ela autorize sua utilização. Não adianta olhar em volta. Não adianta imaginar que vai aparecer alguém para lhe ajudar, porque não vai.

A principal atração turística de Verona é a casa onde morou Julieta. Tem uma estátua dela na porta. Diariamente, centenas, milhares de turistas trepam sobre a estátua e tiram fotos, passando a mão no peito da Julieta de bronze. Eles fazem caretas. Põem a língua para fora. Gritam. Dão risada.

Dizem que dá sorte passar a mão no peito da estátua. Para com isso, gente! A menina tem só 14 anos.

É uma pedofilia autorizada - e, quiçá, estimulada - pelas autoridades.

Outra atração de Verona é uma arena, construída anos após o Coliseu de Roma. A gente sobe aquelas dezenas de degraus e fica lá no alto, imaginando quantos escravos devem ter se arrebentado para erguer aquele monumento milenar. Construções espetaculares, velhos estádios, em que multidões se juntavam para ver as feras, os gladiadores, a morte extrema de animais e pessoas. Devia ser legal.

Na estrada, percorrendo as cidades vizinhas, o que se faz notar é a civilidade. Dirigindo, lembrei a frase famosa do anarquista russo Piotr Kropotkin (1842-1921): "A competição é a lei da selva; a cooperação é a lei da civilização", ainda que me permiti deixar Kropotkin totalmente fora do contexto.

O trânsito flui de maneira civilizada. De forma cooperativa. Cada motorista parece saber o que está fazendo e auxilia o próximo, dando setas e informando seu direcionamento. As estradas são ótimas, o asfalto irrepreensível. Os valentões parecem ter desaparecido das rodovias. Não se vê um carro cortando da esquerda para a direita e vice-versa. Não há outdoors grotescos, desbotados, desmantelando-se. As publicidades são disciplinadas e obedecem a um tamanho determinado, visualmente, não poluidor. Contei exatos dois carros... Exatamente, dois carros que estavam com o farol desregulado: um deles baixo e o outro na lanterna. É claro que pela via da esquerda, de vez em quando passa um bólido. Você nem consegue ver o que era. É a terra das Ferrari.

O restaurante Delle Nazioni, em Verona, foi um achado. O menu de 16 euros contempla dois pratos e sobremesa. As massas são excepcionais. Molhos leves, saborosos. O gnocchi ao forno boníssimo. O tiramissu estrelar. As pizzas inesquecíveis.

E o melhor de tudo: é um restaurante sem turistas. Comem lá somente o pessoal local. O atendimento é privilegiado. Cada vez que ia lá, o patrão me chamava no balcão e me servia um licor Limoncello, às vezes um aperitivo gelado de mirtilo, com as frutas vivas, balançando lá dentro do vidro. "Viva Brasile", ele dizia, enquanto servia o cálice.

Do ponto de vista estratégico, Verona fica próxima de Veneza e de cidades interessantes que valem a visita, como Sirmione, onde está o lago de Garda, "o maior lago da Itália".

Essas cidades italianas, como Sirmione, têm particularidades. Você entra em um café, que parece meio decadente, meio derrubado, e pede um chocolate quente. A caneca vem quase transbordando e o chocolate é denso, volumoso, profundo. Como diria um personagem de Larry David, saborear esse chocolate "é como se tivesse um circo dentro da minha boca".

"La statua di Giulietta a Verona"

Ho viaggiato 12 mila chilometri. Ho attraversato l'oceano Atlantico. Sono passato sopra il Sahara. Dalla Spagna sono arrivato all'aeroporto di Milano Malpensa. Ho mangiato una pizza margherita (Nota 6,5. Anche la pizza in un aeroporto italiano deve prendere almeno 9).

Ho noleggiato una macchina. Ho viaggiato altri 200 chilometri fino a Verona, dove è sepolta Giulietta, senza Romeo. Sono arrivato a destinazione. Ho svuotato la valigia. Sono uscito per comprare qualcosa per cena.

È buio. Sono le 20h. C'è una pioggerellina. Nessuno in vista. Poi arriva questa signora, camminando lentamente, con una borsa della spesa.

Ho provato il mio italiano traballante: "Signora, per favore: dov'è un mercato da queste parti?". Lei mi guarda bene e dice, in un portoghese brasiliano impeccabile: "Tu sei brasiliano, vero?".

Tra 60 milioni di italiani, la prima persona che ho incontrato in una strada italiana era una connazionale. I brasiliani vivono la loro diaspora, motivata dalla violenza nelle città e dai passi falsi dell'economia, sempre incerta.

Nel nord Italia, i lavori di operatore di pedaggio e benzinaio sono scomparsi. Al casello, sotto una pioggia abbondante, un'oscurità apocalittica, ti avvicini con la macchina e non c'è una singola presenza umana. La macchina sputa un biglietto. Lo prendi e lo conservi. Sicuramente lo userai in qualche momento. E lo usi davvero. Dopo aver percorso un certo numero di chilometri, appare un altro casello. Allora infili il biglietto nella macchina e ti dice quanto devi pagare. In un momento di panico, ho inserito la mia carta che richiede un PIN per autorizzare l'addebito o il credito. Non so come la macchina l'abbia accettata e mi abbia fatto passare, anche senza aver inserito il PIN. Con l'esperienza, impari i trucchi e sai come agire rapidamente, pagando e ricevendo il resto. La macchina non sbaglia un solo centesimo.

Alla stazione di servizio, è più complicato. Innanzitutto, non sapevo cosa fosse il diesel o la benzina. Tocca a te aprire il serbatoio del carburante. Mettere i soldi nella macchina e aspettare che autorizzi l'uso. Non serve guardarsi intorno. Non serve immaginare che apparirà qualcuno per aiutarti, perché non accadrà.

La principale attrazione turistica di Verona è la casa dove viveva Giulietta. C'è una statua di lei alla porta. Ogni giorno, centinaia, migliaia di turisti si arrampicano sulla statua e scattano foto, passando la mano sul petto di Giulietta di bronzo. Fanno smorfie. Tirano fuori la lingua. Gridano. Ridono.

Dicono che porti fortuna passare la mano sul petto della statua. Smettetela, gente! La ragazza ha solo 14 anni.

È una pedofilia autorizzata - e, forse, stimolata - dalle autorità.

Un'altra attrazione di Verona è un'arena, costruita anni dopo il Colosseo di Roma. Si salgono quelle decine di gradini e si rimane lassù in alto, immaginando quanti schiavi devono essersi rotti per costruire quel monumento millenario. Costruzioni spettacolari, vecchi stadi, dove le folle si riunivano per vedere le belve, i gladiatori, la morte estrema di animali e persone. Doveva essere bello.

Sulla strada, percorrendo le città vicine, ciò che si nota è la civiltà. Guidando, ho ricordato la famosa frase dell'anarchico russo Piotr Kropotkin (1842-1921): "La competizione è la legge della giungla; la cooperazione è la legge della civiltà", anche se ho lasciato Kropotkin totalmente fuori dal contesto.

Il traffico scorre in modo civile. In modo cooperativo. Ogni automobilista sembra sapere cosa sta facendo e aiuta il prossimo, mettendo le frecce e informando la sua direzione. Le strade sono ottime, l'asfalto impeccabile. I prepotenti sembrano essere scomparsi dalle autostrade. Non si vede una macchina che taglia da sinistra a destra e viceversa. Non ci sono cartelloni grotteschi, sbiaditi, che si sbriciolano. Le pubblicità sono disciplinate e rispettano una dimensione determinata, visivamente non inquinante. Ho contato esattamente due macchine... Esattamente, due macchine che avevano i fari fuori posto: uno basso e l'altro con la luce posteriore accesa. Certo, sulla corsia di sinistra, ogni tanto passa un bolide. Non riesci nemmeno a vedere cosa fosse. È la terra delle Ferrari.

Il ristorante Delle Nazioni, a Verona, è stata una scoperta. Il menu da 16 euro comprende due piatti e un dessert. Le paste sono eccezionali. Salse leggere, saporite. Gli gnocchi al forno buonissimi. Il tiramisù stellare. Le pizze indimenticabili.

E la cosa migliore: è un ristorante senza turisti. Ci mangiano solo i locali. Il servizio è privilegiato. Ogni volta che andavo lì, il padrone mi chiamava al bancone e mi serviva un liquore Limoncello, a volte un aperitivo freddo di mirtillo, con i frutti vivi, che ballavano dentro il bicchiere. "Viva Brasile", diceva, mentre serviva il calice.

Dal punto di vista strategico, Verona è vicina a Venezia e a città interessanti che vale la pena visitare, come Sirmione, dove si trova il lago di Garda, "il più grande lago d'Italia".

Queste città italiane, come Sirmione, hanno delle particolarità. Entri in un caffè, che sembra un po' decadente, un po' diroccato, e ordini una cioccolata calda. La tazza arriva quasi straripante e il cioccolato è denso, voluminoso, profondo. Come direbbe un personaggio di Larry David, assaporare questo cioccolato "è come se avessi un circo in bocca".




terça-feira, 13 de dezembro de 2022

Chegando na "favela" de Aubervilliers

 

Estação do metrô da Mairie d'Aubervilliers

O taxista chinês estaciona o carro. Ajuda a descer as malas. Olha desconfiado para os lados e avisa, em tom desesperado: "Aqui, é periferia brava. Igual à favela do Brasil. Favela!", ele diz, quase gritando.

Aubervilliers fica na periferia mesmo de Paris. É uma comuna, onde vivem umas 64 mil almas, a maioria delas, imigrantes. Muitos pretos nas ruas. Muitos árabes e muçulmanos. Muita gente falando em línguas irreconhecíveis. A maioria veste roupas africanas, longas, estampadas e algumas com muito brilho. 

O chinês, certamente, nunca pisou em uma favela real brasileira. Não há esgoto a céu aberto. Não se veem palafitas, nem barracos, nem terrenos invadidos e ocupados de forma urbanamente desastrosa. Não há habitações precárias em morros oscilantes. As ruas são livres e não estão obstruídas com carcaças de carros incendiados e nem se veem os vigias do tráfico, armados de fuzis AK47. Não tem os miseráveis que passam fome e que vivem abaixo da linha da pobreza, com menos de 500 reais por mês. 

É uma "favela" de prédios seguros, com chaves de entrada inteligentes. À noite, não se ouve um suspiro vindo do apartamento vizinho. É um silêncio de monastério.

Às seis horas da manhã, saio para comprar baguete e croissant na boulangerie da esquina e sou atendido por um rapaz árabe, que me recebe com um sorriso cordial. A boulangerie é impecável. Exala aquele odor delicioso de pão, que acabou de sair do forno. A baguete custa 1 euro e está quente, estalando na mão.

O mercadinho de produtos árabes na esquina oferece frutas, sopas industrializadas, pratos congelados, bebidas, doces, produtos de primeira necessidade. É um milagre de ocupação de prateleiras em uns 20 metros quadrados.

No metrô da Mairie d'Aubervilliers, uma atendente solícita deixa o posto de observação envidraçado para me ajudar a comprar o tíquete e explica as diversas opções de transporte e seus respectivos valores. Essa estação de metrô, em plena "favela", foi recém-construída. Tem elevadores modernos - e todos funcionam. Assim como funcionam as escadas rolantes. Nada ali está quebrado ou pichado ou danificado. Avisos luminosos informam os minutos que faltam para o próximo trem chegar à plataforma.

Ao descer em Saint-Michel, passo pelos cafés e as pessoas lendo livros - e até jornais, acredite - me chamam a atenção. Existe ainda uma cidade no mundo em que as pessoas leem livros impressos e jornais. Vou até o café L' Écritoire, na praça da Sorbonne, onde em 1991/92, passei momentos memoráveis, discutindo minha tese e as teses dos colegas, que faziam doutorado sob a orientação do brilhante professor Michel Maffesoli. 

Na época, o filósofo Jean Baudrillard costumava sentar-se numa mesa vizinha. Era uma proximidade quase surreal. Alguém que você conhecia de leitura aparecia bem ali, ao vivo e em cores.

A Sorbonne continua no mesmo lugar de sempre. Vetusta, mas presente, firme, intocável, inabalável. Em 1968, durante a Revolução que transformou o Quartier Latin, em praça de guerra, os estudantes ficaram acampados e "aquartelados" na Sorbonne. Época do "amor livre". Dizia-se, com evidente exagero, que as pessoas "escorregavam" em esperma ao caminhar pelos corredores da Sorbonne.

No L'Écritoire, peço um kir ao garçom. Ele pergunta se é um "kir cassis". Respondo que sim. O kir tem o mesmo sabor, mas, em pleno feriado prolongado, a universidade está fechada. Nas mesas, casais e solitários sorvendo cafés, cervejas e aperitivos, iguais ao meu. Não vejo estudantes. Ninguém ali discute a tese que está escrevendo. E faz alguns anos que Jean Baudrillard não se encontra mais entre nós.

Na armadilha do tempo, o que antes tinha muito sabor, parece ter perdido a essência. Simenon, por exemplo, e o seu querido inspetor Maigret. Eu costumava devorar seus livros, que comprava por míseros 10 francos (quanto isso seria em euro?), em caixotes posicionados na porta de uma livraria. Agora, milhares de anos mais tarde, me decepciono com as histórias inverossímeis, com as decisões estapafúrdias de um policial, que passa por cima do mais elementar direito legal.

Diante da livraria Gibert Jeune, em frente ao Sena e vizinha da turística Shakespeare and Company, vejo um exemplar do "Imoralista", de André Gide, por 50 centavos de euro. É uma moedinha ridícula de 50 centavos, em troca de André Gide. Só que na hora de iniciar a releitura de uma obra, que devo ter lido lá pelos meus 20 anos, descubro que a fonte da impressão deve ser inferior a 7, o que inviabiliza a leitura.

Paris deve ter o mesmo número de livrarias que São Paulo tem de igrejas. Na mesma proporção.

Caminho pela Rive Gauche, cruzo com gente em patinetes elétricos, passo pelos bouquinistes, vendendo os mesmos livros usados de sempre, os mesmos jornais antigos e as inexoráveis lembranças de Paris (aventais, panos de prato, aparadores, chaveiros com miniaturas da torre Eiffel). Embaixo, no Sena, as péniches deslizam serenas pelo rio, visualmente limpo e vivo. Outras estão "estacionadas" nas margens. Sobre elas, há plantas, bicicletas, roupas secando.

Paris tem essa particularidade. Você não se cansa de andar. Você caminha, caminha, entra por uma rua, sai em outra. É tudo visualmente encantador. Você não cansa de ver as vitrines, de ser um flâneur, no melhor estilo Walter Benjamin. 

Acabo indo parar no bairro Saint-Germain-de-Prés, recheado de apartamentos que custam a bagatela de 2 milhões de euros. Uma loja se evidencia por seu produto em oferta na vitrine: cartas e autógrafos raros. Encosto o rosto na vitrine e vejo a assinatura de Freud, em uma cartinha simpática, que talvez ele tenha escrito ao seu biógrafo Ernest Jones. Vizinha dali, aparece uma livraria, que expõe as obras de Annie Ernaux, ganhadora do prêmio Nobel de Literatura. Haverá uma sessão de autógrafos, que começa naquele mesmo dia por volta de 19 horas.

Cansado, percebo que começa a escurecer. Faço o caminho de volta, o trajeto de retorno à minha querida "favela", bem no final da linha do metrô, onde vou descer e caminhar sereno e complacente pela avenida Victor Hugo. Viver em uma "favela" em que uma das ruas principais tem o nome do maior escritor dos últimos 160 anos deve dar um orgulho danado para seus bem-aventurados "favelados". 

 Tradução para o francês:

Le chauffeur de taxi chinois gare la voiture. Il aide à descendre les valises. Il regarde autour de lui avec méfiance et avertit, d'un ton désespéré : "Ici, c'est la banlieue dangereuse. Comme les favelas du Brésil. Favela !", dit-il, presque en criant.

Aubervilliers se trouve en effet en banlieue parisienne. C'est une commune où vivent environ 64 000 âmes, dont la majorité sont des immigrés. Beaucoup de Noirs dans les rues. Beaucoup d'Arabes et de musulmans. Beaucoup de gens parlent des langues méconnaissables. La plupart portent des vêtements africains, longs, imprimés, et certains très brillants.

Le Chinois, certainement, n'a jamais mis les pieds dans une véritable favela brésilienne. Il n'y a pas d'égouts à ciel ouvert. On ne voit ni maisons sur pilotis, ni baraques, ni terrains envahis et occupés de manière urbanistiquement désastreuse. Il n'y a pas d'habitations précaires sur des collines instables. Les rues sont libres et ne sont pas encombrées de carcasses de voitures incendiées, et on ne voit pas les guetteurs du trafic de drogue, armés de fusils AK47. Il n'y a pas de miséreux qui souffrent de la faim et vivent sous le seuil de pauvreté, avec moins de 500 reais par mois.

C'est une "favela" d'immeubles sécurisés, avec des clés d'entrée intelligentes. La nuit, on n'entend pas un soupir venant de l'appartement voisin. C'est un silence de monastère.

À six heures du matin, je sors pour acheter une baguette et un croissant à la boulangerie du coin et je suis servi par un jeune Arabe, qui m'accueille avec un sourire cordial. La boulangerie est impeccable. Elle exhale cette délicieuse odeur de pain qui vient de sortir du four. La baguette coûte 1 euro et est chaude, croustillante dans la main.

L'épicerie arabe du coin propose des fruits, des soupes industrielles, des plats surgelés, des boissons, des sucreries, des produits de première nécessité. C'est un miracle d'occupation d'étagères sur environ 20 mètres carrés.

Dans le métro de Mairie d'Aubervilliers, une agente prévenante quitte son poste d'observation vitré pour m'aider à acheter un ticket et m'explique les différentes options de transport et leurs tarifs respectifs. Cette station de métro, en plein cœur de la "favela", a été récemment construite. Elle dispose d'ascenseurs modernes – et tous fonctionnent. Tout comme les escalators. Rien n'est cassé, tagué ou endommagé. Des panneaux lumineux indiquent les minutes restantes avant l'arrivée du prochain train sur le quai.

En descendant à Saint-Michel, je passe devant des cafés et les gens qui lisent des livres – et même des journaux, croyez-le – attirent mon attention. Il existe encore une ville dans le monde où les gens lisent des livres imprimés et des journaux. Je me rends au café L'Écritoire, sur la place de la Sorbonne, où en 1991/92, j'ai passé des moments mémorables, discutant de ma thèse et de celles de mes collègues, qui faisaient leur doctorat sous la direction du brillant professeur Michel Maffesoli.

À l'époque, le philosophe Jean Baudrillard avait l'habitude de s'asseoir à une table voisine. C'était une proximité presque surréaliste. Quelqu'un que vous connaissiez par ses écrits apparaissait là, en chair et en os.

La Sorbonne est toujours au même endroit. Vénérable, mais présente, ferme, intouchable, inébranlable. En 1968, pendant la Révolution qui a transformé le Quartier Latin en champ de bataille, les étudiants campaient et se "retranchaient" à la Sorbonne. C'était l'époque de "l'amour libre". On disait, avec un exagération évidente, que les gens "glissaient" sur du sperme en marchant dans les couloirs de la Sorbonne.

Au L'Écritoire, je commande un kir au serveur. Il me demande si c'est un "kir cassis". Je réponds que oui. Le kir a le même goût, mais, en plein pont du week-end prolongé, l'université est fermée. Aux tables, des couples et des solitaires sirotent des cafés, des bières et des apéritifs, comme le mien. Je ne vois pas d'étudiants. Personne ne discute de la thèse qu'il est en train d'écrire. Et cela fait quelques années que Jean Baudrillard n'est plus parmi nous.

Dans le piège du temps, ce qui avait autrefois beaucoup de saveur semble avoir perdu son essence. Simenon, par exemple, et son cher inspecteur Maigret. Je dévorais ses livres, que j'achetais pour une misérable somme de 10 francs (combien cela ferait-il en euros ?), dans des caisses placées à l'entrée d'une librairie. Maintenant, des milliers d'années plus tard, je suis déçu par les histoires invraisemblables, par les décisions absurdes d'un policier qui bafoue les droits les plus élémentaires.

Devant la librairie Gibert Jeune, face à la Seine et voisine de la touristique Shakespeare and Company, je vois un exemplaire de "L'Immoraliste" d'André Gide pour 50 centimes d'euro. C'est une pièce ridicule de 50 centimes, en échange d'André Gide. Mais au moment de commencer la relecture d'une œuvre que j'avais dû lire vers mes 20 ans, je découvre que la police d'impression doit être inférieure à 7, ce qui rend la lecture impossible.

Paris doit avoir le même nombre de librairies que São Paulo a d'églises. Dans la même proportion.

Je marche sur la Rive Gauche, je croise des gens sur des trottinettes électriques, je passe devant les bouquinistes, qui vendent les mêmes livres d'occasion, les mêmes vieux journaux et les inévitables souvenirs de Paris (tabliers, torchons, dessous de plat, porte-clés avec des miniatures de la tour Eiffel). En bas, sur la Seine, les péniches glissent tranquillement sur le fleuve, visuellement propre et vivant. D'autres sont "garées" sur les rives. Sur elles, il y a des plantes, des vélos, des vêtements qui sèchent.

Paris a cette particularité. On ne se lasse pas de marcher. On marche, on marche, on entre dans une rue, on en sort une autre. Tout est visuellement enchanteur. On ne se lasse pas de regarder les vitrines, d'être un flâneur, dans le meilleur style de Walter Benjamin.

Je finis par arriver dans le quartier de Saint-Germain-des-Prés, rempli d'appartements qui coûtent la bagatelle de 2 millions d'euros. Une boutique se distingue par son produit en vitrine : des lettres et des autographes rares. Je colle mon visage à la vitrine et je vois la signature de Freud, sur une petite lettre sympathique, qu'il a peut-être écrite à son biographe Ernest Jones. À côté, il y a une librairie, qui expose les œuvres d'Annie Ernaux, lauréate du prix Nobel de littérature. Il y aura une séance de dédicaces, qui commence ce même jour vers 19 heures.

Fatigué, je remarque que la nuit commence à tomber. Je fais le chemin du retour, le trajet vers ma chère "favela", tout au bout de la ligne de métro, où je descendrai et marcherai sereinement et complaisamment sur l'avenue Victor Hugo. Vivre dans une "favela" où l'une des rues principales porte le nom du plus grand écrivain des 160 dernières années doit rendre ses bienheureux "favelados" très fiers. 

     

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