sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O dia em que o Latis deu uma trombada em Pelé

 


No dia 1º de janeiro de 1993, exatamente no primeiro dia daquele ano, comecei a trabalhar no Diário do Grande ABC. Quando retornava para casa, o freio do meu Chevette 1983, que meu filho chamava carinhosamente de "Latis", falhou, durante uma tempestade de verão. 

Essas pancadas rápidas de fim de tarde. Estava na avenida Presidente Wilson, tão esburacada e abandonada como ainda é hoje, quando vi aquele Mercedes do ano na minha frente. Pensei na hora: "Não posso bater nesse Mercedes. Não no meu primeiro dia de trabalho no emprego novo. Vou precisar dar um ano do meu salário para pagar o conserto". 

Não deu outra. Apertei o freio. O pedal desceu até o fundo, "na tábua", como se dizia na época, e entrei com tudo, com toda volúpia, na traseira do Mercedes. 

Paramos os carros. 

Desceu um sujeito corpulento, misto de boxeur com esmagador de crânios profissional, para olhar o prejuízo. O céu estava escuro, com raios caindo a nossa volta. A chuva havia parado momentaneamente, mas a tempestade ia recomeçar a qualquer instante. Estávamos no olho do furacão, quando os elementos dão uma trégua, mas prometem voltar com força no total em segundos.

O sujeito olhava, olhava e avaliava a desgraça. 

Desci do carro para dizer que a culpa tinha sido minha e que ia arcar com o prejuízo, ainda que demorasse uns vinte anos para fazê-lo. Desceu do carro o passageiro...Não acreditei no que estava vendo. 

Eu tinha simplesmente esmagado a traseira do Mercedes do meu maior ídolo, Pelé.  

Passei a mão na cabeça e disse: "Puxa, Pelé, com tanto carro para bater fui escolher justo o seu..." 

Ele pôs a mão nas minhas costas e disse: "Você está bem? Machucou alguma coisa? Quer tomar um café; uma água com açúcar, um conhaque?" 

Falei que estava bem, mas inconformado. "Justo o seu carro, Pelé. Que droga!" Ele se ofereceu para pagar o prejuízo. "Arrebentou muito seu carro? Eu pago. Não tem problema." 

O meu velho Chevette estava apenas com o para-choque de metal entortado. O Mercedes novinho tinha um rombo na lataria. Lamentável. A gente se despediu. Pelé e o segurança/motorista foram embora. 

Cheguei em casa, em estado de graça. "Como foi no seu primeiro dia?", minha sogra perguntou, assim que estacionei o carro. "Foi bem diferente", falei, "bati no carro do Pelé".   

Diário do Grande ABC foi o jornal onde consegui me realizar plenamente como profissional. Escrevi artigos, produzi matérias especiais que conquistavam a manchete da edição de domingo (a principal da semana) e - principalmente - foi onde eu mais me diverti na profissão, apesar de varar inúmeras madrugadas trabalhando arduamente e de ter começado com o pé esquerdo. Aliás, com o pé direito no freio quebrado.

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