Essas pancadas rápidas de fim de tarde. Estava na avenida Presidente Wilson, tão esburacada e abandonada como ainda é hoje, quando vi aquele Mercedes do ano na minha frente. Pensei na hora: "Não posso bater nesse Mercedes. Não no meu primeiro dia de trabalho no emprego novo. Vou precisar dar um ano do meu salário para pagar o conserto".
Não deu outra. Apertei o freio. O pedal desceu até o fundo, "na tábua", como se dizia na época, e entrei com tudo, com toda volúpia, na traseira do Mercedes.
Paramos os carros.
Desceu um sujeito corpulento, misto de boxeur com esmagador de crânios profissional, para olhar o prejuízo. O céu estava escuro, com raios caindo a nossa volta. A chuva havia parado momentaneamente, mas a tempestade ia recomeçar a qualquer instante. Estávamos no olho do furacão, quando os elementos dão uma trégua, mas prometem voltar com força no total em segundos.
O sujeito olhava, olhava e avaliava a desgraça.
Desci do carro para dizer que a culpa tinha sido minha e que ia arcar com o prejuízo, ainda que demorasse uns vinte anos para fazê-lo. Desceu do carro o passageiro...Não acreditei no que estava vendo.
Eu tinha simplesmente esmagado a traseira do Mercedes do meu maior ídolo, Pelé.
Passei a mão na cabeça e disse: "Puxa, Pelé, com tanto carro para bater fui escolher justo o seu..."
Ele pôs a mão nas minhas costas e disse: "Você está bem? Machucou alguma coisa? Quer tomar um café; uma água com açúcar, um conhaque?"
Falei que estava bem, mas inconformado. "Justo o seu carro, Pelé. Que droga!" Ele se ofereceu para pagar o prejuízo. "Arrebentou muito seu carro? Eu pago. Não tem problema."
O meu velho Chevette estava apenas com o para-choque de metal entortado. O Mercedes novinho tinha um rombo na lataria. Lamentável. A gente se despediu. Pelé e o segurança/motorista foram embora.
Cheguei em casa, em estado de graça. "Como foi no seu primeiro dia?", minha sogra perguntou, assim que estacionei o carro. "Foi bem diferente", falei, "bati no carro do Pelé".
O Diário do Grande ABC foi o jornal onde consegui me realizar plenamente como profissional. Escrevi artigos, produzi matérias especiais que conquistavam a manchete da edição de domingo (a principal da semana) e - principalmente - foi onde eu mais me diverti na profissão, apesar de varar inúmeras madrugadas trabalhando arduamente e de ter começado com o pé esquerdo. Aliás, com o pé direito no freio quebrado.
Nenhum comentário:
Postar um comentário