Bolsonaristas derrotados na eleição buscam refúgio nas portas de quartéis |
O comportamento é esquisito. Imagine viver 21 anos em um país, em que era proibido votar para presidente. Um país atrasado, pobre, miserável, governado por militares. Havia um sujeito desse mesmo governo que dizia qual filme, peça de teatro, livro, música você poderia assistir, ler ou ouvir. Os opositores eram presos, torturados e mortos. Sério, seria legal viver em um país assim? Valeria a pena ter isso de volta?
O regime militar direitista naufragou. Foi incapaz de resolver os problemas da inflação, da desigualdade de renda, do desenvolvimento. Foi um fracasso colossal.
Em uma pesquisa de campo feita em 1982/83, em um localidade distante 50 quilômetros de Belo Horizonte, o pesquisador topava com uma realidade atroz: pinguelas, ruas enlameadas, crianças sem escola, adultos sem atendimento médico, desemprego generalizado, miséria substancial.
Veio a redemocratização. A inflação foi controlada. E quando esse mesmo pesquisador retornou àquela localidade - 25 anos passados - descobriu que a democracia tinha feito um bem danado: estradas vicinais asfaltadas, não havia mais pinguelas, as crianças tinham escolas, atendimento médico gratuito em postos de saúde e emprego a dar com pau.
Qual é o mecanismo mental que cria essa ideia de que durante a Ditadura Militar o País era melhor? Que distorção maluca seria capaz de produzir disparates de sinapses desse porte, dessa incongruência abissal?
Não são todos, é claro. Há muitos brasileiros inteligentes, capazes de ler, escrever e até fazer contas matemáticas. Mas, em geral, o brasileiro parece ter desenvolvido uns dez por cento de sua capacidade mental.
Há erros que são reproduzidos diariamente e ninguém parece se dar conta disso. O telejornal da manhã mostra um repórter em um bairro submerso pela enchente. O profissional caminha pelas ruas com meio metro de água e traz os depoimentos sofridos dos moradores.
Quem já foi nesse mesmo bairro, loteado e ocupado ilegalmente, sabe que as casas foram erguidas em uma área abaixo do nível do rio. Toda vez que chove em demasia - e em um país tropical chove muito em determinados meses - o rio fica cheio e transborda. Transborda sobre as casas que estão em um nível inferior. A administração municipal, se ela existisse de fato, deveria retirar os moradores de lá. Demolir as casas e transformar o local em área de preservação.
Para onde iriam os moradores? Entre uma invasão estranha e outra, o MTST, de Boulos, fez, pelo menos, um levantamento de vários prédios que estão vazios no centro da cidade. Bastaria para o caríssimo prefeito ter vontade política e desapropriar esses imóveis e relocar as pessoas, que vivem em encostas, áreas de risco extremo e aqueles que sofrem enchentes por estarem em local indevido. Mas é tudo lento. Tudo precisa de um projeto, precisa de um estudo, precisa de algo que só vai retardar o que é urgente.
O mesmo acontece com os motociclistas. Todos os dias - repito, todos os dias - um motociclista trafegando em alta velocidade pelo corredor de trânsito vai se chocar contra um veículo e se ferir com seriedade. Morre um diariamente. Então, hoje, dia 5 de janeiro, morreu ou vai morrer um motociclista. Quando não morre, fica estatelado no asfalto. São chamados os bombeiros, o Samu, os agentes de trânsito. A avenida, a marginal ficam paralisadas. Os carros, caminhões e ônibus se amontoam. E, daqui a pouco, vai acontecer novamente. É uma repetição do erro que deixaria um marciano em dúvida, se aqui temos vida inteligente.
Aquelas pessoas que votaram em um candidato e ele perdeu a eleição ficaram inconformadas. É ruim. É triste ver o nosso candidato ser derrotado. Entre sentir tristeza e sair de casa e se dirigir a uma porta de quartel pedindo que haja um golpe militar, vai uma distância daqui a Lua. A manifestação é livre, é verdade. Todos têm o direito de se manifestar, mas pedir a volta da censura, da tortura, do atraso, do morte de opositores, da desigualdade extrema... Não há lógica mental nesse procedimento. Não é, com o devido respeito aos manifestantes, uma prova de inteligência.
Se o governo militar tivesse sido uma época de ouro, sem miseráveis, sem violência, com cem por cento da população ganhando dez salários mínimos mensais, sem inflação, com total respeito aos valores democráticos; a gente até entenderia o que eles estariam reivindicando. A Ditadura Militar deu errado. Foram 21 anos jogados no lixo. Vinte e um anos de atraso, de violência, de arbítrio.
Outra falha grave mental, que seria o quod erat demonstrandum da nossa falta de inteligência crônica, é sempre a questão do lixo. Jogado nas ruas de qualquer jeito, o lixo vai para a sarjeta, é levado pela água para a boca de lobo e acontece algo que ninguém esperava, veja você: o lixo vai entupir a rede de esgoto.
Nossa, sério? Aconteceu isso mesmo? O lixo entupiu a rede de esgoto? Então, a água da chuva não pôde escoar, voltou à superfície, inundou a rua, arrastou carros, ônibus, caminhões e afogou passantes.
Retorna-se ao telejornal: o repórter está parado diante de um ponto de descarte de lixo. Tem sofás, fogões, restos de comida, sobras de obra e lixo malcheiroso, com moscas, baratas e escorpiões passeando ali por cima. A prefeitura é acionada. Chega um caminhão. Retira a imundície. O repórter vai embora. E, no dia seguinte, novos restos de sofá, de fogões, restos de comida, sobras de obras e lixo malcheiroso retornarão impunemente ao mesmo local.
É uma maldição que deve ter sido engendrada por Zeus. Aquele mesmo que condenou Sísifo a arrastar a pedra montanha acima.
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