quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Copas inesquecíveis

A final da Copa de 2022 entre Argentina e França foi digna do nome. Argentina sai na frente. França empata. Argentina desempata na prorrogação. A França empata novamente e leva a decisão para os pênaltis. Argentina é tricampeã, 52 anos depois de o Brasil conquistar o tri.

Com exceção do jogo final, vai restar pouca memória da Copa de 2022, disputada em país árabe, o Catar. Qual foi o outro grande jogo? Qual foi a seleção que se destacou pelo seu estilo inovador de jogo? Qual foi a grande revelação?

A resposta para todas essas perguntas é semelhante. Teve uma semifinal interessante entre França e Inglaterra, mas fora esse jogo o restante foi uma amontoado de times retrancados, com muito mais medo de perder do que vontade de vencer. 

Nenhuma seleção foi inovadora. Nada de novo no front. Que atleta saiu coroado como o novo grande talento e revelação dos gramados? Nenhum. 

Houve um embate final - esperado - entre Messi e Mbappé. E fim.

 Messi, que havia ganho quase tudo como jogador, faltava conquistar o "doutorado" do futebol que é a Copa do Mundo. Um prêmio para uma carreira bem-sucedida. 

Mbappé está longe de ser uma revelação. Tem só 23 anos, mas já foi campeão do mundo, é talvez o maior talento em atividade, o mundo inteiro está familiarizado com sua marca e deve conquistar outros títulos importantes em sua carreira. Outros mundiais, quem sabe.

As Copas de 1958 e 1962, conquistadas pelo Brasil, revelaram ao mundo novos talentos, gratas revelações, como Pelé e Garrincha. Somente agora, 60 anos depois, alguns recordes estabelecidos por Pelé estão sendo quebrados. Mas nem Messi (em fim de carreira), nem Mbappé parecem ter fôlego para chegar aos 1.283 gols, marcados pelo maior jogador de todos os tempos. Vai ser difícil um jogador superar essa marca.

A Copa de 1970, que permitiu que uma terceira estrela fosse bordada junto ao escudo brasileiro, reuniu a melhor seleção de todos os tempos. O ataque formado por Jairzinho, Gerson, Tostão, Pelé e Rivelino era devastador. Ao bater a Itália, na final, por 4 a 1 a Seleção saiu do mero campo de jogo para se tornar uma lenda. Desde então, não me lembro de ter visto nada parecido.

O técnico Zagallo reuniu cinco camisas 10 e pôs todos no mesmo ataque. Pelé, Rivelino, Tostão, Gerson e Jairzinho eram camisas 10 e sua atuação foi massacrante. Não havia adversário capaz de derrotá-los. Até hoje, passados 52 anos, a gente costuma ver os lances dos gols convertidos por eles. Lances geniais, mirabolantes, a bola passando por quase todos os jogadores do time até a conclusão final e o gol.

Debaixo da Ditadura Militar, sob censura, sob Ato Institucional número 5, entre mortos, feridos e desaparecidos, a gente esqueceu tudo e foi comemorar nas ruas. Lembro da avenida 23 de maio parada. O trânsito imóvel. As pessoas saindo dos carros, balançando bandeiras, se abraçando, em uma comoção nunca mais vista.  

Em 1974, saí de um emprego meia boca para assistir a Copa. Não me arrependi. Vi o carrossel holandês e fiquei estarrecido com aquele futebol mágico da "laranja mecânica". Entre tantas injustiças do futebol, a maior delas foi a seleção da Holanda ter perdido a final para uma burocrática e enfadonha Alemanha. Se houvesse mesmo "deuses do futebol", eles jamais permitiram tamanha atrocidade. O time de Cruyff, Neeskens, Rensenbrink, sob a direção de Rinus Michels, foi a maior alteração tática da história do futebol. Ninguém parecia ter posição fixa. Havia sempre muitos holandeses em qualquer parte do campo. Os adversários se desesperavam com aquela avalanche laranja. Lembro de uma cena de um uruguaio, que estava de posse da bola, e se viu, subitamente, cercado por meia dúzia de holandeses. No desespero, se livrou da bola de qualquer maneira. Era um time bem treinado, com talentos, dirigidos por um ex-treinador de basquete, que levou a tática do basquetebol para o gramado e entrou para o panteão das "seleções imortais".

A burocrática e sonolenta Alemanha era reincidente. Em 1954, derrotou a "imbatível" seleção da Hungria por 3 a 2, sendo que o jogo foi disputado em Berna, na Suíça, sob a pressão fulminante da torcida alemã. No finzinho do jogo, o árbitro anulou um gol legítimo da Hungria que daria o empate em 3 a 3. Com o tento anulado (onde estava o Var, quando a gente mais precisava dele?), a Alemanha levou o título, vencendo por 3 a 2 e empobrecendo o futebol.

Em 2014, com a direita fascista e golpista mostrando as garras, "não vai ter Copa", o Brasil foi trucidado pela Alemanha por 7 a 1. A Seleção mereceu a humilhação. Era um time sem brilho, sem tática, sem disposição. O Brasil não "entrou" em campo e os alemães, com boa estratégia e um futebol quase vistoso, demoliram o time treinado por Luiz Felipe Scolari, vingando-se do Felipão, que lhes havia infligido derrota na Copa do Japão/Coreia do Sul, em 2002. 

Como a derrota brasileira era até esperada (mas não com tanta dedicação), os 7 a 1 foram implacáveis, mas sem deixar as sequelas do "maracanazzo" de 1950, quando a Seleção brasileira "imbatível" perdeu por 2 a 1, diante dos uruguaios. O Maracanã ficou em silêncio. Perplexo. Chocado. Incapaz de entender o que tinha acabado de ocorrer. Barbosa poderia ter impedido o gol de Gigghia, que veio carregando a bola pela direita, entrou na área, aproximou-se do gol brasileiro e atirou. A bola passou entre as mãos de Barbosa e a trave. Gol do Uruguai. 2 a 1. O Brasil morreu um pouco naquele 16 de julho de 1950. Foi escolhido um vilão - o goleiro Barbosa - e a maldição da derrota o perseguiu por toda a vida, até o final. De forma impiedosa. No país, sem pena capital, o pobre Barbosa foi condenado à morte pelo silêncio e censura. 

O time pentacampeão de 2002, por falar nisso, deixaria saudades. Um ataque formado por Rivaldo, Ronaldinho Gaúcho e Ronaldo Fenômeno poderia até perder, mas causaria baixas consideráveis no adversário. 

Apesar do pentacampeonato, se fosse disputada uma partida em algum espaço quântico, que pudesse reunir frente a frente a Seleção tricampeã de 1970 e a pentacampeão de 2002, eu apostaria todas as minhas fichas na Seleção de 1970.

O Brasil tetracampeão de 1994 era enfadonho e burocrático como a Alemanha de 1974. Time retrancado, sem brilho, com uma dupla isolada de atacantes (Romário e Bebeto). Foi o campeonato mais triste conquistado pelo Brasil.

A Seleção que foi ao Catar tinha até jogadores de prestígio. Neymar, Rodrygo (pronuncia-se Rodraigo), Vinícius Júnior, Richarlison tiveram boas atuações. Caiu na armadilha da retranca da Croácia, um dos times mais chatos que já se viu jogar desde a invenção do futebol. A tática croata é óbvia: jogar fechado, impedir as ações do adversário, levar a partida para a prorrogação e vencer nos pênaltis. Fizeram umas cinco vezes em mundiais. Ainda bem que perderam a final de 2018 para a França e a semifinal de 2022 para a Argentina.

Fazer Copa do Mundo no Catar? Sério?

O país é uma ditadura. Como todo regime ditatorial é intolerante. Persegue os Lgbtqia+. Oprime as mulheres. A torcida dos catares era só de homens. Excludente. Usam aquelas roupas medievais (brancas para os homens e pretas paras mulheres). Como pode a Fifa ter se permitido tamanha obscenidade? E o símbolo da Copa no Catar: uma mistura de Gasparzinho com aquele indiozinho da TV Tupi. Que tristeza.

Fecho os olhos e vejo as partidas chatas da Croácia, do Marrocos, jogos truncados, feios, sonolentos. 

De bom mesmo ficamos com a final. Só essa lembrança deve resistir ao tempo.    




 

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