Dilma foi absolvida das acusações por não ter causado dano ao erário |
Regina Duarte, uma apóstola da neodireita, nunca se casou, embora tenha vivido com cinco homens (não ao mesmo tempo) e tido filhos. Isso possibilitou que a "namoradinha do Brasil", solteira de fato, continuasse recebendo pensão do pai militar no valor de quase 7 mil reais. Não é ilegal, mas algumas pessoas poderiam dizer que é imoral, porque na prática ela estaria "casada", vivendo uniões estáveis.
O exemplo de Regina Duarte remete à velha discussão sobre o que é legal, mas também imoral. O impedimento de Dilma Roussef em 2016 foi absolutamente legal. O pedido de impeachment foi aceito pela Câmara (à época presidida por Eduardo Cunha). Foi analisado, votado e aprovado. Encaminhado ao Senado, que fez a votação sob a presidência de um ministro do Supremo Tribunal Federal. E Dilma foi impedida de continuar ocupando seu cargo.
Tudo legal. Não teve cabo, soldado e jipe dando golpe. A tramitação do processo de impeachment obedeceu toda uma cadeia de etapas todas elas legais. Quem lê os editoriais do "Estadão" tem a absoluta certeza que foi tudo certo, nos conformes da lei.
Só que todo esse processo foi imoral. Foi imoral, porque a então presidente Dilma não tinha cometido qualquer crime. Eleita com 54 milhões de votos, batendo seu adversário Aécio Neves, Dilma foi impedida de continuar na Presidência não por ter violado normas orçamentárias, mas por falta de sustentação política.
Quem afirma isso não sou eu. Longe disso. É o caríssimo ministro do STF, Luís Roberto Barroso.
Para a esquerda e para o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva houve um golpe de estado para derrubá-la. Lula fez esta afirmação durante visita recente ao Uruguai.
Do ponto de vista legal, não houve golpe, mas o instrumento jurídico foi usado de forma imoral, para afastar uma presidente eleita democraticamente pelo voto popular.
Se você quiser chamar essa manobra jurídica, política, pintada com cores legalistas de "golpe", não serei eu quem irá contestá-lo.
É legal os juízes e promotores receberem "auxílios". O juiz mora em determinada cidade e mesmo assim recebe "auxílio moradia". É legal, mas acredito que a maioria da população brasileira considera imoral. Assim como a gente ergue a sobrancelha ao ouvir falar em "auxílio paletó", "auxílio mudança", carro com chofer, férias de 60 dias, sabendo que um estudo da Rede Pessan, de dezembro de 2022, informou que 33 milhões de brasileiros não se alimentam adequadamente. Ou seja, passam fome.
O nepotismo é ilegal, mas - se fosse deputado - poderia nomear a esposa de um colega deputado, se ele também nomeasse a minha mulher. É um jogo de "ganha-ganha". Eu contrato; e o meu colega também. Não é ilegal, mas certamente é muito imoral.
Trair a namorada não é ilegal. Não tem qualquer lei que proíba traí-la, mas é imoral.
CEOs e presidentes de organizações ganham toneladas de dinheiro na forma de "bônus". Seus subordinados têm dificuldade de pagar o aluguel da casa, por causa dos baixos salários. Não é ilegal os executivos encherem a pança de grana, mas é imoral.
Com a saída de Dilma, o vice-presidente Michel Temer (chamado por Lula de "golpista") assumiu a Presidência e aprovou a lei 13.467/2017, que visava reformar as leis trabalhistas. Depois que a nova lei trabalhista fosse aprovada, haveria tantos empregos, mas tantos empregos em tão grande número, que talvez fosse preciso importar mão de obra dos países vizinhos.
Só que não foi isso que aconteceu. Fechamos 2022 com quase 10 milhões de desempregados (9,9 milhões para ser exato, segundo o IBGE). Na prática, a "nova lei trabalhista" acertou uma bala de prata no coração do sindicalismo ao tornar a contribuição sindical não obrigatória. A lei Temer mexeu em 200 pontos da antiga CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas). Foi um míssil ultrassônico russo sobre o poder dos sindicatos.
Depois de Temer, vieram quatro anos do mais aterrorizante pesadelo. Não foi Temer quem disse, mas poderia ter sido: "Depois de mim, o dilúvio".
Em tempo: Dilma foi absolvida pelo Tribunal Regional Federal no ano passado que não viu "dano ao erário", em razão da suposta "pedalada fiscal".