quinta-feira, 26 de janeiro de 2023

Saber da desgraça yanomami por visita oficial dá saudades de "Realidade"

Esta imagem reflete a realidade do abandono dos yanomami

Não tinha ideia da dimensão da tragédia. Foi só depois de uma visita oficial do atual presidente que tomei conhecimento da desgraça yanomami. Índios morrendo de fome. Esqueléticos, doentes, abandonados à própria sorte, circundados pelos criminosos do garimpo, 99 crianças mortas de subnutrição e doenças diversas no ano passado. 

Com o devido respeito às vitimas do holocausto, parecia que estava vendo aqueles documentários de soldados aliados, chegando em Auschwitz. Gente tão fraca, com tanta fome, que era incapaz de ficar em pé sozinha. Cenário de horror. 

Era adolescente quando comecei a ler "Realidade", uma revista mensal, publicada pela editora Abril de 1966 a 1976. Foi por causa de "Realidade" que decidi ser repórter. Esperava impaciente a chegada da revista nas bancas para comprar o exemplar e lê-la do início ao fim.

A revista trazia grandes reportagens, histórias sensacionais, abordava assuntos delicados e apostava todas as suas fichas no repórter que muitas vezes narrava os fatos, que tinha vivido, em primeira pessoa. As fotos eram excepcionais e formavam uma dupla imbatível com a narrativa. 

A matéria de maior impacto para mim foi a de José Hamilton Ribeiro, que perdeu parte da perna, com a explosão de uma granada, durante uma cobertura da guerra do Vietnã. Com o Ato Institucional Número 5, baixado em 13 de dezembro de 1968, pela Ditadura Militar, a censura quebrou as pernas da publicação. Toda a edição era obrigada a passar por censura prévia.

Passados quase 60 anos, ainda me recordo de reportagens marcantes: os caçadores de caranguejos, uma excursão frango com farofa na Praia Grande, o dia a dia de um trabalhador de fábrica. 

Estou falando da revista "Realidade", porque fiquei pensando em como decaiu a produção de reportagens especiais. Como pode o público saber da situação dos yanomami somente depois de uma visita oficial de um presidente? Como esse assunto não entrou antes em pauta? Por que as empresas jornalísticas importantes não enviaram repórteres a esse local, para trazer a informação do que ocorria com os indígenas? 

Temos exemplos mais recentes dessa falta de apetite jornalístico. O caso mais emblemático da política recente brasileira; a reportagem mais contundente e corrosiva publicada sobre os desvios da Lava Jato, mostrando que havia um juiz parcial em conluio com promotores para condenar, sem provas, o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, que concorria à Presidência em 2018; esta reportagem excepcional não foi produzida por um jornalista brasileiro. 

Seu autor é o americano Glenn Greenwald, ganhador do Prêmio Pulitzer. Greenwald baseou-se nas informações obtidas por um hacker, que interceptou conversas telefônicas entre os promotores e o juiz da Lava Jato. As conversas mostravam que o juiz orientava, instruía, direcionava a ação dos promotores, visando a condenação de Lula. A série de reportagens publicadas por Greenwald foi apelidada de Vaza Jato, numa brincadeira semântica com a Lava Jato.

Não é apenas a mídia impressa que atravessa fase de restrições, com limitações de viagens e cobertura localizada. A mídia eletrônica vai pelo mesmo caminho. Narradores e comentaristas de futebol passaram a fazer seu trabalho diretamente do estúdio de TV, acompanhando as partidas por um telão. Nem sempre foi assim. Em 2002, o jornalista Tim Lopes foi assassinado por traficantes. Produtor emérito, Tim Lopes trouxe imagens escandalosas de traficantes fazendo uma "feirinha" das drogas na entrada de uma favela. Foi capturado pelos criminosos ao realizar reportagem sobre exploração sexual na Vila Cruzeiro, no Rio de Janeiro.

Como faz falta o grande texto. A matéria de impacto. A foto extraordinária. Saudades da "Realidade".     

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Humorista Leo Lins é censurado pela Justiça Federal

  Leonardo de Lima Borges Lins, o humorista condenado O início é óbvio: Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, que trata...