sábado, 31 de agosto de 2019
"Bacurau" é um Tarantino genérico e piorado
Chegou Bacurau! Toquem as trombetas. Estreou o novo filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Podem desligar as trombetas. Bacurau é um exemplar genérico tarantinesco e bem piorado.
A grande metáfora do filme: nós, os povos miseráveis do Nordeste, precisamos nos unir contra os malfeitores imperialistas. Nesse rol da bandidagem incluem-se os norte-americanos, propriamente ditos, e nós, os moradores aqui do Sudeste brasileiro.
Bacurau tem buracos de roteiro, que são incompreensíveis para um filme premiado em festival internacional. Começa o filme. Chega a um povoado miserável, feio e seco, uma assistente social com uma mala cheia de vacinas e remédios. A gente imagina que essa assistente social terá algum papel preponderante no cenário. Nada disso. A mulher se evapora. Ficamos na expectativa que ela vá fazer algo útil ou surpreendente. Mas não. Os roteiristas simplesmente se esqueceram dela ao longo da história.
O pior é o personagem do prefeito. Ele é odiado pela população. As pessoas se escondem dele, quando o político pisa no lugarejo. Só que, eu, humilde espectador, gostaria de saber por quê. O que ele fez de tão grave para os moradores o detestarem tanto? Será que o crime dele é ser político? Então, todo político precisa ser defenestrado? É esse o recado? Vai saber.
De repente, você acha que já viu esse filme em algum lugar. E viu mesmo. Vai na mesma toada de Jogos Vorazes. Não me venha falar em spoiler. Arrume uma palavra em português, antes de me encher o saco.
Os heróis do filme são os bandidos. Tem um tipo, chamado Lunga, com visual andrógino, unhas pintadas de preto e a calça presa acima do umbigo. Ele é procurado pela Justiça. Deve ser a patrulha da moda que anda atrás dele. Outro criminoso, o Pacote, matou várias pessoas, de maneira covarde, assassinando-as a sangue frio. Os vídeos das execuções dele são reproduzidas em um misto de trio elétrico e carro alegórico para a população local, que assiste à noite, sem ter coisa melhor para fazer naquele fim de mundo. O roteiro dá a Pacote um protagonismo importante. Ele é um executor covarde, mas vai liderar a resistência aos imperialistas. É um assassino com espírito de liderança campesina. Assim, lá vamos nós idolatrar, mais uma vez, o cangaço, Lampião, Maria Bonita e seus derivados.
Aparecem dois representantes do Sul maravilha. No caso, Sudeste maravilha. É um casal. Eles querem ser iguais aos americanos psicopatas. Esses dois são assassinos frios, mas com ligeiro atraso mental. Não conseguem pressentir que estão correndo risco de vida, tratando com malucos armados para uma guerra particular. Os malucos xingam os representantes do Sudeste, dizendo que eles são "latinos", não são brancos como os verdadeiros norte-americanos.
Ah, sim. O filme tem Sonia Braga. Ela é aquela maluquete, bêbada, suja, irreconhecível com o cabelo sem cor definida e sem qualquer participação no desenrolar da história. Se a personagem dela - chamada Domingas - não existisse, não faria a menor falta. Por que Sonia Braga está em Bacurau? O que ela foi fazer ali, meu deus? Eu que vi Sonia Braga nua, em Hair, bem ali na minha frente no teatro Bela Vista, com o então jovem e talentoso Ney Matogrosso, senti vontade de chorar em vê-la tão deplorável, tão sem razão de ser.
Cuidado quando você for assistir a Bacurau. Tem sangue pra tudo quanto é lado. Leve uma roupa reserva, senão você vai sair com a camisa manchada da sala de exibição. E cuidado com as balas. Voam balas também pra tudo quanto é lugar. É bom se apresentar com colete a prova de balas. Tem personagem com cabeça arrancada. Tem criança assassinada. É um pesadelo, manchado de vermelho.
Se a proposta da produção fosse fazer um libelo contra as armas, o armamentismo, então, deu errado. A ameaça não é derrotada pela inteligência ou argumentação. Quem destrói a ameaça, que paira sobre a cidade, são as armas.
O diretor e roteirista Kleber Mendonça tem dois longas excepcionais em seu currículo: O som ao redor e Aquarius. Não sei que história ele quis contar com esse Bacurau, mas não chegou lá. A gente não sente empatia pelos miseráveis. Não consegue entender os norte-americanos malucos. Kleber Mendonça deveria voltar a fazer filmes brasileiros. Imitar Hollywood não é a praia dele. Aliás, filme brasileiro made in Hollywood nem sempre dá certo. Padilha acertou na mosca com Tropa de Elite, que não é um filme brasileiro, mas hollywoodiano. Enfim, são 131 minutos da mais pura e completa exaustão.
Na sala de exibição, onde assisti Bacurau, estava sendo exibida, na sala vizinha, o novo filme de Tarantino. A versão genérica parece a verdadeira, mas não realiza o efeito prometido. Prefira o Tarantino original. E tenho dito.
terça-feira, 27 de agosto de 2019
A soberania da destruição
Há cerca de uma semana, vivi uma situação aterradora. Eram 15h e o dia virou noite, resultado do acúmulo de nuvens escuras e da fumaça das queimadas, que vinham dos longínquos estados do Norte e Noroeste. Os dias seguintes foram atribulados. Descobriu-se que a Amazônia legal estava em chamas.
Virou cabo de guerra entre apoiadores do presidente "de extrema direita" (como afirmam os jornais franceses) Jair Bolsonaro e seus opositores. Os bolsonaristas gritavam nas redes sociais que "na época do Lula" os incêndios eram muito maiores. E os opositores acusavam Bolsonaro de provocar o desastre ecológico de proporções continentais.
Por que Bolsonaro seria culpado, tornando-se o Nero brasileiro? Ele demitiu um cientista do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), porque os dados de desmatamento eram desagradáveis. Cortou (ou "contingenciou", como ele gosta de dizer) verbas para manter a fiscalização ativa. Atacou o Ibama, os povos indígenas, os quilombolas. Cancelou uma reunião com ministro francês, para cortar cabelo.
A retórica bolsonarista é feroz, agressiva, rancorosa. Sua aversão ao Ibama vem desde a época em que foi multado, em janeiro de 2012, por pescar em área protegida. Três meses após sua posse, Bolsonaro exonerou o fiscal do cargo de chefia. Vingança?
A desgraça amazônica venceu fronteiras. O presidente francês, Emmanuel Macron, acusou Bolsonaro de mentir ao dizer que iria proteger a floresta e, na prática, colaborar com o desastre, por sua omissão em relação às queimadas.
Bolsonaro não gostou e criou um entrevero diplomático com seu homólogo francês. Um imbecil bolsonarista fez um comentário jocoso na rede social sobre a mulher de Macron (que é mais velha que o presidente), comparando-a com a mulher de Bolsonaro, mais jovem e, supostamente, mais desejável. Bolsonaro divertiu-se e comentou: "Não humilha, cara, kkk".
O exército de robôs bolsonaristas dizia que os incêndios eram esparsos. Era tudo exagero dos petistas, dos comunistas, do inimigo vermelho. O fogo não era tão grave assim.
A Nasa (Administração Nacional e Espacial Norte-Americana) apareceu na história, publicando fotos do satélite Modis, que mostrava um cenário de horror, com as queimadas preponderando, junto às rodovias BR 163 e BR 230. As queimadas, segundo a agência espacial, eram as maiores registadas desde 2010.
Reportagem do Fantástico, aquele programa imorrível de domingo na TV Globo, foi até a Amazônia e relatou o que a gente já imaginava: grupos de criminosos tinha ateado fogo na floresta. A matéria mostrava caminhões carregados de madeira circulando, clandestinamente, à noite. A Amazônia, terra de ninguém, queimava. Era saqueada, destruída e não tinha uma única autoridade capaz de fazer valer a lei. Os bandidos construíam até pontes "piratas" para escoar o material roubado - a preciosa madeira arrancada da floresta.
Primeiro, a Alemanha, depois o G7, grupo dos países ricos, ofereceram ajuda, mas Bolsonaro disse que não aceitava o dinheiro. Só toparia receber a grana do G7, se "Macron pedisse desculpas". Sobre o dinheiro da Alemanha, Bolsonaro mandou os alemães usar o dinheiro para reflorestar o país deles.
O foco, neste momento que escrevo, mudou. O discurso bolsonarista insiste na tecla da "soberania". O Brasil é soberano. A Amazônia é nossa e vamos botar fogo nela, enquanto tiver árvore em pé. Ninguém tem nada a ver com isso. Os países ricos, os europeus, não têm que meter o nariz onde não deve.
Quando era jovem, eu tinha um amigo hindu, que achava melhor o Brasil ceder o controle da Amazônia à Europa, porque só assim seria possível salvar a floresta. "Brasileiro não gosta de preservação", ele me dizia.
Ao longo da minha vida, passei poucas e boas, lutando pela preservação. Lembro da briga pela Casa Modernista, de Gregori Warchavchik, em 1982/84. Éramos meia dúzia de voluntaristas, protestando diante do imóvel, que fica na rua Santa Cruz, Vila Mariana. Uma construtora iria derrubar toda a área e construir torres de edifícios no local. Iniciamos o movimento, sofrendo ataques diários do jornalista José Paulo de Andrade, da Rádio Bandeirantes (até hoje, por sinal, ele é contra a preservação da casa). Nós nos reuníamos no salão paroquial da Igreja da Saúde. Juntamos forças. Chegaram mais integrantes. Começamos a fazer manifestações. A construtora entrou com processo contra mim. Fizemos reunião com o então prefeito Mario Covas que me avisou: "Se eu preservar a área, você não venha amanhã me pedir para manter o local. Não tenho dinheiro pra isso". Enfim, depois de muitas reuniões, idas e vindas, de bater em dezenas de portas de autoridades, conseguimos preservar a área, impedindo a construção de mais edifícios, como se São Paulo já não estivesse saturada de tanto prédio. Hoje, a Casa Modernista é um parque e pode ser visitado por quem estiver passeando pelo bairro. Caso raro. Quase inacreditável.
Quando fui morar na Granja Viana, em busca de verde e tranquilidade, vi tanta árvore ser derrubada, ouvi tanto barulho de motosserra, que fiquei anestesiado. Entendi que o brasileiro é assim. Está pouco se lixando para a preservação. Ele quer construir. Matar o verde. Como o meu amigo hindu dizia, brasileiro, realmente, não gosta de natureza.
Onde moro, vivi episódios estressantes, ligados à destruição. Lembro de um sujeito que invadiu um terreno e derrubou todas as árvores. Todas. Não deixou nenhuma em pé. Chamei a Polícia Ambiental. Veio uma viatura. Ficamos ali parados, diante dos dois policiais. O agente perguntou se eles tinham autorização para a derrubada das árvores. "Tenho", o construtor falou. Mostrou um documento que autorizava derrubar três árvores e não as quinze ou vinte que ele havia eliminado do terreno. "Quem cortou as outras árvores?", perguntou o policial. "Não sei", disse o construtor. "Só cortei as três que estavam permitidas". Os policiais devolveram a autorização e foram embora. Saí correndo atrás de um promotor do Meio Ambiente. Nenhuma providência foi tomada. Descobriu-se depois que o terreno em questão havia sido ocupado irregularmente, comprado com documento falso. Um pesadelo!
Então, é só uma questão de tempo. Todas as árvores da Amazônia serão derrubadas, queimadas, saqueadas. Essa é a nossa noção de soberania. Somos soberanos em destruir, queimar, transformar dias em noites.
Durante a construção do condomínio Alphaville da Granja Viana, as motosserras trabalharam dia e noite. A gente ouvia o ruído maldito do motor. É um ganido, um silvo arrepiante, afiado, mortal. Depois, vem o som do tombo, da árvore despencando e se despedaçando no chão.
Nessa época, chegando do trabalho à noite, fui entrar em casa e um animal silvestre, um saruê, cruzou a frente do carro. Ele parecia cansado, andava muito devagar, trôpego. Freei. Ele ficou olhando para mim. Esse saruê era alguém sofrido, desalentado, que havia sido expulso de sua moradia e não tinha mais onde ir. Estava perdido e sem esperança. Assim como eu me sinto hoje, uma semana depois do dia ter se transformado em noite.
terça-feira, 20 de agosto de 2019
A metáfora do dia que virou noite
Eram 15h de segunda-feira, 19 de agosto. Estava na estrada, retornando para São Paulo. Assim, do nada, ficou tudo escuro. Noite fechada. Breu. Liguei o rádio e os apresentadores também se referiam ao fenômeno. Buscavam explicações. Era algo inédito que estava ocorrendo. Inédito e assustador. Parecia o fim dos tempos, como a gente imagina que um dia será o fim da nossa espécie, do planeta, da vida como a conhecemos.
Meteorologistas eram chamados e explicavam que a escuridão era proveniente de dois fatores conjugados: queimadas e uma formação substantiva de nuvens do tipo cumolonimbus, que é aquela nuvem preta, pesada.
Chegando em casa, um pouco mais tarde, entendi que essa história de "o sertão vai virar mar" e o dia que virou noite é uma metáfora da nossa tragédia particular.
Leio agora reportagem que "explica" a noite escura, que desceu ontem sobre São Paulo. Era uma espécie de "corredor aéreo" que trazia a fumaça das queimadas em direção à capital. "Ocorre todos os anos", tranquilizava o título.
Se ocorre todos os anos, então, está na hora de parar de ocorrer. Até quando o brasileiro vai botar fogo na floresta? Provavelmente, nunca, porque a estupidez parece ter emigrado e se estabelecido no Brasil.
Programa de TV alemão Extra 3, do canal ARD, tira sarro do Brasil. Relembra episódios recentes de insustentabilidade: liberação de agrotóxicos; demissão de cientista que comandava o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais); indicação de ministra da Agricultura, Maria Tereza, lobista do agronegócio, apelidada de "musa do veneno"; o presidente Bolsonaro é chamado de "Trump do Samba" e "idiota de Ipanema". A transmissão mostra imagens de árvores nativas sendo derrubadas para plantação de soja e criação de gado.
Neste fim de semana, o Twitter - espécie de rede oficial da guerra digital - trouxe um bate-boca virtual entre o jornalista Gilberto Dimenstein e a líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann. Joice era jornalista e foi acusada, em 2015, de plagiar textos de colegas. Ao todo, 23 jornalistas disseram que ela plagiou seus textos.
Irritada com as críticas constantes de Dimenstein, em seu site Catraca Livre, ao governo Bolsonaro, Joice tachou o jornalista de "comunista". Dimenstein pediu provas.
Como a deputada não apresentou qualquer evidência de que Dimenstein seria comuna, ele escreveu um texto, dizendo que, por exemplo, se afirmasse que a deputada seria maconheira, teria de provar. Não bastaria apenas afirmar que ela usava maconha. Era necessário apresentar provas.
Joice Hasselmann não deve ter lido o texto - ou quem sabe não compreendeu o que estava escrito - e atacou o responsável pelo Catraca Livre, chamando-de de "velho" e "verme nojento". A política bolsonarista disse que vai processá-lo e doar o dinheiro da futura indenização para entidades que combatem fake news.
Se levada para os tribunais, será uma briga boa. Joice Hasselmann terá de provar que Dimenstein é comunista, mostrando artigos que ele escreveu ou obtendo uma suposta carteira de filiação dele ao Partido Comunista. Não vai conseguir, porque, quem leu, por vários anos, os artigos de Dimenstein na Folha, quem o ouvia na rádio CBN, sabe que ele nunca foi adepto de regimes absolutistas. Nem fez a apologia de regimes comunistas.
Já Dimenstein não precisará provar que Joice Hasselmann é maconheira, porque, sinceramente, não foi isso que ele escreveu. Quem domina, mais ou menos a arte da leitura, consegue entender o que ele quis representar, com o artigo "E se eu dissesse que Joice Hasselmann é maconheira?".
Essa prática de chamar os opositores do governo Bolsonaro de "comunistas" precisa acabar. Dimenstein agiu corretamente, exigindo provas. É um exemplo que deve ser seguido.
É bom que se diga que não é contra a lei ser comunista. O estado do Maranhão tem um governador, Flávio Dino, do PC do B (Partido Comunista do Brasil). Dino, aliás, foi escolhido "o melhor governador do Brasil". Só que ser contra o governo Bolsonaro não implica necessariamente em ser comunista.
E ontem à noite, às 22h, o programa Roda Viva entrevistou o deputado federal Alexandre Frota, neotucano, expulso recentemente do PSL, o partido do governo Bolsonaro.
Tratado pelo programa com o respeito que se dá a um grande estadista, Frota disse que é "normal" produzir notícias falsas (fake news), durante a campanha eleitoral. "Faz parte do jogo", afirmou o deputado, condenado em vários processos movidos, entre outros, por Chico Buarque, Jean Wyllys e até um juiz.
Como assim? É "normal" mentir? Adulterar informações? Publicar notícias falsas com objetivo de eleger determinado candidato? É igual às queimadas, "que ocorrem sempre"?
Se houve utilização de fake news, para eleger Bolsonaro, o pleito deveria ser cancelado e outra eleição, convocada. Não foi uma eleição justa. Os eleitores foram enganados. Assim não vale. Não é "normal", nem "faz parte do jogo".
A Netflix exibe em seu catálogo de documentários Privacidade Hackeada, que trata do escândalo da Cambridge Analytica, empresa especializada em produzir fake news e eleger determinados candidatos.
A Cambridge Analytica estava por trás da eleição de Trump e também do plebiscito sobre o Brexit na Inglaterra, só para citar duas participações marcantes. Usou 50 milhões de perfis, repassados pelo Facebook.
A jornalista do The Observer, Carole Cadwalladr, é uma das personagens do documentário e diz exatamente isso: eleição na base do fake news é fajuta. O povo foi enganado. Não deveria valer.
Hoje, dia 20, faz 500 dias que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preso. É um aniversário do desmando jurídico. Publicações do site The Intercept mostraram que não havia provas contra Lula de que ele teria recebido o tríplex no Guarujá (SP) como forma de pagamento de propina. Apartamento, aliás, que nunca foi dele e onde ele nunca morou.
As conversas entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato - principalmente Deltan Dallagnol -, vazadas pela Vaza Jato, revelam que havia uma ação política para neutralizar Lula e impedi-lo de participar da eleição de 2018. Lula liderava as pesquisas de intenção de voto, apesar de toda a gritaria da mídia na época, reverberando as acusações da Lava Jato.
O filme Blade Runner se passa em novembro de 2019. Chove muito. O sol não consegue passar pela camada de nuvens escuras. Lançado, em 1985, era uma distopia futurista úmida e fria.
segunda-feira, 5 de agosto de 2019
A coragem de Glenn Greenwald
Autor de livros, jornalista em tempo integral, premiado, inteligente, rápido no gatilho intelectual, Glenn Greenwald, 52 anos, é admirado, principalmente, pela sua coragem.
Casado com o deputado David Miranda, "homossexual assumido" portanto, como se diz no cabeleireiro, Greenwald é um combo de atração do ódio de bolsonaristas e afins.
A série de furos jornalísticos que ele conseguiu com as gravações de promotores da Lava Jato, em conversas íntimas com o então juiz Sergio Moro, expôs ao mundo aquilo que todo brasileiro, ligeiramente informado, já imaginava. Moro não era um juiz imparcial. Ao contrário. Longe disso. Far away.
Moro parecia liderar a operação Lava Jato, ajudando na coleta de provas, orientando investigações, julgando e condenando, mesmo sem as provas necessárias. Como foi o caso do ex-presidente Lula, que está preso por causa de um apartamento no Guarujá, onde ele nunca morou, nem nunca foi dele.
A Lava Jato foi a maior operação do Judiciário brasileiro contra a corrupção. Inegável. O problema é que - como a Vaza Jato de Greenwald mostrou - nem sempre seus protagonistas agiram dentro da lei.
As mensagens secretas entre Moro e o coordenador da Lava Jato, Deltan Dallagnol, indicam que o Judiciário foi usado para fins políticos. O principal deles: impedir a eleição de Lula, que liderava todas as pesquisas de intenção de voto. Havia ali uma colaboração malcheirosa entre promotores e o juiz.
Na trama para impedir a eleição de Lula, os procuradores, colegas de Deltan, reclamavam dos desvios éticos de Sergio Moro. Havia ainda uma cortina de fumaça (para usar uma expressão nova) que levava os ingênuos a acreditar que a Lava Jato também investigava o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.
Enquanto Moro virava Superhomem, Deltan Dallagnol aproveitava a fama para faturar os tubos com palestras. Em uma dessas palestras, Dallagnol recebeu R$ 33 mil da companhia de tecnologia Neoway. O problema: a Neoway era investigada pela Lava Jato, citada numa delação de Cândido Vaccarezza.
As conversas revelam a preocupação da Lava Jato, com os enroscos legais de um dos filhos do presidente, Flávio Bolsonaro. O ex-assessor de Flávio, Fabrício Queiroz, fez movimentações financeiras suspeitas. Iniciadas as investigações, Queiroz desapareceu e nunca mais foi encontrado.
Seria uma boa se algum jornalista mais atrevido localizasse Queiroz e revelasse o paradeiro dele. Até a deputada Janaína Paschoal gostaria de saber onde foi parar o Queiroz.
Quando ficou sabendo da confusão em que Flávio Bolsonaro estava metido, Moro preferiu nada fazer. Temia, provavelmente, perder o cargo de ministro. Em 21 de julho, o The Intercept publicou outra bomba:
"No dia 8 de dezembro de 2018, Dallagnol postou num grupo de chat no Telegram, chamado Filhos do Januario 3, composto de procuradores da Lava Jato, o link para um reportagem no Uol sobre um depósito de R$ 24 mil feito por Queiroz numa conta em nome da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
"Segundo o texto, a “transação foi apontada como 'atípica' pelo Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) e anexado a uma investigação do Ministério Público Federal, na Lava Jato”. 'Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. A comunicação do Coaf não comprova irregularidades, mas indica que os valores movimentados são incompatíveis com o patrimônio e atividade econômica do ex-assessor'”.
O promotor Roberto Pozzobon avaliou: "1) é algo que precisa ser investigado; 2) tem toda a cara de esquema de devolução de parte dos salários como o da Aline Correa que denunciamos ou, pior até, de fantasmas". Aline Correa era deputada pelo PP de Pernambuco, filha do também deputado Pedro Correa, condenado no Mensalão. Aline foi alvo de processo criminal da Lava Jato.
Moro ficou quietinho. A Lava Jato preferiu continuar batendo em Lula e cia. do que enveredar por essa seara de espinhos e maus odores. Queiroz, por falar nele, ainda não deu as caras. Se você, leitor, souber onde ele se encontra, por favor, dê um toque para a gente.
A Vaza Jato de Greenwald teve o mérito de tirar a virgindade ética de Moro e dos promotores da Lava Jato. Não havia ali, necessariamente, busca pela verdade, nem apenas luta contra a corrupção. O alvo era, nitidamente, político. Destruir Lula e o PT. Foram bem-sucedidos.
Não se pode esquecer que as investigações da Lava Jato tiveram o mérito de mostrar um amplo e encardido esquema de corrupção, envolvendo políticos, empreiteiras, funcionários da Petrobras e operadores financeiros. Foram bloqueados 2 bilhões e 400 mil reais e repatriados 745 milhões de reais. Condenadas 159 pessoas.
O PT, como mostra o documentário Democracia em vertigem, precisou se aliar às velhas oligarquias, adotar os mesmos procedimentos, para chegar - e se manter - no poder.
A compra de deputados pelo Mensalão, o escândalo do Petrolão para corromper políticos de vários partidos (PT, PMDB, PP), trouxeram vergonha para aqueles simpatizantes que, nos anos 80, ostentavam com orgulho o broche da estrelinha vermelha.
O PT não inventou a corrupção, mas mergulhou nela. Esmerdeou sua bandeira. Destruiu um dos mais importantes projetos de igualdade econômica, que presenciamos no Brasil, ao permitir que seu flanco fosse aberto para penetração da direita raivosa.
Chegou agora o governo ultraliberal de Jair Bolsonaro para aniquilar direitos adquiridos, destruir sonhos acadêmicos, cortando verbas das universidades federais e bolsas de estudo. O País está paralisado. Imóvel. Afundando, como um elefante doente no lamaçal.
Felizmente, podemos contar com jornalistas do porte de Glenn Greenwald, esse norte-americano, que parece um personagem de Grahan Greene, só que às avessas. Greenwald é um americano intranquilo. Alerta. Pronto a implodir as casamatas da direita beligerante, com seu corajoso site The Intercept.
Se fôssemos contar apenas com a mídia tradicional, muito provavelmente as conversas hackeadas da turma de Moro/Lava Jato jamais chegariam ao nosso conhecimento. Como mostram as pesquisas, o povo brasileiro nunca desconfiou tanto da mídia tradicional como agora. E tem toda razão.
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