Eram 15h de segunda-feira, 19 de agosto. Estava na estrada, retornando para São Paulo. Assim, do nada, ficou tudo escuro. Noite fechada. Breu. Liguei o rádio e os apresentadores também se referiam ao fenômeno. Buscavam explicações. Era algo inédito que estava ocorrendo. Inédito e assustador. Parecia o fim dos tempos, como a gente imagina que um dia será o fim da nossa espécie, do planeta, da vida como a conhecemos.
Meteorologistas eram chamados e explicavam que a escuridão era proveniente de dois fatores conjugados: queimadas e uma formação substantiva de nuvens do tipo cumolonimbus, que é aquela nuvem preta, pesada.
Chegando em casa, um pouco mais tarde, entendi que essa história de "o sertão vai virar mar" e o dia que virou noite é uma metáfora da nossa tragédia particular.
Leio agora reportagem que "explica" a noite escura, que desceu ontem sobre São Paulo. Era uma espécie de "corredor aéreo" que trazia a fumaça das queimadas em direção à capital. "Ocorre todos os anos", tranquilizava o título.
Se ocorre todos os anos, então, está na hora de parar de ocorrer. Até quando o brasileiro vai botar fogo na floresta? Provavelmente, nunca, porque a estupidez parece ter emigrado e se estabelecido no Brasil.
Programa de TV alemão Extra 3, do canal ARD, tira sarro do Brasil. Relembra episódios recentes de insustentabilidade: liberação de agrotóxicos; demissão de cientista que comandava o Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais); indicação de ministra da Agricultura, Maria Tereza, lobista do agronegócio, apelidada de "musa do veneno"; o presidente Bolsonaro é chamado de "Trump do Samba" e "idiota de Ipanema". A transmissão mostra imagens de árvores nativas sendo derrubadas para plantação de soja e criação de gado.
Neste fim de semana, o Twitter - espécie de rede oficial da guerra digital - trouxe um bate-boca virtual entre o jornalista Gilberto Dimenstein e a líder do governo na Câmara, Joice Hasselmann. Joice era jornalista e foi acusada, em 2015, de plagiar textos de colegas. Ao todo, 23 jornalistas disseram que ela plagiou seus textos.
Irritada com as críticas constantes de Dimenstein, em seu site Catraca Livre, ao governo Bolsonaro, Joice tachou o jornalista de "comunista". Dimenstein pediu provas.
Como a deputada não apresentou qualquer evidência de que Dimenstein seria comuna, ele escreveu um texto, dizendo que, por exemplo, se afirmasse que a deputada seria maconheira, teria de provar. Não bastaria apenas afirmar que ela usava maconha. Era necessário apresentar provas.
Joice Hasselmann não deve ter lido o texto - ou quem sabe não compreendeu o que estava escrito - e atacou o responsável pelo Catraca Livre, chamando-de de "velho" e "verme nojento". A política bolsonarista disse que vai processá-lo e doar o dinheiro da futura indenização para entidades que combatem fake news.
Se levada para os tribunais, será uma briga boa. Joice Hasselmann terá de provar que Dimenstein é comunista, mostrando artigos que ele escreveu ou obtendo uma suposta carteira de filiação dele ao Partido Comunista. Não vai conseguir, porque, quem leu, por vários anos, os artigos de Dimenstein na Folha, quem o ouvia na rádio CBN, sabe que ele nunca foi adepto de regimes absolutistas. Nem fez a apologia de regimes comunistas.
Já Dimenstein não precisará provar que Joice Hasselmann é maconheira, porque, sinceramente, não foi isso que ele escreveu. Quem domina, mais ou menos a arte da leitura, consegue entender o que ele quis representar, com o artigo "E se eu dissesse que Joice Hasselmann é maconheira?".
Essa prática de chamar os opositores do governo Bolsonaro de "comunistas" precisa acabar. Dimenstein agiu corretamente, exigindo provas. É um exemplo que deve ser seguido.
É bom que se diga que não é contra a lei ser comunista. O estado do Maranhão tem um governador, Flávio Dino, do PC do B (Partido Comunista do Brasil). Dino, aliás, foi escolhido "o melhor governador do Brasil". Só que ser contra o governo Bolsonaro não implica necessariamente em ser comunista.
E ontem à noite, às 22h, o programa Roda Viva entrevistou o deputado federal Alexandre Frota, neotucano, expulso recentemente do PSL, o partido do governo Bolsonaro.
Tratado pelo programa com o respeito que se dá a um grande estadista, Frota disse que é "normal" produzir notícias falsas (fake news), durante a campanha eleitoral. "Faz parte do jogo", afirmou o deputado, condenado em vários processos movidos, entre outros, por Chico Buarque, Jean Wyllys e até um juiz.
Como assim? É "normal" mentir? Adulterar informações? Publicar notícias falsas com objetivo de eleger determinado candidato? É igual às queimadas, "que ocorrem sempre"?
Se houve utilização de fake news, para eleger Bolsonaro, o pleito deveria ser cancelado e outra eleição, convocada. Não foi uma eleição justa. Os eleitores foram enganados. Assim não vale. Não é "normal", nem "faz parte do jogo".
A Netflix exibe em seu catálogo de documentários Privacidade Hackeada, que trata do escândalo da Cambridge Analytica, empresa especializada em produzir fake news e eleger determinados candidatos.
A Cambridge Analytica estava por trás da eleição de Trump e também do plebiscito sobre o Brexit na Inglaterra, só para citar duas participações marcantes. Usou 50 milhões de perfis, repassados pelo Facebook.
A jornalista do The Observer, Carole Cadwalladr, é uma das personagens do documentário e diz exatamente isso: eleição na base do fake news é fajuta. O povo foi enganado. Não deveria valer.
Hoje, dia 20, faz 500 dias que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva está preso. É um aniversário do desmando jurídico. Publicações do site The Intercept mostraram que não havia provas contra Lula de que ele teria recebido o tríplex no Guarujá (SP) como forma de pagamento de propina. Apartamento, aliás, que nunca foi dele e onde ele nunca morou.
As conversas entre o então juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato - principalmente Deltan Dallagnol -, vazadas pela Vaza Jato, revelam que havia uma ação política para neutralizar Lula e impedi-lo de participar da eleição de 2018. Lula liderava as pesquisas de intenção de voto, apesar de toda a gritaria da mídia na época, reverberando as acusações da Lava Jato.
O filme Blade Runner se passa em novembro de 2019. Chove muito. O sol não consegue passar pela camada de nuvens escuras. Lançado, em 1985, era uma distopia futurista úmida e fria.
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