sábado, 30 de novembro de 2024

Pendências brasileiras

 


O Brasil tem essa particularidade: demora para resolver seus

 problemas. Em geral, não resolve. Deixa para depois. Procrastina.

 Empurra com a barriga. Joga a sujeira para debaixo do tapete.


O Jogo do Bicho é uma contravenção. Bicheiros são milionários.

 Vivem luxuosamente e, nas horas vagas, patrocinam escolas de

 samba. A juíza Denise Frossard até que tentou acabar com essa

 malandragem. Em 1993, ela condenou 14 principais chefões do Jogo

 do Bicho. Depois, veio o silêncio. O Jogo do Bicho continua em

 plena atividade. A gente pode jogar até pela internet. É normal um país coabitar com esse tipo de  escroqueria? No Brasil, é normal. A gente convive bem com a irregularidade, com a falta de educação, com a fartura dos privilegiados, com a incompetência do poder público, com a sujeira na rua, com o som alto. É normal.


No dia 25 de janeiro de 2019, a barragem de Córrego do Feijão, no

 vale do Paraopeba (Minas Gerais), rompeu e matou 270 pessoas

 (inclusive duas grávidas e dois bebês), soterradas pela lama, rejeitos,

 pedras e restos das construções. Os rios foram poluídos por causa da

 lama tóxica. Até hoje, ninguém da empresa Vale foi preso.

No dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, da empresa

 Samarco, no município de Mariana (MG), rompeu e matou 19

 pessoas. Ninguém foi preso.

Em 8 de janeiro de 2019, um incêndio no Ninho do Urubu, matou 10

 jogadores da base do Flamengo. Até hoje, ninguém foi punido.

Em relação aos políticos, a sociedade brasileira tem um caso

 exemplar: o ex-presidente Fernando Collor de Mello. Condenado a

 oitos anos e dez meses de cadeia por corrupção passiva e lavagem

 de dinheiro, sua possível prisão paira no ar como uma borboleta

 colorida no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal). Tudo ia na

 direção de botar Collor em um camburão, mas – e sempre tem um

 “mas”, como dizia Plínio Marcos – o honorável ministro André

 Mendonça pediu para o julgamento sair do plenário virtual e seguir

 seu curso interminável no plenário físico. Em outras palavras, vai

 tudo começar do zero.

O STF, por sinal, na semana passada, decidiu manter símbolos 

religiosos em prédios públicos, o que é um retrocesso impensável em 

um país que separou seu governo da igreja. Foi no dia 7 de janeiro

 de 1890 que o Brasil oficialmente separou-se da igreja, graças a um 

decreto de Rui Barbosa. A partir desse dia, registros de casamento, 

nascimento e óbitos passaram a ser de responsabilidade do estado. E 

agora, 134 anos depois, o STF mantém símbolos religiosos em

 prédios públicos. É o famoso não ata e nem desata. O governo está

 separado da igreja, desde 1890, mas nem tanto assim.


Quem circula por São Paulo de carro ou a pé convive com um

 inimigo quase invisível. Esse inimigo é um centauro. Ele circula em

 velocidade incalculável, por ser imperceptível aos radares. Os

 centauros de São Paulo (imitados em outras cidades) têm seu próprio

 código de trânsito. Esse código chama-se desobediência civil. Os

 centauros podem tudo: subir nas calçadas, passar nos sinais

 vermelhos, andar na contramão, não sinalizar mudanças de faixa,

 buzinar de forma repetida e colérica... Todos os dias morrem um,

 dois ou três centauros em São Paulo. Todos os dias um, dois ou mais

 centauros vão parar no hospital com fraturas e contusões

 gravíssimas. O primeiro semestre de 2024 fechou com 521 óbitos.

 Nenhuma medida viária até agora conseguiu reduzir o número de

 mortos e feridos. Nada se faz e vamos deixar os centauros se

 extinguirem por conta própria.

O aborto é liberado no Brasil, para quem tem dinheiro e pode pagar

 uma clínica exclusiva. Quem não tem dinheiro vai atrás de algum ou

 alguma curiosa que fará bobagem e a paciente terminará sua jornada

 no SUS, quem sabe viva, talvez morta. O aborto é proibido no Brasil,

 porque a religião e os religiosos não permitem. Mas, quem tem

 dinheiro, aborta.

O Brasil tem 12 mil favelas, onde vivem 16 milhões de pessoas.

 Somente em Paraisópolis, em São Paulo, vivem quase 60 mil

 pessoas. Dez por cento da população de Dublin (Irlanda). 

Em São Paulo há 590 mil imóveis abandonados. Repetindo: 590 mil

 imóveis abandonados, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de

 Geografia e Estatística). Isso – sempre de acordo com o IBGE –

 permitiria que toda a população de rua de São Paulo multiplicada

 por 20 encontraria abrigo nesses imóveis, que ninguém usa e –

 parece – que ninguém quer.


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