O Brasil tem essa particularidade: demora para resolver seus
problemas. Em geral, não resolve. Deixa para depois. Procrastina.
Empurra com a barriga. Joga a sujeira para debaixo do tapete.
O Jogo do Bicho é uma contravenção. Bicheiros são milionários.
Vivem luxuosamente e, nas horas vagas, patrocinam escolas de
samba. A juíza Denise Frossard até que tentou acabar com essa
malandragem. Em 1993, ela condenou 14 principais chefões do Jogo
do Bicho. Depois, veio o silêncio. O Jogo do Bicho continua em
plena atividade. A gente pode jogar até pela internet. É normal um país coabitar com esse tipo de escroqueria? No Brasil, é normal. A gente convive bem com a irregularidade, com a falta de educação, com a fartura dos privilegiados, com a incompetência do poder público, com a sujeira na rua, com o som alto. É normal.
No dia 25 de janeiro de 2019, a barragem de Córrego
do Feijão, no
vale do Paraopeba (Minas Gerais), rompeu e matou 270 pessoas
(inclusive duas grávidas e dois bebês), soterradas pela lama, rejeitos,
pedras e restos das construções. Os rios foram poluídos por causa da
lama tóxica. Até
hoje, ninguém da empresa Vale foi preso.
No dia 5 de novembro de 2015, a barragem de Fundão, da empresa
Samarco, no município de Mariana (MG), rompeu e matou 19
pessoas.
Ninguém foi preso.
Em 8 de janeiro de 2019, um incêndio no Ninho do Urubu, matou 10
jogadores da base do Flamengo. Até hoje, ninguém foi punido.
Em relação aos políticos, a sociedade brasileira tem um caso
exemplar: o ex-presidente Fernando Collor de Mello. Condenado a
oitos anos e dez meses de cadeia por corrupção passiva e lavagem
de dinheiro, sua possível prisão paira no ar como uma borboleta
colorida no plenário do STF (Supremo Tribunal Federal). Tudo ia na
direção de botar Collor em um camburão, mas – e sempre tem um
“mas”, como dizia Plínio Marcos – o honorável ministro André
Mendonça pediu para o julgamento sair do plenário virtual e seguir
seu curso interminável no plenário físico. Em outras palavras, vai
tudo começar do
zero.
O STF, por sinal, na semana passada, decidiu manter símbolos
religiosos em prédios públicos, o que é um retrocesso impensável em
um país que separou seu governo da igreja. Foi no dia 7 de janeiro
de 1890 que o Brasil oficialmente separou-se da igreja, graças a um
decreto de Rui Barbosa. A partir desse dia, registros de casamento,
nascimento e óbitos passaram a ser de responsabilidade do estado. E
agora, 134 anos depois, o STF mantém símbolos religiosos em
prédios públicos. É o famoso não ata e nem desata. O governo está
separado da igreja, desde 1890, mas nem tanto assim.
Quem circula por São Paulo de carro ou a pé convive com um
inimigo quase invisível. Esse inimigo é um centauro. Ele circula em
velocidade incalculável, por ser imperceptível aos radares. Os
centauros de São Paulo (imitados em outras cidades) têm seu próprio
código de trânsito. Esse código chama-se desobediência civil. Os
centauros podem tudo: subir nas calçadas, passar nos sinais
vermelhos, andar na contramão, não sinalizar mudanças de faixa,
buzinar de forma repetida e colérica... Todos os dias morrem um,
dois ou três centauros em São Paulo. Todos os dias um, dois ou mais
centauros vão parar no hospital com fraturas e contusões
gravíssimas. O primeiro semestre de 2024 fechou com 521 óbitos.
Nenhuma medida viária até agora conseguiu reduzir o número de
mortos e feridos. Nada se faz e vamos deixar os centauros se
extinguirem por conta própria.
O aborto é liberado no Brasil, para quem tem dinheiro e pode pagar
uma clínica exclusiva. Quem não tem dinheiro vai atrás de algum ou
alguma curiosa que fará bobagem e a paciente terminará sua jornada
no SUS, quem sabe viva, talvez morta. O aborto é proibido no Brasil,
porque a religião e os religiosos não permitem. Mas, quem tem
dinheiro, aborta.
O Brasil tem 12 mil favelas, onde vivem 16 milhões de pessoas.
Somente em Paraisópolis, em São Paulo, vivem quase 60 mil
pessoas. Dez por cento da população de Dublin (Irlanda).
Em São Paulo há 590 mil imóveis abandonados. Repetindo: 590 mil
imóveis abandonados, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística). Isso – sempre de acordo com o IBGE –
permitiria que toda a população de rua de São Paulo multiplicada
por 20 encontraria abrigo nesses imóveis, que ninguém usa e –
parece – que ninguém quer.
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