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Série da Netflix sobre Senna é a mais vista, em língua não inglesa |
Passaram-se 30 anos. Mas aquela imagem dos pilotos, todos de terno escuro, semblante carregado, continua presente, como se eu tivesse retornado agora do cemitério e me sentado para escrever a reportagem. Foi emocionante. Fez muita gente chorar. E Belchior estava certo, quando fala do desaparecimento de ídolos: "Depois dele, não apareceu mais ninguém".
Os seres humanos são dominados pelas emoções, muito mais que pela racionalidade. Um anos antes, cobrindo a prova em Interlagos, estava ao lado de um repórter francês. Falei que iria torcer para Prost, por causa de um entrevero qualquer entre Senna e um colega da imprensa. O problema é que caiu um minidilúvio universal sobre a pista e acompanhei, bem na minha frente, Prost derrapar e arrebentar seu carro sobre o bólido de Christian Fittipaldi, estacionado na pista. Prost foi para a caixa de brita e a corrida acabou para ele. Interlagos comemorou o acidente de Prost como um gol do Brasil em final de Campeonato Mundial. Comecei a gritar também dentro do centro de imprensa, juntamente, com centenas de colegas, que torciam para Senna. O repórter francês olhou para mim e fez um gesto: "como é que é?". Expliquei para ele que o coração sempre fala mais alto.
Aquela tarde foi uma loucura em Interlagos. Para vencer a prova, Senna deu uma espécie de drible com o carro em Damon Hill e assumiu a ponta. Ao final da prova, as pessoas invadiram a pista. Foram carregar Senna em triunfo, que havia vencido mais uma vez - e seria a última - em Interlagos.
A série da Netflix consegue capturar esses momentos de idolatria. Percorre a trajetória de Senna, desde quando ele, ainda garoto, ganha um kart de presente do pai, um fabricante de autopeças. A série mostra o casamento de Senna, com uma namorada de adolescência. Informação que nem toda gente conhecia. Depois, vem o divórcio, porque a mulher não queria voltar para a Inglaterra, onde Senna iniciava carreira meteórica.
Diálogos bem conhecidos, de quem acompanhou a trajetória do piloto, são reproduzidos na íntegra, como as célebres divergências que Senna teve com Prost. A produção também destaca a rivalidade crescente entre um brasileiro, recém-chegado à Europa, que mal sabia falar inglês, com pilotos de categorias pré-Fórmula 1.
O apresentador Emílio Surita não gostou da série da Netflix. Chamou o produto de "baixa qualidade". Emílio Surita, para quem não lembra, apresentava o pior programa da história da televisão mundial, o programa mais rasteiro, grosseiro e detestável já feito por câmeras televisivas.
A narrativa é bem conduzida. Tropeça apenas em atores mal escolhidos, como um garotinho que enviava mensagens a Senna e o piloto decide lhe visitar e presenteá-lo com um capacete. O menino ganha o presente e sua expressão não representa a alegria de um garoto de periferia, sendo homenageado pelo seu maior ídolo. Parece alguém meio inerte, sem qualquer expressão de júbilo.
Pâmela Tomé é uma Xuxa perfeita. Repete com exatidão a cena dos beijos no rosto de Senna, deixando-o marcado com batom vermelho. Julia Foti faz Adriane Galisteu, assim, de passagem, rapidamente.
Um dos momentos mais divertidos é a reprodução de uma passagem de Jean-Marie Balestre, o então poderoso presidente da Fia (Federação Internacional de Automobilismo), eterno e odioso rival de Senna, ao circular pela área dos boxes de Interlagos e ser vaiado pela multidão, que gritava "Balestre, ladrão; Senna é campeão".
O forte da série são as cenas de velocidade, ultrapassagens, as disputas. A produção teve muito cuidado e o resultado foi gratificante. Senna já foi visto em 58 países, batendo 53 milhões de horas assistidas.
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