quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Trinta anos depois, uma série para nos lembrar de Senna

 

Série da Netflix sobre Senna  é a mais vista, em língua não inglesa

Foi um dos momentos mais emocionantes da minha vida de repórter. Estava na entrada do cemitério Parque Morumby, quando vejo aquele grupo de homens de terno preto carregando o caixão. Estão lá Emerson Fittipaldi, Gerhard Berger, Rubinho Barrichello e - inacreditável - até Alain Prost. O maior adversário de Ayrton Senna segurava uma das alças do caixão. Eram 11h30. Dia ensolarado. Lá fora, milhares de pessoas seguiam em procissão. Tinham acompanhado o carro do Corpo de Bombeiros, que trazia o corpo de Senna pelas ruas de São Paulo. As pessoas choravam. Abraçavam-se. Era uma comunhão da despedida. Um herói brasileiro estava morto. 

Passaram-se 30 anos. Mas aquela imagem dos pilotos, todos de terno escuro, semblante carregado, continua presente, como se eu tivesse retornado agora do cemitério e me sentado para escrever a reportagem. Foi emocionante. Fez muita gente chorar. E Belchior estava certo, quando fala do desaparecimento de ídolos: "Depois dele, não apareceu mais ninguém".

Os seres humanos são dominados pelas emoções, muito mais que pela racionalidade. Um anos antes, cobrindo a prova em Interlagos, estava ao lado de um repórter francês. Falei que iria torcer para Prost, por causa de um entrevero qualquer entre Senna e um colega da imprensa. O problema é que caiu um minidilúvio universal sobre a pista e acompanhei, bem na minha frente, Prost derrapar e arrebentar seu carro sobre o bólido de Christian Fittipaldi, estacionado na pista. Prost foi para a caixa de brita e a corrida acabou para ele. Interlagos comemorou o acidente de Prost como um gol do Brasil em final de Campeonato Mundial. Comecei a gritar também dentro do centro de imprensa, juntamente, com centenas de colegas, que torciam para Senna. O repórter francês olhou para mim e fez um gesto: "como é que é?". Expliquei para ele que o coração sempre fala mais alto. 

Aquela tarde foi uma loucura em Interlagos. Para vencer a prova, Senna deu uma espécie de drible com o carro em Damon Hill e assumiu a ponta. Ao final da prova, as pessoas invadiram a pista. Foram carregar Senna em triunfo, que havia vencido mais uma vez - e seria a última - em Interlagos. 

A série da Netflix consegue capturar esses momentos de idolatria. Percorre a trajetória de Senna, desde quando ele, ainda garoto, ganha um kart de presente do pai, um fabricante de autopeças. A série mostra o casamento de Senna, com uma namorada de adolescência. Informação que nem toda gente conhecia. Depois, vem o divórcio, porque a mulher não queria voltar para a Inglaterra, onde Senna iniciava carreira meteórica. 

Diálogos bem conhecidos, de quem acompanhou a trajetória do piloto, são reproduzidos na íntegra, como as célebres divergências que Senna teve com Prost. A produção também destaca a rivalidade crescente entre um brasileiro, recém-chegado à Europa, que mal sabia falar inglês, com pilotos de categorias pré-Fórmula 1.

O apresentador Emílio Surita não gostou da série da Netflix. Chamou o produto de "baixa qualidade". Emílio Surita, para quem não lembra, apresentava o pior programa da história da televisão mundial, o programa mais rasteiro, grosseiro e detestável já feito por câmeras televisivas.

A narrativa é bem conduzida. Tropeça apenas em atores mal escolhidos, como um garotinho que enviava mensagens a Senna e o piloto decide lhe visitar e presenteá-lo com um capacete. O menino ganha o presente e sua expressão não representa a alegria de um garoto de periferia, sendo homenageado pelo seu maior ídolo. Parece alguém meio inerte, sem qualquer expressão de júbilo.

Pâmela Tomé é uma Xuxa perfeita. Repete com exatidão a cena dos beijos no rosto de Senna, deixando-o marcado com batom vermelho. Julia Foti faz Adriane Galisteu, assim, de passagem, rapidamente.

Um dos momentos mais divertidos é a reprodução de uma passagem de Jean-Marie Balestre, o então poderoso presidente da Fia (Federação Internacional de Automobilismo), eterno e odioso rival de Senna, ao circular pela área dos boxes de Interlagos e ser vaiado pela multidão, que gritava "Balestre, ladrão; Senna é campeão".  

O forte da série são as cenas de velocidade, ultrapassagens, as disputas. A produção teve muito cuidado e o resultado foi gratificante. Senna já foi visto em 58 países, batendo 53 milhões de horas assistidas.        




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