segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Pelas areias de Sesimbra

Avenida beira mar em Sesimbra

Para chegar onde estou hospedado em Sesimbra, cidade praiana de Portugal, é bem simples: você deve ir até o bairro Cotovia.

Para isso, é só pegar a avenida João Paulo 2º, passar pelo Beco do Altinho, atravessar na faixa de pedestres com semáforo que fica em frente ao supermercado Coviran e entrar na rua da Cotovia. Cinquenta passos depois se chega na rua Escritora Maria Amália Vaz de Carvalho.

A casinha é simpática, confortável e não se ouve um sinal de vida dos vizinhos. É tudo muito silencioso.

Diferente de Mário de Andrade, que viveu muitos anos na rua Lopes Chaves, sem saber quem ele tinha sido: “nesta rua Lopes Chaves envelheço, e envergonhado nem sei quem foi Lopes Chaves”; procurei saber quem era a escritora Maria Amália Vaz de Carvalho.

Fiquei sabendo que era uma autora polígrafa. Para os ignaros, como eu, que desconhecem o significado do termo polígrafo (associo ao detector de mentiras das séries policiais), vou explicar. Trata-se de alguém que escreve sobre tudo um pouco. É um autor abundante. Fala sobre matérias diversas. No caso, o objeto da minha pesquisa, dona Maria Amália Vaz de Carvalho (1847-1921) é autora de três livros, que ainda estão em catálogo nas boas livrarias do mundo: "Alguns homens do meu tempo”, “Mulheres e creanças” e “Pelo mundo fo’ra”.


Escreveu poesia, conto, novela, crônica, ensaios, crítica literária, biografias e fez traduções. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia de Ciências de Lisboa.

Casou-se com um brasileiro (Gonçalves Crespo) e sua casa, em Lisboa, era palco de debates literários e políticos, frequentada pela “intelligentsia” da época.

A Biblioteca Municipal de Sesimbra, na avenida da Liberdade, 46, é um paraíso de ar-condicionado. O verão, em Portugal, pega pesado. As temperaturas batem nos 35 graus. O sol racha as cabeças e o céu não tem uma nuvem, nem uma maldita nuvenzinha. É azul. Um azul royal.

Infelizmente, na biblioteca de Sesimbra não encontrei livros da dona Maria Amália, o que é um descuido imperdoável dos bibliotecários responsáveis. Deveria ter feito um protesto veemente, mas deixei pra lá.

De qualquer maneira, a biblioteca me ofereceu “O capitalismo estético na era da globalização”, de Gilles Lipovetsky e Jean Serroy, um catatau de quase 500 páginas; “Perder-se”, de Annie Ernaux; e “A religião woke”, de Jean-François Braunstein.

Lipovetsky e Serroy escrevem sobre como o capital amansou, dominou e colocou uma coleira de submissão nas artes.

A francesa, premiada pelo Nobel, expõe seu diário íntimo, que relata em detalhes o caso que ela manteve com um alto comissário da extinta União Soviética. O cidadão era casado, comunista e adorava marcas famosas.

Sobre a “Religião Woke” falarei em outra oportunidade neste blog. Aguarde e não te arrependerás.

Passeando pelo bairro da Cotovia, parei em um café para fazer um lanche. Fiz o pedido. O proprietário olhou para mim e disse:

“Você é de São Paulo, não é?”

Marcelo (era o nome dele) está radicado há dez anos em Portugal. Tinha morado em São Caetano, no ABC paulista, e era leitor assíduo de um jornal, onde eu havia trabalhado nos anos 1990 (“Diário do Grande ABC”).

“Era um jornal excelente”, comentou.

Além da idade próxima, duas particularidades nos aproximavam: ambos temos um filho morando na Irlanda e uma filha, em Portugal.

O fato de encontrar um brasileiro em território luso é algo tão corriqueiro, tão pouco espetacular, que humoristas levantam a tese de que o Brasil incorporou Portugal, transformando o país em mais uma de suas unidades federativas.

Só que não. É impressionante como as coisas funcionam bem em Portugal. Para ir de Sesimbra a Lisboa (distância de 40 quilômetros), deve-se pegar um coletivo que passa em determinados horários. Se está marcado 10h46, se você chegar no ponto às 10h47, o ônibus terá ido embora. E se você chegar às 10h30, vai esperar 16 minutos. O transporte público é preciso. Funciona. O ônibus (que eles chamam de autocarro) tem ar-condicionado e cinto de segurança. Ninguém vai em pé. Todos sentados confortavelmente.

Em Lisboa, no metrô, os avisos luminosos informam o horário de chegada do próximo trem (que eles chamam de comboio).

A sensação de segurança é o que mais pega. Vi um vídeo de uma senhora brasileira, quase chorando de alegria, relatando que estava em Lisboa e esqueceu a sacola de compras em uma praça. Desesperada, voltou meia hora depois e para sua surpresa: a sacola estava no mesmo lugar que havia deixado.

Na praia, em Sesimbra, o banhista pode deixar o celular e a carteira de documentos sobre a toalha, entrar no mar e sair horas mais tarde que seus pertences estarão incólumes.

Por isso, esqueça. Portugal não está preparada para ser o 27º estado brasileiro.   

Em tempo: Lopes Chaves (1833-1909) foi senador por São Paulo.  

         

 

        










domingo, 29 de setembro de 2024

Um passeio pela "livraria mais antiga do mundo"

 

Na esquina entre a rua Garret e Anchieta, fica a Libraria Bertrand

No mundo digital, que condenou os papéis à morte, a Livraria Bertrand, em Lisboa, segue mais viva do que nunca. Fundada em 1732, sobreviveu ao grande terremoto que matou 30 mil pessoas na capital portuguesa, em 1755. Sobreviveu a Napoleão. Aos imperadores, aos condes, marqueses, arcebispos, viscondes e duquesas. Passou incólume pela primeira e segunda guerras mundiais. Resistiu ao fascismo de Salazar. E continua viva, em pleno 2024, auge da ditadura digital smartphônica.

Quem sobe pela estreita rua Garret, bairro Chiado, em Lisboa, topa na esquina com rua Anchieta, a Bertrand, localizada nos números 73/75.

O marketing sinaliza, de forma quase discretamente, na vitrine, a informação de que estamos diante da “livraria mais antiga do mundo, segundo o livro Guinness dos recordes”.

Turistas de todas as partes do mundo fazem fila na porta da Bertrand, para fazer a foto com o celular. Os “tuc-tucs” – aqueles triciclos coloridos que levam turistas conhecer os pontos principais da cidade – dão sempre uma parada defronte à livraria, com o condutor gritando em inglês, francês, espanhol, italiano, islandês, japonês, chinês que ali, naquele endereço encontra-se a “livraria mais antiga do mundo”.

Lá dentro, os livros estão dispostos em estantes de madeira, em balcões, estantes. Na entrada, ficam obras de sociologia, poesia, romance e as grandes estrelas da literatura portuguesa. Saramago e Fernando Pessoa dominam as estantes mais privilegiadas.

As atendentes usam um avental com o dístico “Livraria Bertrand”, são poliglotas, educadas e sempre gentis. Quando a gente compra um livro, a moça da caixa (a pedido do cliente) carimba na primeira folha em branco, que aquela obra foi comprada na “livraria mais antiga do mundo”. Para quem duvidar, tem um painel reproduzindo a página do Guinness, que cita a Bertrand.

Entrando um pouco mais, circulando pelos espaços da livraria, encontra-se um sofá preto de couro Chesterfield, para quem quer ler e se sentir confortável, entre milhares de livros.

Ao fundo, um café, com iguarias locais, mesinhas e cadeiras, com mais gente lendo, enquanto toma uma bebida ou come um petisco.

Saindo da Bertrand, quase em frente, fica a Livraria Sá da Costa, que é bem mais novinha que a Bertrand. A Sá da Costa foi fundada em 1913, em cima das cinzas de uma outra livraria, que existia ali e que se chamava Borel & Borel. A especialidade da Sá da Costa eram manuscritos antigos, livros raros e esgotados. O problema é que, diferente da Bertrand, onde predomina a limpeza e a ordem, na Sá da Costa os livros estão amontoados, empoeirados, bagunçados. Lembra um sebo em que o proprietário não sabe mais o que tem e o que não tem. A livraria também é um pouco escura, abafada. As obras nem sempre têm o preço marcado, o que dá aquela sensação de que o valor cobrado seria de acordo com a cara do freguês. Talvez não seja assim, mas parece que é.

Vizinha à Livraria Sá da Costa, encontra-se a Casa Brasileira, um dos cafés mais antigos de Lisboa, fundado em 1905. Originalmente, vendia café do Brasil. Hoje, é um local disputado pelos turistas, que enchem suas mesas, dispostas no meio da rua, em frente ao Largo do Chiado. Os turistas ficam na boa companhia, em bronze, de Fernando Pessoa. O poeta era frequentador assíduo da Casa Brasileira.

        


segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Na Irlanda, da cerveja Guinness e dos castelos centenários

 

Subúrbio de Raheny, Irlanda

Estou em Raheny, subúrbio de Dublin (Irlanda).
É verão. Faz sol. Dizem que é raro. O problema sou eu. O sol me persegue. Onde quer que eu vá, fará sol e calor. Sempre. Em Dublin, dizem que é sempre muito frio e chuvoso. Mas, comigo estando lá, fará sol e calor. Não falha.

Nesse dia ensolarado e quente, saio para dar uma volta e comprar jornal. Tem jornaleiro ainda na Irlanda e têm leitores de jornais também. Compro o Independent.

Entro no centenário pub Manhattan – Beer & Food, que fica no número 5 da Station Road (tem 170 anos de existência), e peço uma pint de Guinness.



A Guinness é uma instituição irlandesa. É uma cerveja negra, cremosa, saborosa. Os entendidos dizem que ela é uma cerveja “stout”. Não sei o que significa, o que eu sei é que tomar uma Guinness, em um pub irlandês, é uma experiência inesquecível.

Por falar em cerveja preta, vale a pena visitar o lago da família Guinness, em Lough Tay. É um lago preto (é claro), cercado por montanhas, cenário da série Vikings.

Sentado no pub, que como todo pub irlandês é escuro, tem mesas e cadeiras de madeira estofadas de couro, penso no singular trajeto que me levou do apartamento, onde estou hospedado, até aquele bar, onde aprecio a minha Guinness.

Encontrei no caminho umas dez pessoas: a moça que corria com headfone, o casal de idosos, o rapaz apressado, duas meninas com uniformes de cor cinza de escola conservadora, um casal mais jovem... Todas elas – repito todas elas – me cumprimentaram, desejando bom dia e com um sorriso de quebra.

Sem saber como proceder, meio assustado (há muitos anos que ninguém sorria para mim em uma rua), pensei primeiro em sair correndo, porque talvez estivesse cercado por um bando de malucos, então, decidi devolver o sorriso e o “good morning”.

O bom humor, que parece generalizado, talvez seja proveniente do verde. A cor do país é verde e tudo em volta tem essa cor: são jardins amplos, estradas ladeadas por milhares de árvores e gramados espetaculares. Aqui e ali, aparece uma casa de campo e a maioria é aquele lugar que você sonha viver para sempre.

Na cidade de Wicklow,  que fica a 50 quilômetros da capital Dublin, além de parecer que você está em um filme, porque parece cidade cenográfica, é tudo muito bem cuidado, verdejante, florido.

Percorrendo a rua principal, quase toda vitrine de loja, pub e padaria tinha um aviso de “procura-se ajudante”, “vaga para cozinheiro”, “precisa-se de garçom”.

Essa oferta de empregos é um imã que atrai brasileiros. Eles estão chegando e são milhares. Estávamos em um pub, no centro de Dublin, e meu filho começou a fazer os pedidos, em inglês. O garçom fez assim com a mão (pode parar...), dizendo que era brasileiro.

Sábado à noite, saio para comprar pizzas, em um trailer, que fica próximo da igreja católica Our lady mother. Na produção das redondas, dois rapazes loirinhos. Um deles me pergunta se sou italiano. Digo que não, que sou brasileiro.

“Ah que pena”, ele diz, “se você fosse italiano, ia pedir para nos ajudar aqui”.

Enquanto as pizzas não estão assadas no fogão a lenha, sento em um banco comum, ao lado de um casal. Brasileiro não tem um biótipo comum, mas só de a gente olhar, a gente sabe que o cara é brasileiro.

“E aí, faz tempo que vocês estão aqui?”, pergunto para o casal, que não havia dito uma única palavra em português.

Eles dizem que trabalham com logística, que vieram de João Pessoa (PB) e que estão se dando bem no exterior, sem saudades do Brasil.

As pizzas ficam prontas e são honestas. Massa fina, o molho parece ser de tomate mesmo, a crosta ao redor é crocante e ligeiramente queimadinha, a cobertura satisfatória. Não estamos falando de uma pizza da Speranza, da Cantina de Napoli, mas não sobra um pedaço.

No outro dia, fomos visitar um castelo na cidade de Malahide. O que mais me chamou a atenção foi o fato de a propriedade ter ficado na mão de uma mesma família (Talbot) por 800 anos. O Brasil, pós-Cabral, tem só 524 anos. Do jeito que vai a coisa, o Brasil não deve durar mais cem anos, porque estamos pondo fogo em tudo. Um dia vamos conseguir... Imagine uma mesma família ter mantido sua propriedade por oito séculos. Tudo bem, é um castelo de pedra, frio e úmido, cheio de fantasmas, mas me diga qual castelo não tem fantasma?  

 

 Em inglês:

"In Ireland, Guinness beer and centuries-old castles"

I am in Raheny, a suburb of Dublin (Ireland).

It’s summer. The sun is out. They say it’s rare. The problem is me. The sun follows me. Wherever I go, it will be sunny and hot. Always. In Dublin, they say it’s always very cold and rainy. But, with me being there, it will be sunny and hot. It never fails.

On this sunny and hot day, I go out for a walk and to buy a newspaper. There are still newsstands in Ireland, and people still read newspapers. I buy the Independent.

I enter the century-old pub Manhattan – Beer & Food, located at number 5 Station Road (it’s been around for 170 years), and I order a pint of Guinness.

Guinness is an Irish institution. It’s a black, creamy, flavorful beer. Experts say it’s a “stout” beer. I don’t know what that means, but what I do know is that having a Guinness in an Irish pub is an unforgettable experience.

Speaking of dark beer, it’s worth visiting the Guinness family lake, at Lough Tay. It’s a black lake (of course), surrounded by mountains, and it was the setting for the TV series Vikings.

Sitting in the pub, which, like every Irish pub, is dark, with wooden tables and chairs upholstered in leather, I think about the unique journey that led me from the apartment where I’m staying to this bar, where I’m enjoying my Guinness.

I crossed paths with about ten people on the way: the girl running with headphones, the elderly couple, the hurried young man, two girls in gray uniforms from a conservative school, a younger couple... Every single one of them – I repeat, every single one – greeted me, wishing me good morning with a smile.

Not knowing how to react, a little startled (it’s been years since anyone smiled at me on the street), I first thought of running away, because maybe I was surrounded by a group of crazy people. Then, I decided to return the smile and the “good morning.”

The good mood, which seems to be widespread, may be due to the color green. The color of the country is green, and everything around is that color: wide gardens, roads lined with thousands of trees, and spectacular lawns. Here and there, you see a country house, and most of them are the kind of place you dream of living in forever.

In the city of Wicklow, located 50 kilometers from the capital, Dublin, it looks like you’re in a movie because it seems like a movie set. Everything is very well kept, lush, and flower-filled.

Walking down the main street, almost every store window, pub, and bakery had a sign saying “helper wanted,” “vacancy for a cook,” “waiter needed.”

This job offer is a magnet attracting Brazilians. They’re coming, and there are thousands of them. We were in a pub in downtown Dublin, and my son started ordering in English. The waiter gestured with his hand (as in, "hold on..."), saying he was Brazilian.

On a Saturday night, I go out to buy pizzas from a trailer near the Catholic Church Our Lady Mother. In the pizza-making process, there are two blonde young men. One of them asks if I’m Italian. I say no, I’m Brazilian.

“Ah, what a pity”, he says, “if you were Italian, I’d ask you to help us here.”

While the pizzas are being baked in the wood oven, I sit on a regular bench next to a couple. Brazilians don’t have a common physical type, but just by looking, we can tell the person is Brazilian.

“Hey, have you been here long?” I ask the couple, who hadn’t spoken a word of Portuguese.

They say they work in logistics, that they came from João Pessoa (PB), and that they are doing well abroad, without missing Brazil.

The pizzas are ready and they are decent. Thin crust, the sauce seems to be real tomato, the edge is crispy and slightly charred, and the topping is satisfactory. We’re not talking about a pizza from Speranza or Cantina de Napoli, but there isn’t a piece left.

The next day, we went to visit a castle in the city of Malahide. What caught my attention the most was that the property had remained in the hands of the same family (the Talbots) for 800 years. Brazil, post-Cabral, has only been around for 524 years. The way things are going, Brazil may not last another hundred years because we are burning everything down. One day, we will manage… Imagine a single family maintaining their property for eight centuries. Okay, it’s a stone castle, cold and damp, full of ghosts, but tell me, which castle doesn’t have ghosts?

 


segunda-feira, 16 de setembro de 2024

No fundo, a gente sente pena do Brasil

 

Momento de extrema elegância entre os candidatos

O debate entre candidatos a prefeito em São Paulo ganhou requintes de pugilato, quando um deles armou-se de um banquinho de pernas longas e investiu contra um oponente. Um momento "lucha libre", como se diz no México. Na luta livre raiz, que o pessoal chamava de "telecatch", nos anos 1960, tinha o Ted Boy Marino, o Fantomas, Mongol, o Caveira... Os lutadores começavam a trocar pancadas no ringue e a briga degringolava e acabava sobrando para a as cadeiras, mesas, que rodeavam a arena de luta. O lutador pegava uma coitada de uma cadeira simplória e a destroçava nas costas do adversário. Era bom demais. A gente torcia para os "mocinhos". Ted Boy Marino era o nosso ídolo. Tínhamos medo do Fantomas, do Caveira e detestávamos o Mongol, traiçoeiro como um escorpião.

Foi inusitado. A TV Cultura, vetusta e traço zero de audiência, sempre protocolar e de sapato apertado, viu sua programação se tornar notícia nacional, depois do debate da noite passada. Na tentativa fracassada de um candidato aniquilar fisicamente seu oponente, o "debate" foi interrompido justamente na melhor parte. Como disse o apresentador Carlos Roberto Massa, o Ratinho, os candidatos estavam na emissora errada. "Vocês têm que vir no meu programa. Lá, pode trocar porrada à vontade. Ninguém vai segurar vocês."

Sinceramente, ninguém quer saber de proposta. A gente cansou dos políticos. A gente quer mesmo vê-los trocando pancada, se matando ao vivo. Se os debates televisivos incluíssem trocas de sopapos e mordidas, safanões e pernadas, a gente assistiria com sorriso nos lábios.

A gente perdeu a paciência com os políticos, porque a realidade brasileira é um filme triste. A maior floresta tropical do mundo queima, queima e queima, transformando o céu do Brasil em cenário de série distópica. O Pantanal, maravilha mundial, está em chamas. O interior de São Paulo foi salvo pela chuva que chegou hoje, mas até ontem era queimada atrás de queimada. 

Por uma inércia do Judiciário, a violência corre solta nas cidades. Todos os dias, é uma sucessão de más notícias: assalto, roubo, latrocínio, homicídio, estupro, furto...

O presidente poderia criar um Ministério da Justiça para tentar minimizar o problema... 

Ah, já tem Ministério da Justiça? 

Ué, e cadê o ministro?

Faz tempo que não ouço a voz do ministro. 

Enquanto isso, o Rio de Janeiro continua sob ataques de facções rivais. Sobra bala pra tudo quanto é lado. Não é "bala perdida". É bala achada, porque encontrou o peito da professora, as costas do menino, a cabeça da menina. Então, você tem zonas dominadas pelo tráfico, pelas milícias e o que foi feito até agora para solucionar de vez o problema? Tentou-se várias alternativas. Nenhuma deu resultado. O problema está lá, continua no mesmo lugar de sempre: populações inteiras, dominadas por um "exército" inimigo. 

Tem o famoso "baile funk", que é feito na rua, com som em volume ensurdecedor. O "baile" é, na prática, local de venda de produtos proibidos. Vários bairros da Grande São Paulo assistem inertes a esses espetáculos da desordem. 

Você pega um país de riqueza natural extraordinária e faz o possível para transformá-lo em um lugar inabitável. 

Como isso ocorreu?

Salários irrisórios. Professores mal pagos, desnutridos emocionalmente, esgotados mentalmente. Acumulação de riqueza. É sempre bom repetir: acumulação de riqueza, acumulação de riqueza, acumulação de riqueza...Exploração territorial predatória e criminosa. Leniência diante das contravenções e da criminalidade: Jogo do Bicho (ah, tudo bem, vai, continua fazendo a sua "fezinha"), loteria do "Tigrinho", corrupção, a Justiça prende e solta, prende e solta. As concessionárias de energia com suas redes açucaradas: cai uma garoinha de nada e elas derretem. 

E o principal problema: os governos não fazem a sua parte. Se o tráfico de drogas é responsável pelo clima de guerra no Rio, por que não se imagina uma solução imediata e definitiva? Durante quanto tempo, vamos continuar enxugando gelo? Será que ninguém tem uma ideia, um coelho que saia da cartola? 

Tudo isso é perda de tempo. Vamos ligar a TV e assistir o debate político na TV. 

Oba! Tem um batendo a cadeira na cabeça do outro... Que elegância, cavalheiro. Que elegância. "Esse é um País que vai pra frente", como já pregavam Dom e Ravel.  


      

   

Humorista Leo Lins é censurado pela Justiça Federal

  Leonardo de Lima Borges Lins, o humorista condenado O início é óbvio: Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, que trata...