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Avenida beira mar em Sesimbra |
Para isso, é só pegar a avenida João Paulo 2º, passar
pelo Beco do Altinho, atravessar na faixa de pedestres com semáforo que fica em
frente ao supermercado Coviran e entrar na rua da Cotovia. Cinquenta passos
depois se chega na rua Escritora Maria Amália Vaz de Carvalho.
A casinha é simpática, confortável e não se ouve um
sinal de vida dos vizinhos. É tudo muito silencioso.
Diferente de Mário de Andrade, que viveu muitos anos
na rua Lopes Chaves, sem saber quem ele tinha sido: “nesta rua Lopes Chaves
envelheço, e envergonhado nem sei quem foi Lopes Chaves”; procurei saber quem
era a escritora Maria Amália Vaz de Carvalho.
Fiquei sabendo que era uma autora polígrafa. Para os
ignaros, como eu, que desconhecem o significado do termo polígrafo (associo ao
detector de mentiras das séries policiais), vou explicar. Trata-se de alguém
que escreve sobre tudo um pouco. É um autor abundante. Fala sobre matérias
diversas. No caso, o objeto da minha pesquisa, dona Maria Amália Vaz de
Carvalho (1847-1921) é autora de três livros, que ainda estão em catálogo nas
boas livrarias do mundo: "Alguns homens do meu tempo”, “Mulheres e
creanças” e “Pelo mundo fo’ra”.
Escreveu poesia, conto, novela, crônica, ensaios, crítica literária, biografias e fez traduções. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia de Ciências de Lisboa.
Casou-se com um brasileiro (Gonçalves Crespo) e sua
casa, em Lisboa, era palco de debates literários e políticos, frequentada pela “intelligentsia”
da época.
A Biblioteca Municipal de Sesimbra, na avenida da
Liberdade, 46, é um paraíso de ar-condicionado. O verão, em Portugal, pega
pesado. As temperaturas batem nos 35 graus. O sol racha as cabeças e o céu não
tem uma nuvem, nem uma maldita nuvenzinha. É azul. Um azul royal.
Infelizmente, na biblioteca de Sesimbra não
encontrei livros da dona Maria Amália, o que é um descuido imperdoável dos
bibliotecários responsáveis. Deveria ter feito um protesto veemente, mas deixei
pra lá.
De qualquer maneira, a biblioteca me ofereceu “O
capitalismo estético na era da globalização”, de Gilles Lipovetsky e Jean
Serroy, um catatau de quase 500 páginas; “Perder-se”, de Annie Ernaux; e “A
religião woke”, de Jean-François Braunstein.
Lipovetsky e Serroy escrevem sobre como o capital amansou,
dominou e colocou uma coleira de submissão nas artes.
A francesa, premiada pelo Nobel, expõe seu diário
íntimo, que relata em detalhes o caso que ela manteve com um alto comissário da
extinta União Soviética. O cidadão era casado, comunista e adorava marcas
famosas.
Sobre a “Religião Woke” falarei em outra
oportunidade neste blog. Aguarde e não te arrependerás.
Passeando pelo bairro da Cotovia, parei em um café
para fazer um lanche. Fiz o pedido. O proprietário olhou para mim e disse:
“Você é de São Paulo, não é?”
Marcelo (era o nome dele) está radicado há dez anos
em Portugal. Tinha morado em São Caetano, no ABC paulista, e era leitor assíduo
de um jornal, onde eu havia trabalhado nos anos 1990 (“Diário do Grande ABC”).
“Era um jornal excelente”, comentou.
Além da idade próxima, duas particularidades nos
aproximavam: ambos temos um filho morando na Irlanda e uma filha, em Portugal.
O fato de encontrar um brasileiro em território luso
é algo tão corriqueiro, tão pouco espetacular, que humoristas levantam a tese
de que o Brasil incorporou Portugal, transformando o país em mais uma de suas
unidades federativas.
Só que não. É impressionante como as coisas
funcionam bem em Portugal. Para ir de Sesimbra a Lisboa (distância de 40
quilômetros), deve-se pegar um coletivo que passa em determinados horários. Se
está marcado 10h46, se você chegar no ponto às 10h47, o ônibus terá ido embora.
E se você chegar às 10h30, vai esperar 16 minutos. O transporte público é
preciso. Funciona. O ônibus (que eles chamam de autocarro) tem ar-condicionado
e cinto de segurança. Ninguém vai em pé. Todos sentados confortavelmente.
Em Lisboa, no metrô, os avisos luminosos informam o
horário de chegada do próximo trem (que eles chamam de comboio).
A sensação de segurança é o que mais pega. Vi um
vídeo de uma senhora brasileira, quase chorando de alegria, relatando que estava em Lisboa e esqueceu a sacola de compras em uma praça. Desesperada, voltou meia
hora depois e para sua surpresa: a sacola estava no mesmo lugar que havia
deixado.
Na praia, em Sesimbra, o banhista pode deixar o
celular e a carteira de documentos sobre a toalha, entrar no mar e sair horas
mais tarde que seus pertences estarão incólumes.
Por isso, esqueça. Portugal não está preparada para
ser o 27º estado brasileiro.
Em tempo: Lopes Chaves (1833-1909) foi senador por São Paulo.