segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Na Irlanda, da cerveja Guinness e dos castelos centenários

 

Subúrbio de Raheny, Irlanda

Estou em Raheny, subúrbio de Dublin (Irlanda).
É verão. Faz sol. Dizem que é raro. O problema sou eu. O sol me persegue. Onde quer que eu vá, fará sol e calor. Sempre. Em Dublin, dizem que é sempre muito frio e chuvoso. Mas, comigo estando lá, fará sol e calor. Não falha.

Nesse dia ensolarado e quente, saio para dar uma volta e comprar jornal. Tem jornaleiro ainda na Irlanda e têm leitores de jornais também. Compro o Independent.

Entro no centenário pub Manhattan – Beer & Food, que fica no número 5 da Station Road (tem 170 anos de existência), e peço uma pint de Guinness.



A Guinness é uma instituição irlandesa. É uma cerveja negra, cremosa, saborosa. Os entendidos dizem que ela é uma cerveja “stout”. Não sei o que significa, o que eu sei é que tomar uma Guinness, em um pub irlandês, é uma experiência inesquecível.

Por falar em cerveja preta, vale a pena visitar o lago da família Guinness, em Lough Tay. É um lago preto (é claro), cercado por montanhas, cenário da série Vikings.

Sentado no pub, que como todo pub irlandês é escuro, tem mesas e cadeiras de madeira estofadas de couro, penso no singular trajeto que me levou do apartamento, onde estou hospedado, até aquele bar, onde aprecio a minha Guinness.

Encontrei no caminho umas dez pessoas: a moça que corria com headfone, o casal de idosos, o rapaz apressado, duas meninas com uniformes de cor cinza de escola conservadora, um casal mais jovem... Todas elas – repito todas elas – me cumprimentaram, desejando bom dia e com um sorriso de quebra.

Sem saber como proceder, meio assustado (há muitos anos que ninguém sorria para mim em uma rua), pensei primeiro em sair correndo, porque talvez estivesse cercado por um bando de malucos, então, decidi devolver o sorriso e o “good morning”.

O bom humor, que parece generalizado, talvez seja proveniente do verde. A cor do país é verde e tudo em volta tem essa cor: são jardins amplos, estradas ladeadas por milhares de árvores e gramados espetaculares. Aqui e ali, aparece uma casa de campo e a maioria é aquele lugar que você sonha viver para sempre.

Na cidade de Wicklow,  que fica a 50 quilômetros da capital Dublin, além de parecer que você está em um filme, porque parece cidade cenográfica, é tudo muito bem cuidado, verdejante, florido.

Percorrendo a rua principal, quase toda vitrine de loja, pub e padaria tinha um aviso de “procura-se ajudante”, “vaga para cozinheiro”, “precisa-se de garçom”.

Essa oferta de empregos é um imã que atrai brasileiros. Eles estão chegando e são milhares. Estávamos em um pub, no centro de Dublin, e meu filho começou a fazer os pedidos, em inglês. O garçom fez assim com a mão (pode parar...), dizendo que era brasileiro.

Sábado à noite, saio para comprar pizzas, em um trailer, que fica próximo da igreja católica Our lady mother. Na produção das redondas, dois rapazes loirinhos. Um deles me pergunta se sou italiano. Digo que não, que sou brasileiro.

“Ah que pena”, ele diz, “se você fosse italiano, ia pedir para nos ajudar aqui”.

Enquanto as pizzas não estão assadas no fogão a lenha, sento em um banco comum, ao lado de um casal. Brasileiro não tem um biótipo comum, mas só de a gente olhar, a gente sabe que o cara é brasileiro.

“E aí, faz tempo que vocês estão aqui?”, pergunto para o casal, que não havia dito uma única palavra em português.

Eles dizem que trabalham com logística, que vieram de João Pessoa (PB) e que estão se dando bem no exterior, sem saudades do Brasil.

As pizzas ficam prontas e são honestas. Massa fina, o molho parece ser de tomate mesmo, a crosta ao redor é crocante e ligeiramente queimadinha, a cobertura satisfatória. Não estamos falando de uma pizza da Speranza, da Cantina de Napoli, mas não sobra um pedaço.

No outro dia, fomos visitar um castelo na cidade de Malahide. O que mais me chamou a atenção foi o fato de a propriedade ter ficado na mão de uma mesma família (Talbot) por 800 anos. O Brasil, pós-Cabral, tem só 524 anos. Do jeito que vai a coisa, o Brasil não deve durar mais cem anos, porque estamos pondo fogo em tudo. Um dia vamos conseguir... Imagine uma mesma família ter mantido sua propriedade por oito séculos. Tudo bem, é um castelo de pedra, frio e úmido, cheio de fantasmas, mas me diga qual castelo não tem fantasma?  

 

 Em inglês:

"In Ireland, Guinness beer and centuries-old castles"

I am in Raheny, a suburb of Dublin (Ireland).

It’s summer. The sun is out. They say it’s rare. The problem is me. The sun follows me. Wherever I go, it will be sunny and hot. Always. In Dublin, they say it’s always very cold and rainy. But, with me being there, it will be sunny and hot. It never fails.

On this sunny and hot day, I go out for a walk and to buy a newspaper. There are still newsstands in Ireland, and people still read newspapers. I buy the Independent.

I enter the century-old pub Manhattan – Beer & Food, located at number 5 Station Road (it’s been around for 170 years), and I order a pint of Guinness.

Guinness is an Irish institution. It’s a black, creamy, flavorful beer. Experts say it’s a “stout” beer. I don’t know what that means, but what I do know is that having a Guinness in an Irish pub is an unforgettable experience.

Speaking of dark beer, it’s worth visiting the Guinness family lake, at Lough Tay. It’s a black lake (of course), surrounded by mountains, and it was the setting for the TV series Vikings.

Sitting in the pub, which, like every Irish pub, is dark, with wooden tables and chairs upholstered in leather, I think about the unique journey that led me from the apartment where I’m staying to this bar, where I’m enjoying my Guinness.

I crossed paths with about ten people on the way: the girl running with headphones, the elderly couple, the hurried young man, two girls in gray uniforms from a conservative school, a younger couple... Every single one of them – I repeat, every single one – greeted me, wishing me good morning with a smile.

Not knowing how to react, a little startled (it’s been years since anyone smiled at me on the street), I first thought of running away, because maybe I was surrounded by a group of crazy people. Then, I decided to return the smile and the “good morning.”

The good mood, which seems to be widespread, may be due to the color green. The color of the country is green, and everything around is that color: wide gardens, roads lined with thousands of trees, and spectacular lawns. Here and there, you see a country house, and most of them are the kind of place you dream of living in forever.

In the city of Wicklow, located 50 kilometers from the capital, Dublin, it looks like you’re in a movie because it seems like a movie set. Everything is very well kept, lush, and flower-filled.

Walking down the main street, almost every store window, pub, and bakery had a sign saying “helper wanted,” “vacancy for a cook,” “waiter needed.”

This job offer is a magnet attracting Brazilians. They’re coming, and there are thousands of them. We were in a pub in downtown Dublin, and my son started ordering in English. The waiter gestured with his hand (as in, "hold on..."), saying he was Brazilian.

On a Saturday night, I go out to buy pizzas from a trailer near the Catholic Church Our Lady Mother. In the pizza-making process, there are two blonde young men. One of them asks if I’m Italian. I say no, I’m Brazilian.

“Ah, what a pity”, he says, “if you were Italian, I’d ask you to help us here.”

While the pizzas are being baked in the wood oven, I sit on a regular bench next to a couple. Brazilians don’t have a common physical type, but just by looking, we can tell the person is Brazilian.

“Hey, have you been here long?” I ask the couple, who hadn’t spoken a word of Portuguese.

They say they work in logistics, that they came from João Pessoa (PB), and that they are doing well abroad, without missing Brazil.

The pizzas are ready and they are decent. Thin crust, the sauce seems to be real tomato, the edge is crispy and slightly charred, and the topping is satisfactory. We’re not talking about a pizza from Speranza or Cantina de Napoli, but there isn’t a piece left.

The next day, we went to visit a castle in the city of Malahide. What caught my attention the most was that the property had remained in the hands of the same family (the Talbots) for 800 years. Brazil, post-Cabral, has only been around for 524 years. The way things are going, Brazil may not last another hundred years because we are burning everything down. One day, we will manage… Imagine a single family maintaining their property for eight centuries. Okay, it’s a stone castle, cold and damp, full of ghosts, but tell me, which castle doesn’t have ghosts?

 


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