![]() |
Um em cada três presos brasileiros responde por tráfico de drogas (foto BBC) |
Não é fácil. Enxugar gelo é uma das tarefas mais inglórias, reservadas à humanidade. Parece que você está fazendo a coisa correta, mas peca pela inutilidade da ação. O Brasil tem hoje 832.295 presos, segundo o Infopen. Vinte e cinco por cento da população carcerária estão atrás das grades por tráfico de drogas. Um em cada três presos responde por tráfico. Se a gente tiver a paciência de selecionar as principais notícias da mídia, envolvendo confrontos armados, vamos chegar à conclusão que é sempre a mesma história: o tráfico por trás da violência.
Durante quantos anos mais vamos ligar a TV, pegar o jornal, ligar o rádio e ouvir sempre a mesma ladainha, a mesma insuportável ladainha: "Traficantes armados trocaram tiros com a polícia nesta manhã..."; "Traficantes disputam ponto de droga", "Traficantes e milicianos disputam posse de comunidade carioca"?
O governo destina 1 bilhão e meio de reais anualmente para NÃO acabar com o tráfico de drogas. É um dinheiro jogado na lata de lixo. As polícias federais, estaduais, rodoviárias, civis empregam milhares de horas de serviço no combate às drogas. Apreendem uma tonelada de maconha naquele caminhão. Encontram duas toneladas de cocaína debaixo de um navio. Vão correndo atrás do prejuízo. Eles ganham uma ou outra batalha e perdem a guerra. Perdem a guerra, porque as pessoas querem se drogar. Querem usar cocaína, maconha, ecstasy, crack, sei lá mais o quê. Elas querem a droga. Precisam da droga. Então, não adianta enxugar o gelo. As pessoas vão continuar se drogando. São cinco milhões de brasileiros, entre 210 milhões, que consomem drogas. Ou seja, 2,3 por cento da população precisam de drogas para aguentar o tranco.
Existe o traficante, porque existe o consumidor de droga. Onde há oferta...
Até quando esse jogo de esconde-esconde continuará? A solução seria continuar reprimindo o tráfico (ação que qualquer marciano idiota acharia que se trata de uma estupidez), ou buscar outra possibilidade?
É simples: os meios policiais repressivos não conseguem impedir o tráfico de drogas. Eles podem inibir, minimizar, mas a droga vai continuar chegando ao usuário.
Seria o momento de compreender que tudo que se fez até agora não deu certo. Não funcionou. Não atingiu os objetivos. A droga continua sendo negociada e ponto final.
Como sou uma pessoa simplista e ingênua, acredito que o governo deveria abrir farmácias de venda de drogas, com preços acessíveis, do tipo "genérico". Empregos seriam criados. Impostos, arrecadados e os usuários deixariam de fortalecer o crime organizado, as facções, os milicianos, aquela desgraça toda que a gente se "acostumou" a tomar conhecimento.
Mês passado estive no bairro Alto, em Lisboa, visitando uma loja de venda de produtos de maconha. Tem cerveja, chá, bolacha, vaporizadores, cookies, chocolate... Os consumidores entram. Escolhem o produto que desejam. Vão até o caixa. Pagam e saem com sua compra, sem precisar subir em favela, levar tiro de PM, driblar traficante armado de fuzil. A loja é limpa. Confortável e atraente. Bem verdinha.
Mas no Brasil isso não deve ocorrer. Aqui, vamos continuar "proibindo" as drogas, dando tiro a esmo, matando crianças e enriquecendo os criminosos.
Outra forma de enxugar gelo, que o brasileiro faz questão de manter, é permitir que as motocicletas trafeguem pelo corredor. Hoje, até o final do dia, vão morrer quatro motociclistas. As motos foram as principais responsáveis por acidentes de trânsito no Brasil, em 2022. Setenta por cento dos acidentados de moto ficam com algum problema na perna, ou na pior opção tornam-se deficientes. Mesmo assim até hoje as autoridades de trânsito do Brasil recusam-se a encarar o problema de frente. Mantém o sinal verde para os motoqueiros criarem sua própria lei de trânsito. E a lei de trânsito do motoqueiro vale tudo: sinal verde, vermelho e amarelo é tudo igual, significa que ele pode seguir sempre em frente; mão e contramão não existem, todas as ruas são mãos; calçada também serve de pista de rolamento; pode ultrapassar pela direita, pela esquerda, pelo meio. É uma farra. É uma casa da mãe joana que faz vítimas diárias. Nos Estados Unidos, com exceção da Califórnia, é proibido trafegar no corredor dos veículos. Também é proibido trafegar pelo corredor na Alemanha, França e Itália.
Aqui, a gente vai continuar enxugando gelo. Somos bons pra caramba nisso.