terça-feira, 14 de março de 2023

Nikolas Ferreira e o privilégio da ignorância


No Dia Internacional da Mulher, o deputado usou peruca


No Dia Internacional da Mulher, 8 de março, o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG) subiu à tribuna e pôs uma peruca loira. Em seu discurso, homenageou as mulheres, saindo "em defesa" delas.

Se alguém estranhou o gesto cênico saiba que o objetivo foi elogiável: o parlamentar está em uma cruzada para salvar o sexo feminino das falsas mulheres, salvá-las daqueles homens que usam saia, calcinha e sutiã. Alguns homens chegam ao cúmulo de colocar silicone, ganhar seios e ainda querem usar o banheiro feminino, imagine você.

Acompanhe a fala do nobre deputado:

"Para vocês terem ideia do perigo que é isso, estão querendo colocar a imposição de uma realidade que não é a realidade (...) Não estou defendendo meu umbigo, mas a sua liberdade. A liberdade, por exemplo, de um pai recusar que um homem de dois metros de altura, um marmanjo, entre no banheiro de sua filha — sem ser considerado transfóbico".

Aos 26 anos (ele fará 27 no dia 30 de maio), o deputado Nikolas Ferreira vive o auge de sua carreira parlamentar. Foi notícia em todo o País. Rapaz favelado, filho de pastor evangélico, bacharel em Direito pela PUC, ganhou notoriedade política ao fechar fileiras com a candidatura Bolsonaro, servindo-a como "youtuber". Eleito com uma votação recorde de 1 milhão e 470 mil votos, transformando-se no deputado mais votado do País, Nikolas Ferreira colocou sobre si uma lente de aumento ao participar de debates, sempre em "defesa das mulheres verdadeiras".

Para Nikolas Ferreira, se você tem pênis, é homem. Se você tem vagina e menstrua, é mulher. Se você pode conceber filhos, é mulher. Se você ejacula, é homem. Simples assim. O mundo de Nikolas Ferreira é uma planície, onde vicejam flores e pastam animaizinhos do bosque encantado.

Nos debates, ele passa a mão na cabeça, em sinal de desespero, como se as suas verdades fossem absolutamente indiscutíveis. "A sra. menstrua?", ele pergunta, sem muita paciência, para a mulher que participa do debate. "Então, a sra. é mulher." 

O deputado não se conforma com a existência do transgênero, daquele ser desconhecido e venusiano, que quer usar saias, calcinha e usar o banheiro feminino. Um disparate!

Nikolas Ferreira vive o privilégio da ignorância. Não se trata aqui de ofendê-lo, mas até de lhe invejar essa capacidade de ignorar outras realidades que não sejam o preto e o branco. Não há cinza no mundo deste nobre parlamentar.

Alguém poderia esclarecer o deputado transfóbico que sexo biológico e gênero são coisas diferentes. Que você pode ter nascido com pênis, mas não se sente homem. Ao contrário, as roupas e o comportamento masculino lhe são agressivas. Essa pessoa preferia não ter pênis, mas uma vagina. Não ter peito liso, mas seios protuberantes. Não ter pelos, não ter bigode. Esses "homens" não são homens, caro deputado. São mulheres trans. São mulheres "de alma", se a gente pudesse apelar para algo mais "metafísico" e insubstancial. 

Há também as mulheres que não sentem adequadas ao próprio corpo. Elas procuram cirurgias para a retirada das mamas. Tomam hormônios para deixar crescer pelos, barba. Elas não são mulheres, nobre parlamentar. São homens trans. 

Quem é essa gente, nobre deputado? De que mundo eles vieram?

O deputado nem imagina. Para usar a metáfora platônica, infelizmente sempre atual, está em sua caverna agarrado às sombras. Em sua ignorância, as sombras que aparecem na entrada da caverna são sua única realidade. Se ele saísse, ficaria cego, é claro, pela luminosidade do mundo real. Aos poucos, quando seus olhos fossem se acostumando à claridade, ele veria um mundo diverso daquele que imaginava. 

Um mundo diversificado, onde nem sempre nascer com pênis significa que a pessoa seja obrigada a se sentir homem; e nem sempre nascer com vagina a obriga a viver como mulher. A natureza do homem é diferente das demais naturezas. 

Sexo biológico e gênero são antípodas. Nikolas Ferreira não teve essa disciplina em seu curso superior. Nunca leu Paul B. Preciado e Judith Butler. 

Mas, cá entre nós, politicamente, é mais fácil e recompensador chafurdar na ignorância. Foi ela quem lhe deu 1 milhão e 470 mil votos, a mesma ignorância que o transformou no "deputado federal mais votado do País".

       

 

 

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