Este ano, as chamadas eram todas na base do: "Divirta-se, mas tome cuidado. Esconda seu celular dos criminosos". Eram entrevistados personagens que ensinavam como esconder o aparelho entre as coxas, no meio da bunda, em bolsos escamoteados sob uma barriga falsa. A polícia não dá mais conta da bandidagem e transfere a culpa do assalto para a vítima. "Ah, ele levava o celular dentro da mochila. Não pode. Tem de esconder mais", "ah, ele estava com os vidros do carro abertos"...
Desculpe, é nosso direito carregar o celular onde a gente quiser. Até mesmo atrás da calça, como as mocinhas atrevidas costumam fazer ao envergar shorts sumários com a cabecinha do celular aparecendo no bolsinho, sem que sejamos punidos por isso. Por que cabe à população pagar seus impostos e não ter a mínima, a mais insignificante parcela de tranquilidade?
Não basta trancar a porta. Tem de instalar alarme. Precisa pôr câmera. Precisa contratar aqueles "guardas" de quarteirão, que ficam andando de moto à noite, fazendo com a buzina "uó, uó, uó". É necessário entrar para grupo de WhatsApp dos vizinhos, para ficar de sobreaviso. A qualquer momento, o ataque pode ocorrer.
Essa é uma época estranha, porque, do nada, de repente, começa tocar uma música e as pessoas ficam pulando, gritando, cantando, rebolando. Saem uns atrás dos outros, em meio a uma música em volume ensurdecedor. Um ser desavisado, que viesse de outro mundo, acharia que tinha desembarcado em um hospício. Imagine: o sujeito está parado, conversando normalmente. Em segundos, começa a pular, gritar, gesticular. Beija e é beijado. Apalpa e é apalpado. É uma alegria pouco espontânea. É uma alegria com hora marcada.
E não há o que comemorar. Essa gente está tão feliz assim por quê? O que é tão maravilhoso assim em sua existência que a leva a ficar em estado de estupefação por três dias (na realidade, são bem mais do que três)? Quer esquecer os problemas? Mas os problemas estão aí. Bem diante dela. Vão continuar existindo e importunando. Não adianta sair pulando, para depois cair na real.
Precisa dessa época do ano para transar, para "passar o rodo"? Isso está mais para anos 50 do que para século 21. Sexo deixou de ser pecaminoso em 1968. Nos anos seguintes, predominou a regra do "não tem tu, vai tu mesmo".
Na TV, pode até existir algo mais entorpecedor e narcotizante que os desfiles, mas desconheço. Dizem que é diferente, mas ao ouvido leigo as músicas parecem todas iguais e cantadas pela mesma pessoa, no mesmo ritmo, na mesma entonação. Um dos enredos fala em Lampião, "o rei do cangaço". É incompreensível que um ladrão de estrada, seguido por um bando de desvalidos armados, vestidos com roupas de couro e cavalgando burros e mulas, possa ser personagem de algum enredo. O enredo, por sinal, fala de Céu, Inferno, Padre Cícero. Diz que Lampião foi expulso do Inferno pelo demônio e tentou entrar no Céu, disfarçado de Padre Cícero. É tão infantil, tão bisonho, tão pouco reflexivo, sem qualquer profundidade filosófica, que a gente perde até a esperança em dias melhores.
São dias em que as musas andam com bandeiras coloridas, envergando roupas sumárias e sapato de salto alto. Imagine os pés da musa depois de horas sambando no asfalto com aquele sapato de desfile de passarela? Até recentemente, as musas usavam biquínis. Depois, se livraram da parte de cima. Faziam topless. Agora, usam tapa-sexo ou biquíni de fita isolante. As que fazem topless hoje em dia perdem o marido. Foi o caso de uma certa Mulher Mamão ou Abacaxi ou Jaca. Algo nessa linha hortifruti. Ela mostrou os seios na avenida e o marido puxou o carro.
Nesses dias de muito ruído e pouca inteligência, as TVs costumam ficar sem material para seus telejornais. Não há notícia em política, nem economia, nem nada estreando no circuito cultural. É um momento de espera. O ano vai começar depois... Só que este ano foi diferente. Os telejornais dividiam o espaço entre o bando que saltitava com a desgraça dos deslizamentos no litoral de São Paulo. Saía de cena o sujeito fantasiado e entrava um desgraçado com lama até a cintura. Chegam os especialistas e, no resumo da ópera, falam o óbvio: a ocupação do espaço foi feita sem planejamento, com a omissão do poder público e a voracidade dos grileiros de sempre.
Mas não esquenta. Ano que vem tem mais. Tem mais desfiles, mais blocos, mais alegria cronometrada e mais desgraça nos dilúvios. Também cronometrada.
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