Estamos mal de representantes políticos. Muito mal. Quando a gente mais necessitava de lideranças, caímos em um cadafalso de luminares da mediocridade. Lá em Brasília... Ah, Brasília... Nosso querido presidente fez o possível e o impossível para destruir sua popularidade. E conseguiu. Parabéns. Pesquisas mostram que ele é o mandatário com a pior avaliação, em apenas um ano e três meses de governo. 40% dos brasileiros o consideram “ruim” ou “péssimo”. “Os outros não entenderam a pergunta”, brincou o colunista José Simão.
Aqui, em São Paulo, de onde teclo para os meus três
seguidores (oi mãe, oi filhos), em meio à pandemia, tivemos um momento de “falta
de decoro”. Decoro, de acordo com o dicionário, seria “decência no agir e no
falar”; “seriedade nas maneiras”; “compostura”.
O nobre deputado Fernando Cury (Cidadania), eleito
com 100 mil votos, assumiu seu segundo mandato em 15 de março de 2019. Em meio
a uma sessão legislativa, ele alisou (apalpou?) os seios da deputada Isa Penna.
Deu o maior bafafá. A nobre deputada pediu a cassação do mandato de Cury. O
caso foi para a Comissão de Ética que decidiu suspender o deputado por 111 dias. Se fossem 120 dias, ele não poderia manter o gabinete aberto na Assembleia Legislativa.
Cury é filho do ex-prefeito de Botucatu Antonio
Jamil Cury. O irmão dele, João Cury, também foi prefeito de Botucatu. A cidade é uma
espécie de capitania hereditária.
Por onde a gente andava, em Botucatu, em época de
eleição, tinha poste com banner do então candidato a deputado Fernando Cury (veja foto). Eu
o conheci pessoalmente em reunião, durante um evento esportivo/cultural daquela
região. Ele discursou. Foi aplaudido. Abraçado (na época, a gente podia abraçar
e até beijar os candidatos). E foi embora. Não levou com ele o meu voto. Sinceramente,
não senti firmeza, como se diz no boteco do seu Jair.
Durante a pugna que antecedeu a suspensão do nobre
deputado Fernando Cury, os colegas do parlamentar chamaram a atenção para
momentos do que eles consideraram “falta de decoro” da deputada Isa Penna,
eleita pelo PSOL, representando a Mandata Coletiva e Feminista.
Na eleição para a Prefeitura de São Paulo, Isa Penna
fez um vídeo para levantar a candidatura de Guilherme Boulos, seu colega do
PSOL. No vídeo em questão (https://www.youtube.com/watch?v=XD7B8k1hNIg),
assistido com vivo interesse pelos parlamentares e por outros 66 mil 150 mortais, a
deputada Isa Penna dança um funk. Está com uma roupa de ficar em casa (talvez
um pijama). Durante a música, ela rebola e mostra a bunda, em close, para a
câmera. Se minha querida avozinha viva estivesse (que a terra lhe seja leve), diria
que a deputada foi “indecorosa”.
Devo constatar aos que me conhecem na intimidade,
que não sou uma pessoa que apoia o decoro. Sou mesmo indecoroso. Todos os dias.
A maior parte do tempo. O fato é que não sou deputado, ninguém votou em mim,
nem nunca irá votar, porque candidato jamais serei. Portanto, danço mesmo funk
em casa, mas não gravo vídeo, nem mando minha bunda para o restante da
humanidade, que já tem desgraças demais para aturar, além do meu traseiro
sofrido.
Na rede social, não faltaram comentários:
“Caraiiiii nobre deputada.....tá sensualizando bem
hein! Quebra tudo...quebra tudo!”
“Eita que aqui em Pernambuco não tem uma deputada
dessa”.
“Muito legal a pessoa gostar de dançar. Eu também
faço isso, porém não dá pra entender a mensagem que se passa com relação à
proposta política do candidato”.
“Vossa excelência está um regasso (sic) nesse vídeo.
Gostei.”
Não foi o único momento de “falta de decoro”, apontado com o dedo duro pelos nobres parlamentares. Eles lembraram um momento constrangedor, para eles, em que Isa Penna decidiu homenagear as putas e leu um poema da jovem poetisa Helena Ferreira, então com 18 anos, intitulado "Sou puta, sou mulher":
Quando uso a boca vermelha
Meu salto agulha E meu vestido preto.
Sou puta: Mordo no final do beijo
Não fico reprimindo desejo
E nem me escondo na aparência de menina.
Sou uma puta de primeira
Acordo às 6:30
Pego ônibus debaixo de chuva
Não dependo de salário de macho
E compro a pílula no final do mês.
Sou uma puta com P maiúsculo
Dispenso o compromisso
Opto pela independência
Não morro de amor
Acordo sozinha
Cresço sozinha
Vivo na minha
Bebo em um bar de esquina
Vomito no chão da cozinha.
Sou uma putinha
Passo a noite em seus braços
Mas não me prendo no laço
Que você quer me prender.
Sou puta
Você tem o meu corpo
Porque eu quis te dar
E quando essa noite acabar
Eu não vou te pertencer
E se de mim você falar
Eu não vou me importar
Porque um homem que não me faz gozar
Nunca terá meu endereço.
E não é gozo de buceta
É gozo de alma
É gozo de vida
É me fazer sentir amada
Valorizada
E merecida
E se de puta você me chamar
Eu vou agradecer.
Porque a puta aqui foi criada
Por uma puta brasileira
Que ralava pra sustentar os filhos
E sofria de racismo na feira
Foi espancada e desmerecida
E mesmo sofrida
Sorria o dia inteiro
Uma puta mulher ela foi
E puta também eu quero ser.
Porque ser mulher independente
Resolvida
Segura
Divertida
Colorida
E verdadeira
Assusta os homens
E os machos
Faz acontecer um alvoroço.
Onde já se viu mulher com voz?
Tem que ser prendada e educada
E se por acaso for "amada"
Tem direito de ser morta pelo parceiro
Cachorra adestrada pelo povo brasileiro
Sai pelada na revista
Excita
Dança
Bate uma
Cai de boca
Mama ele e os amigos
E depois vai ser encontrada num bueiro
Num beco
Estuprada
Porque tava de batom vermelho
Tava pedindo
Foi merecido
E se foi crime "passional"
Pobre do rapaz
Apaixonado estragou a própria vida.
Por isso que eu sou puta
Porque sou forte
Sou guerreira
Não sou reprimida
Nem calada
Sou feminista
Sou revoltada
Indignada
E sou rotulada assim
Como PUTA!
Então que eu seja puta
E não menos do que isso”.
A leitura foi feita na casa das leis, em uma sessão normal, onde
se discutia aquelas coisas chatas de sempre: verbas, projetos, orçamentos...
De camiseta vermelha (vermelha mesmo, do tipo comunista, confira a foto), com a
inscrição no peito “Lute como uma garota”, Isa Penna pegou o microfone e mandou
bala na poesia. Foi um deus nos acuda. O presidente apertava a campainha.
Vossas excelências reclamavam, pediam que ela ficasse quieta, que parasse de
falar tanta putaria naquela casa séria, de leis e trabalho honesto.
Foi um momento de
afronta, é claro. Ela fez questão de criar constrangimento, para atacar a
hipocrisia dos homens que ali estavam e que, talvez, quem sabe, em algum
momento de sua existência viril, tivessem usado os préstimos de garotas de
programas, de mulheres de vida fácil, ou como a poesia simplificou, com o
perdão da palavra, putas mesmo.
Ao reagir à agressão
sexual do deputado Fernando Cury, Isa Penna protestou:
“Sou uma autoridade e
mesmo assim eles não me respeitam”.
Por 5 a 4 (votação
apertada), o Conselho de Ética da Assembleia Legislativa votou pela pena mais
branda, mantendo as benesses do cargo para Fernando Cury, “pai, deputado, que é família, que é
marido de uma só mulher, uma pessoa que ama sua esposa, um cara carinhoso”,
como bem disse vossa excelência o deputado Wellington Moura, ao sair em defesa do
colega.
Em artigo publicado no Uol, Isabela Del Monde,
advogada da rede feminista de juristas, defendeu a parlamentar apalpada
e atacou os integrantes do Conselho de Ética da Assembleia Legislativa:
“Um já foi apontado por violência doméstica e
intimidação de colega deputada; outro votou pela punição de Isa Penna por ter
recitado um poema em homenagem a trabalhadoras sexuais; o terceiro é pastor
evangélico, quer impedir que se fale de gênero nas escolas e teve suas contas
das eleições de 2018 reprovadas; já o quarto responde a três ações na Justiça
de São Paulo por improbidade administrativa; e o último já foi investigado por
nada mais nada menos que tortura! Esse é um breve resumo, feito aleatoriamente,
de parte da trajetória de Adalberto Freitas (PSL), Alex de Madureira (PSD),
Delegado Olim (PP), Estevam Galvão (DEM) e Wellington Moura (Republicanos), os
cinco deputados que votaram para diminuir a pena de Fernando Cury”.
Os quatro parlamentares que votaram pela condenação de Cury e saíram derrotados foram: o relator Emídio Souza (PT),
a deputada Erica Malunguinho (PSOL), Barros Munhoz (PSDB) e a presidente Maria
Lúcia Amaray (PSDB).
Em sua análise, a advogada feminista Isabela Del Monde
discutia os argumentos dos deputados, que haviam votado pela punição mais leve,
que apregoavam: “Como ela pode exigir respeito, se não se dá o respeito”. Era
uma referência de suas excelências, é claro, ao vídeo funkeiro e à insólita homenagem
às putas.
Isabela Del Monde afirmava:
“No mundo da masculinidade, torturar, intimidar e tocar sem
consentimento o corpo de uma mulher são condutas corriqueiras”.
Nesse ponto, com a devida vênia, a nobre advogada Isabela Del
Monde generaliza e pisa no tomate. Ela situa todos os homens “no mundo da
masculinidade” e coloca todos os integrantes do sexo masculino como adeptos da
tortura e da intimidação.
E os homens de bem, doutora? E os Amélios da vida? Aqueles
homens que amam suas mulheres, que cozinham para elas, que as tratam com
carinho e devoção. Onde eles estão, doutora? Como a senhora pode ter se
esquecido deles? Ah, doutora, quantos crimes a gente comete quando generaliza.
Enfim, como me disse certa vez Bob Marley, “política não me
interessa, política é negócio do demônio”.
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