Virginie Despentes e Paul Beatriz Preciado
Um apartamento em Urano - Crônicas da Travessia, do espanhol Paul Beatriz Preciado, chega às livrarias pela Editora Zahar. O livro traz artigos publicados por Preciado no jornal francês Libération, entre 2010 e 2018.
Nesse período, Preciado fez a transição de Beatriz para Paul. Ele discorre sobre as mudanças no corpo, com aplicações de testosterona (alteração da voz, surgimento de pelos), e a discrepância entre o sujeito legal (o passaporte trazia o nome Beatriz) e a nova pessoa que nascia (Paul).
Também nesse período Preciado, que é filósofo, separou-se de Virginie Despentes, autora do controverso romance Baise-moi (Me fode), que virou filme e foi censurado pelo Conselho de Estado da França.
Um apartamento em Urano refere-se a um sonho que o autor teve com uma artista plástica sobre o melhor lugar para se viver. A artista dizia que teria um apartamento em Marte, mas manteria um pied-à-terre em Saturno, abandonando o apartamento em Urano por ser "longe demais".
O sonho reflete, é claro, o nomadismo de Preciado que escreveu suas crônicas para o Libération de diferentes lugares do mundo (Nova York, Buenos Aires, Paris, Barcelona, Lesbos, Atenas, entre outras localidades). Os textos foram produzidos em quartos de hotel e em aeroportos.
Como o autor explica na Introdução, o título do livro tem como referência a história da homossexualidade e sua imbricação com o planeta Urano, descoberto por William Herschel, que morreu aos 84 anos, "exatamente o tempo necessário para Urano completar sua volta em torno do Sol".
Na mitologia grega, Urano era casado com sua mãe, Gaia. Eles tiveram vários filhos (Oceano, Tempo e Memória). Urano costumava matar os filhos, assim que nasciam. Por isso, Gaia pediu para Chronos (O Tempo) castrar o pai. "Dos genitais amputados de Urano nasceu Afrodite, a deusa do amor". Assim, Afrodite não nasceu de uma relação heterossexual. Haveria, então, outra forma de concepção.
Preciado lembra que coube ao jurista alemão Karl Heinrich Ulrichs criar o termo "uranista", para explicar a existência do "terceiro sexo". Em 28 de agosto de 1867, "diante de 500 juristas, membros do Parlamento alemão e um príncipe bávaro", Ulrichs pede a palavra e confessa: "Eu sou uranista". Como "prêmio", foi condenado à prisão e teve seus livros censurados.
"Ulrichs foi, portanto, um dos primeiros cidadãos europeus a declarar publicamente que queria um apartamento em Urano", observa Preciado.
Em 6 de maio de 1868, o militante e defensor das minorias sexuais Karl Maria Kertbeny escreve uma carta a Ulrichs e cria a palavra "homossexual", como referência ao termo "uranista".
Kertbeny defende as relações "homossexuais", dizendo que significavam outra forma de amar. Semelhante à dos "heterossexuais", outro termo criado por Kertbeny.
As crônicas para o Libération eram assinadas por Beatriz Preciado. Mais tarde, quando o Estado espanhol reconhece sua transição sexual, ele passa a assinar como Paul B. Preciado.
Em uma das crônicas, ele conta que, em 16 de novembro de 2016, o Boletim Nacional de Nascimentos da Espanha inclui, entre os "recém-nascidos" Paul Beatriz Preciado. Para "renascer" como homem, Preciado precisou entregar sua certidão de nascimento, que foi destruída pelo estado. Ele procurou no mesmo Boletim, que traz também a relação dos mortos, o nome de Beatriz Preciado, mas não tinha sido incluído.
"Poderia estar, porque para certificar a mudança legal de sexo foi necessário destruir a certidão de nascimento, feita por meu pai, escrita e assinada em 11 de setembro de 1970".
"Assim presencio minha morte e meu renascimento legal. Sou ao mesmo tempo um cadáver e um recém-nascido legal."
No artigo A amnésia do feminismo, Preciado refaz a origem do termo, que remonta a 1871, "inventado pelo jovem médico francês Ferdinand-Valère Faneau de la Cour, em sua tese de doutorado Feminismo e infantilismo nos tuberculosos".
Neste trabalho acadêmico, Ferdinand de la Cour observa que o homem tuberculoso tem traços femininos:
"Cabelo e as sobrancelhas finas, cílios longos e finos, como os das mulheres, a pele é branca (...) os contornos do corpo mostram uma suavidade notável, ao mesmo tempo que articulações e músculos combinam sua ação para dar aos movimentos aquela flexibilidade, aquele não sei quê ondulante e elegante que é próprio do gato e da mulher".
No ano seguinte, o escritor e jornalista Alexandre Dumas filho (autor de A Dama das Camélias, entre outros) utiliza o termo, inventado pelo médico, para menosprezar os homens que eram favoráveis ao direito de voto das mulheres. Esses homens sufragistas, pró-mulheres, foram chamados por Alexandre Dumas filho de "feministas".
"As primeiras feministas eram, portanto, homens: homens que o discurso médico considerava anormais por terem perdido seus 'atributos viris', mas também homens acusados de feminizar-se, em razão de sua proximidade com o movimento político das cidadãs", situa Preciado.
Ao longo do livro, antes de obter o documento que o identificava como homem, Preciado relata as dificuldades que um transgênero encontra diante das instâncias legais. A principal delas: o momento de apresentar seu passaporte a um agente alfandegário.
Preciado entregava o documento que trazia uma foto, em que ele ainda era mulher, e o agente olhava para ele, em processo de transição, olhava para a foto. Olhava novamente. E dizia: "Essa não é você".
O constrangimento estendia-se a uma revista que era feita por uma agente, que precisava tocar seus genitais para comprovar que havia ali uma vagina. E, portanto, o passaporte dizia a verdade.
O autor relembra os anos 1990 quando passava os verões na ilha de Lesbos:
"A primeira imagem da praia de Eresou permanece intacta em minha memória como um hino à utopia, como um apelo à revolução. Era o impossível feito realidade: um quilômetro de areia e mar habitado apenas por quinhentas lésbicas nuas".
"À tarde, no pôr do sol, formávamos dois times para jogar vôlei: as 'machonas' e as 'mulherzinhas'. De um lado, as dinamarquesas, alemãs e inglesas, com o cabelo raspado, os ombros quadrados esculpidos pela natação e tatuados com lábris (machado que representa a bandeira lésbica); do outro, as italianas, gregas e francesas, de cabelos compridos e braços dourados e ágeis. O norte contra o sul."
De volta a Lesbos, em 2016, não há mais lésbicas nuas nas praias. Preciado encontra um lugar militarizado, vigilante, marcado pela "criminalização da imigração".
A ex-mulher de Preciado, Virginie Despentes, ganhou fama ao publicar Baise-moi, quando tinha 24 anos. Ex-punk, ex-prostituta, ex-funcionária de supermercado, Virginie nasceu em Lyon, na França. É autora de várias obras, entre elas Teoria King Kong.
Teoria King Kong começa com uma pancada certeira:
"Escrevo a partir da feiura e para as feias, as caminhoneiras, as frígidas, as mal comidas, as incomíveis, as histéricas, as taradas, todas as excluídas do grande mercado da boa moça. E começa assim para que tudo fique bem claro: não me desculpo de nada, não vim aqui para reclamar. Não trocaria de lugar com ninguém, porque ser Virginie Despentes me parece um assunto muito mais interessante do que qualquer outro".
Teoria King Kong é um ensaio/manifesto feminista, dividido em sete textos, repletos de provocação, como: "Eu te fodo ou você me fode?", "Impossível estuprar esta mulher cheia de vícios", "King Kong girl".
Em um dos ensaios, Virginie relembra a época em que viajava de carona, com o cabelo pintado, minissaia, meias rasgadas e tênis All Star. Ao retornar de uma viagem, na marginal que rodeia Paris, ela e uma amiga foram estupradas por três garotões, armados de espingarda. Esse estupro é uma espécie de marco fundador no feminismo de Virginie. Incapaz de falar sobre o ocorrido, ela só encontrará consolo ao topar com um artigo da feminista americana Camille Paglia na revista Spin.
Diferentemente de adotar uma postura de vítima, Camille Paglia sugere às mulheres vítimas de estupro que esse é o preço que se paga por sair da proteção da asa paterna:
"Trata-se de um risco inevitável, um risco que as mulheres devem levar em conta e aceitar correr se desejam sair de casa e circular livremente. Se isso acontecer com você, levante a cabeça, dust yourself e dê a volta por cima. E se isso te amedrontar demais é melhor ficar na casa do papai e da mamãe fazendo as unhas".
Virginie faz também sua mea-culpa:
"Sim, havíamos sobrevivido ao invés de morrer. Sim, usávamos minissaias sem estarmos acompanhadas de um cara, de noite, sim, fomos estúpidas e fracas e incapazes de quebrar a cara deles".
Mais adiante, a autora sugere uma invenção tecnológica para atacar estupradores:
"É surpreendente que, em 2006, enquanto um monte de gente desfila com minúsculos computadores de bolso, com câmeras fotográficas, com telefones, com agendas, com música, ainda não exista nenhum objeto que a gente possa enfiar na buceta quando sai para dar uma volta, algo que deixasse em pedaços o caralho do primeiro imbecil que tentasse se enfiar lá dentro sem permissão".
No texto Dormindo com o inimigo, Virginie relembra a época em que se prostituiu, em Lyon e Paris. Ela arrumava os clientes pelo minitel (videotexto popular na França, antes da internet). Ganhava muito dinheiro. Vestia-se como "gostosona", com salto alto, vestido justo e maquiagem. Havia pouca concorrência e os clientes eram toleráveis. A autora sai em defesa da prostituição:
"Durante todo o primeiro ano, adorei o trabalho. Porque o dinheiro era mais fácil do que em outros lugares, mas também porque me permitiu experimentar quase tudo o que me intrigava, me excitava, me perturbava ou me fascinava, sem esquentar muito a cabeça e sem todos os julgamentos morais".
Em outro momento, diz:
"Impedir o exercício da prostituição dentro de circunstâncias legais adequadas é especificamente impedir que a classe feminina enriqueça, que tire proveito de sua própria estigmatização".
Sobre os filmes pornográficos, Virginie lembra que o então presidente francês Valéry Giscard d' Estaing proibiu o cine pornô nos anos 1970, não porque houvesse qualquer demanda popular nesse sentido, mas em razão do enorme sucesso que o pornô obtinha na época:
"A moral protegida é aquela que pretende que só os dirigentes experimentam uma sexualidade lúdica. O povo deve ficar bem tranquilo, muita luxúria sem dúvida atrapalharia sua dedicação ao trabalho".
Enfim, para aqueles que quiserem entender melhor o tema, para tomar contato com novos autores e autoras feministas, Um apartamento em Urano e Teoria King Kong podem ser pontos de partida interessantes.
Pessoalmente, por mera curiosidade, gostaria de saber mais sobre como Paul Beatriz Preciado, mestre em filosofia e teoria de gênero pela New School Research de Nova York e doutor pela Universidade de Princeton (EUA), apaixonou-se por uma antípoda "casca grossa", como a própria Virginie Despentes se define. Algo somente explicável pelas circunavegações insondáveis próprias do amor.
Lectures lesbiennes et féministes
Un appartement sur Uranus - Chroniques de la traversée, de l'espagnol Paul Beatriz Preciado, arrive en librairie chez l'éditeur Zahar. Le livre rassemble des articles publiés par Preciado dans le journal français Libération entre 2010 et 2018.
Durant cette période, Preciado a effectué sa transition de Beatriz à Paul. Il évoque les changements corporels, avec des injections de testostérone (mue de la voix, apparition de poils), et la discordance entre le sujet légal (le passeport portait le nom de Beatriz) et la nouvelle personne qui naissait (Paul).
C'est également durant cette période que Preciado, philosophe, a divorcé de Virginie Despentes, autrice du roman controversé Baise-moi, adapté au cinéma et censuré par le Conseil d'État français.
Un appartement sur Uranus fait référence à un rêve que l'auteur a eu avec une artiste plasticienne sur le meilleur endroit où vivre. L'artiste disait qu'elle aurait un appartement sur Mars, mais garderait un pied-à-terre sur Saturne, abandonnant l'appartement sur Uranus car "trop loin".
Le rêve reflète, bien sûr, le nomadisme de Preciado, qui a écrit ses chroniques pour Libération depuis différents endroits du monde (New York, Buenos Aires, Paris, Barcelone, Lesbos, Athènes, entre autres). Les textes ont été produits dans des chambres d'hôtel et des aéroports.
Comme l'auteur l'explique dans l'introduction, le titre du livre fait référence à l'histoire de l'homosexualité et son lien avec la planète Uranus, découverte par William Herschel, mort à 84 ans, "exactement le temps nécessaire à Uranus pour faire le tour du Soleil".
Dans la mythologie grecque, Uranus était marié à sa mère, Gaïa. Ils eurent plusieurs enfants (Océan, Temps et Mémoire). Uranus avait l'habitude de tuer ses enfants dès leur naissance. Ainsi, Gaïa demanda à Chronos (le Temps) de castrer son père. "Des organes génitaux amputés d'Uranus naquit Aphrodite, la déesse de l'amour". Ainsi, Aphrodite ne naquit pas d'une relation hétérosexuelle. Il y aurait donc une autre forme de conception.
Preciado rappelle que c'est au juriste allemand Karl Heinrich Ulrichs que revint la création du terme "uraniste", pour expliquer l'existence du "troisième sexe". Le 28 août 1867, "devant 500 juristes, membres du Parlement allemand et un prince bavarois", Ulrichs demanda la parole et confessa : "Je suis uraniste". En "récompense", il fut condamné à la prison et ses livres furent censurés.
"Ulrichs fut donc l'un des premiers citoyens européens à déclarer publiquement qu'il voulait un appartement sur Uranus", note Preciado.
Le 6 mai 1868, le militant et défenseur des minorités sexuelles Karl Maria Kertbeny écrit une lettre à Ulrichs et crée le mot "homosexuel", en référence au terme "uraniste".
Kertbeny défend les relations "homosexuelles", disant qu'elles représentent une autre façon d'aimer. Similaire à celle des "hétérosexuels", un autre terme créé par Kertbeny.
Les chroniques pour Libération étaient signées par Beatriz Preciado. Plus tard, lorsque l'État espagnol reconnaît sa transition sexuelle, il signe désormais Paul B. Preciado.
Dans l'une des chroniques, il raconte que, le 16 novembre 2016, le Bulletin National des Naissances d'Espagne inclut, parmi les "nouveau-nés", Paul Beatriz Preciado. Pour "renaître" en tant qu'homme, Preciado a dû remettre son acte de naissance, qui a été détruit par l'État. Il a cherché dans le même Bulletin, qui contient également la liste des morts, le nom de Beatriz Preciado, mais il n'y figurait pas.
"Je pourrais y être, car pour certifier le changement légal de sexe, il a fallu détruire l'acte de naissance, rédigé par mon père, écrit et signé le 11 septembre 1970".
"Ainsi, j'assiste à ma mort et à ma renaissance légale. Je suis à la fois un cadavre et un nouveau-né légal."
Dans l'article L'amnésie du féminisme, Preciado retrace l'origine du terme, qui remonte à 1871, "inventé par le jeune médecin français Ferdinand-Valère Faneau de la Cour, dans sa thèse de doctorat Féminisme et infantilisme chez les tuberculeux".
Dans ce travail académique, Ferdinand de la Cour observe que l'homme tuberculeux a des traits féminins :
"Cheveux et sourcils fins, cils longs et fins, comme ceux des femmes, la peau est blanche (...) les contours du corps montrent une douceur remarquable, en même temps que les articulations et les muscles combinent leur action pour donner aux mouvements cette flexibilité, ce je-ne-sais-quoi d'ondulant et d'élégant qui est propre au chat et à la femme".
L'année suivante, l'écrivain et journaliste Alexandre Dumas fils (auteur de La Dame aux camélias, entre autres) utilise le terme, inventé par le médecin, pour dénigrer les hommes favorables au droit de vote des femmes. Ces hommes suffragistes, pro-femmes, furent appelés par Alexandre Dumas fils des "féministes".
"Les premiers féministes étaient donc des hommes : des hommes que le discours médical considérait comme anormaux pour avoir perdu leurs 'attributs virils', mais aussi des hommes accusés de se féminiser, en raison de leur proximité avec le mouvement politique des citoyennes", situe Preciado.
Tout au long du livre, avant d'obtenir le document qui l'identifiait comme homme, Preciado relate les difficultés qu'un transgenre rencontre face aux instances légales. La principale d'entre elles : le moment de présenter son passeport à un agent des douanes.
Preciado remettait le document qui portait une photo, où il était encore une femme, et l'agent le regardait, en pleine transition, regardait la photo. Regardait à nouveau. Et disait : "Ce n'est pas vous".
L'embarras s'étendait à une fouille effectuée par une agente, qui devait toucher ses organes génitaux pour vérifier qu'il y avait bien un vagin. Et donc, que le passeport disait la vérité.
L'auteur se souvient des années 1990, lorsqu'il passait ses étés sur l'île de Lesbos :
"La première image de la plage d'Eresou reste intacte dans ma mémoire comme un hymne à l'utopie, comme un appel à la révolution. C'était l'impossible devenu réalité : un kilomètre de sable et de mer habité uniquement par cinq cents lesbiennes nues".
"L'après-midi, au coucher du soleil, nous formions deux équipes pour jouer au volley-ball : les 'machos' et les 'femmelettes'. D'un côté, les Danoises, les Allemandes et les Anglaises, aux cheveux rasés, aux épaules carrées sculptées par la natation et tatouées de labrys (hache représentant le drapeau lesbien) ; de l'autre, les Italiennes, les Grecques et les Françaises, aux cheveux longs et aux bras dorés et agiles. Le Nord contre le Sud."
De retour à Lesbos en 2016, il n'y a plus de lesbiennes nues sur les plages. Preciado trouve un lieu militarisé, surveillé, marqué par la "criminalisation de l'immigration".
L'ex-femme de Preciado, Virginie Despentes, a gagné en notoriété en publiant Baise-moi, à l'âge de 24 ans. Ex-punk, ex-prostituée, ex-employée de supermarché, Virginie est née à Lyon, en France. Elle est l'auteure de plusieurs ouvrages, dont Théorie King Kong.
Théorie King Kong commence par un coup franc :
"J'écris à partir de la laideur et pour les laides, les camionneuses, les frigides, les mal baisées, les immangeables, les hystériques, les obsédées, toutes les exclues du grand marché de la bonne nana. Et ça commence comme ça pour que tout soit bien clair : je ne m'excuse de rien, je ne suis pas venue ici pour me plaindre. Je n'échangerais ma place avec personne, car être Virginie Despentes me semble un sujet bien plus intéressant que n'importe quel autre".
Théorie King Kong est un essai/manifeste féministe, divisé en sept textes, remplis de provocation, comme : "Je te baise ou tu me baises ?", "Impossible de violer cette femme pleine de vices", "King Kong girl".
Dans l'un des essais, Virginie se souvient de l'époque où elle faisait du stop, avec les cheveux teints, une minijupe, des chaussettes déchirées et des baskets All Star. Au retour d'un voyage, sur la rocade qui entoure Paris, elle et une amie furent violées par trois jeunes hommes armés d'un fusil. Ce viol est une sorte de marque fondatrice dans le féminisme de Virginie. Incapable de parler de ce qui s'était passé, elle ne trouvera du réconfort qu'en tombant sur un article de la féministe américaine Camille Paglia dans le magazine Spin.
Contrairement à adopter une posture de victime, Camille Paglia suggère aux femmes victimes de viol que c'est le prix à payer pour sortir de la protection de l'aile paternelle :
"Il s'agit d'un risque inévitable, un risque que les femmes doivent prendre en compte et accepter de courir si elles souhaitent sortir de chez elles et circuler librement. Si cela vous arrive, relevez la tête, secouez-vous et passez à autre chose. Et si cela vous effraie trop, il vaut mieux rester chez papa et maman à se faire les ongles".
Virginie fait également son mea-culpa :
"Oui, nous avions survécu au lieu de mourir. Oui, nous portions des minijupes sans être accompagnées d'un mec, la nuit, oui, nous avons été stupides et faibles et incapables de leur casser la gueule".
Plus loin, l'auteure suggère une invention technologique pour attaquer les violeurs :
"Il est surprenant qu'en 2006, alors qu'un tas de gens se promènent avec des mini-ordinateurs de poche, des appareils photo, des téléphones, des agendas, de la musique, il n'existe toujours aucun objet que l'on puisse enfoncer dans le vagin quand on sort se promener, quelque chose qui mettrait en pièces la bite du premier imbécile qui essaierait de s'y foutre sans permission".
Dans le texte Dormir avec l'ennemi, Virginie se souvient de l'époque où elle se prostituait, à Lyon et Paris. Elle trouvait ses clients par le minitel (vidéotexte populaire en France, avant Internet). Elle gagnait beaucoup d'argent. Elle s'habillait en "bombshell", avec des talons hauts, une robe moulante et du maquillage. Il y avait peu de concurrence et les clients étaient tolérants. L'auteure défend la prostitution :
"Pendant toute la première année, j'ai adoré ce travail. Parce que l'argent était plus facile qu'ailleurs, mais aussi parce que cela m'a permis d'expérimenter presque tout ce qui m'intriguait, m'excitait, me perturbait ou me fascinait, sans trop me prendre la tête et sans tous les jugements moraux".
À un autre moment, elle dit :
"Empêcher l'exercice de la prostitution dans des circonstances légales appropriées, c'est spécifiquement empêcher la classe féminine de s'enrichir, de tirer profit de sa propre stigmatisation".
Concernant les films pornographiques, Virginie rappelle que le président français Valéry Giscard d'Estaing a interdit le ciné porno dans les années 1970, non pas parce qu'il y avait une quelconque demande populaire en ce sens, mais en raison de l'énorme succès que le porno obtenait à l'époque :
"La morale protégée est celle qui prétend que seuls les dirigeants expérimentent une sexualité ludique. Le peuple doit rester bien tranquille, trop de luxure sans doute gênerait son dévouement au travail".
Enfin, pour ceux qui souhaitent mieux comprendre le sujet, pour découvrir de nouveaux auteurs et autrices féministes, Un appartement sur Uranus et Théorie King Kong peuvent être des points de départ intéressants.
Personnellement, par simple curiosité, j'aimerais en savoir plus sur la façon dont Paul Beatriz Preciado, diplômé en philosophie et théorie du genre de la New School Research de New York et docteur de l'Université de Princeton (États-Unis), est tombé amoureux d'une antipode "peau dure", comme Virginie Despentes se définit elle-même. Quelque chose qui ne s'explique que par les circonvolutions insondables propres à l'amour.
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