É um filme só. Com três nomes: Mignonnes (em francês), Cuties (inglês) e Lindinhas. Escrito e dirigido pela estreante Maïmouna Doucouré (franco-senegalesa), a produção traça a trajetória da menina Amy (Fathia Youssouf), de 11 anos, que vai morar na periferia de Paris e quer integrar um grupo de dança.
Recém-chegada, ela busca ser aceita
pelas mignonnes, como se autointitula
um grupo de quatro meninas, com a mesma idade dela. Para isso, vai aprender a
dançar o twerk (rebolado), usar short
e miniblusa e postar suas façanhas na rede social.
Desde que foi lançado pela Netflix, o
filme tem sido uma espécie de para-raio, chamando para si a indignação e o
repúdio de políticos conservadores. O senador pelo Texas Ted Cruz classificou a
obra como “pedopornográfica”. Pediu abertura de inquérito no Ministério da
Justiça dos Estados Unidos. Para o senador do Arkansas (outro estado dos EUA)
Tom Cotton trata-se de um filme “repugnante”.
Os conservadores neopentecostais, que
estão no poder no Brasil, não deixaram barato. Leia o que os jornais
publicaram:
“O secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício José da Silva Cunha, do ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, pediu para a coordenadora da Comissão Permanente da Infância e Juventude, Denise Villela, que entre com medidas judiciais para suspender a oferta do filme Cuties aos assinantes da Neltflix Brasil”.
A autora e cineasta Maïmouna (foto), jovem realizadora de 35 anos, deve ter se surpreendido com as reações de cunho moralista. Na prática, seu filme pode ser entendido como tendo um viés conservador por denunciar (mesmo sem ter esse objetivo) a erotização precoce das meninas.
Maïmouna DoucouréA personagem principal – Amy – caminha na fronteira entre dois mundos antípodas. Seu núcleo familiar é muçulmano e está em crise. A mãe de Amy descobre que seu marido vai se casar com outra mulher e trazê-la para viver com a primeira mulher e os filhos na França.
A situação é comum e permitida pela
religião e costumes muçulmanos.
Mesmo assim, a novidade traz dor e sofrimento
para a mãe de Amy. A menina é rebelde e não aceita a vinda do que seria a sua “segunda
mãe”.
A guardiã das tradições é uma tia
idosa que obriga a mãe de Amy a se humilhar e se sujeitar à vontade do marido,
que está vindo do Senegal com a nova mulher.
Para escapar das orações maçantes e dos costumes
milenares, que, na prática, transformam o banlieu
(a periferia) parisiense em um mini Senegal, a menina Amy vai integrar o grupo
das lindinhas (mignonnes).
Ela muda a roupa. Passa a usar a camisa do
irmãozinho (a peça minúscula vira uma miniblusa). Adota um short curtinho.
Rouba o celular de um parente. Acessa a internet, para ter acesso à rede social
e aprender novas coreografias. Passa a assistir vídeos eróticos de dançarinas adultas.
É um momento interessante este, retratado pela
cineasta, porque evidencia a inadequação entre aquilo que as meninas almejam e
o que elas são na realidade. São meninas que gostariam de ser adultas, de serem
vistas como mulheres atraentes.
Essa inadequação acontece em outros momentos da obra. Elas estão se exibindo na rua e atraem a atenção de garotos mais velhos. Quando eles se aproximam, vem a decepção. “Quantos anos vocês têm?”, um deles pergunta.
Elas mentem, aumentando a idade, mas o artifício não funciona. Os meninos
vão embora, para a frustração das lindinhas.
Numa das últimas cenas de dança do filme, esse
desconcerto, entre o que elas gostariam de ser e o que a idade revela, vem na
forma de uma apresentação. As meninas participam de um concurso público, numa
praça. Dançam como bailarinas eróticas do Pigalle, mas seus corpos não enganam.
São menininhas, quase crianças. O rebolado não transmite erotismo, mas apenas
constrangimento.
O fato de Mignonnes
causar tanta comoção entre conservadores e políticos neopentecostais diz
muito mais sobre o que deve estar oculto dentro da cabeça desse pessoal, do que
aquilo que o próprio filme buscou dizer.
Assista Lindinhas,
Cuties, Mignonnes. É um filme brilhante.
Nenhum comentário:
Postar um comentário