sábado, 19 de setembro de 2020

Filme "Mignonnes" atrai o repúdio de políticos conservadores


 

É um filme só. Com três nomes: Mignonnes (em francês), Cuties (inglês) e Lindinhas. Escrito e dirigido pela estreante Maïmouna Doucouré (franco-senegalesa), a produção traça a trajetória da menina Amy (Fathia Youssouf), de 11 anos, que vai morar na periferia de Paris e quer integrar um grupo de dança.

Recém-chegada, ela busca ser aceita pelas mignonnes, como se autointitula um grupo de quatro meninas, com a mesma idade dela. Para isso, vai aprender a dançar o twerk (rebolado), usar short e miniblusa e postar suas façanhas na rede social.

Desde que foi lançado pela Netflix, o filme tem sido uma espécie de para-raio, chamando para si a indignação e o repúdio de políticos conservadores. O senador pelo Texas Ted Cruz classificou a obra como “pedopornográfica”. Pediu abertura de inquérito no Ministério da Justiça dos Estados Unidos. Para o senador do Arkansas (outro estado dos EUA) Tom Cotton trata-se de um filme “repugnante”.

Os conservadores neopentecostais, que estão no poder no Brasil, não deixaram barato. Leia o que os jornais publicaram:

“O secretário nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, Maurício José da Silva Cunha, do ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, comandado por Damares Alves, pediu para a coordenadora da Comissão Permanente da Infância e Juventude, Denise Villela, que entre com medidas judiciais para suspender a oferta do filme Cuties aos assinantes da Neltflix Brasil”.

A autora e cineasta Maïmouna (foto), jovem realizadora de 35 anos, deve ter se surpreendido com as reações de cunho moralista. Na prática, seu filme pode ser entendido como tendo um viés conservador por denunciar (mesmo sem ter esse objetivo) a erotização precoce das meninas.

                                                        Maïmouna Doucouré

A personagem principal – Amy – caminha na fronteira entre dois mundos antípodas. Seu núcleo familiar é muçulmano e está em crise. A mãe de Amy descobre que seu marido vai se casar com outra mulher e trazê-la para viver com a primeira mulher e os filhos na França.

A situação é comum e permitida pela religião e costumes muçulmanos.

Mesmo assim, a novidade traz dor e sofrimento para a mãe de Amy. A menina é rebelde e não aceita a vinda do que seria a sua “segunda mãe”.

A guardiã das tradições é uma tia idosa que obriga a mãe de Amy a se humilhar e se sujeitar à vontade do marido, que está vindo do Senegal com a nova mulher.

Para escapar das orações maçantes e dos costumes milenares, que, na prática, transformam o banlieu (a periferia) parisiense em um mini Senegal, a menina Amy vai integrar o grupo das lindinhas (mignonnes).

Ela muda a roupa. Passa a usar a camisa do irmãozinho (a peça minúscula vira uma miniblusa). Adota um short curtinho. Rouba o celular de um parente. Acessa a internet, para ter acesso à rede social e aprender novas coreografias. Passa a assistir vídeos eróticos de dançarinas adultas.

É um momento interessante este, retratado pela cineasta, porque evidencia a inadequação entre aquilo que as meninas almejam e o que elas são na realidade. São meninas que gostariam de ser adultas, de serem vistas como mulheres atraentes.

Essa inadequação acontece em outros momentos da obra. Elas estão se exibindo na rua e atraem a atenção de garotos mais velhos. Quando eles se aproximam, vem a decepção. “Quantos anos vocês têm?”, um deles pergunta.

 Elas mentem, aumentando a idade, mas o artifício não funciona. Os meninos vão embora, para a frustração das lindinhas.

Numa das últimas cenas de dança do filme, esse desconcerto, entre o que elas gostariam de ser e o que a idade revela, vem na forma de uma apresentação. As meninas participam de um concurso público, numa praça. Dançam como bailarinas eróticas do Pigalle, mas seus corpos não enganam. São menininhas, quase crianças. O rebolado não transmite erotismo, mas apenas constrangimento.

O fato de Mignonnes causar tanta comoção entre conservadores e políticos neopentecostais diz muito mais sobre o que deve estar oculto dentro da cabeça desse pessoal, do que aquilo que o próprio filme buscou dizer.

Assista Lindinhas, Cuties, Mignonnes. É um filme brilhante.   

https://noticiasdatv.uol.com.br/noticia/filmes-na-tv/igreja-tenta-censurar-netflix-leva-bronca-de-juiz-e-e-comparada-ditadura-50245


 

 

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