quarta-feira, 16 de outubro de 2019

O Facebook me faz uma pessoa pior


O Facebook me transforma. Acordo bem disposto, feliz da vida, o sol brilha, os pássaros cantam e aí abro o Facebook. Como na novela de Robert Louis Stevenson, Dr. Jeckyll vai se transformar em Mr. Hyde. A boa disposição vai embora. Minhas mãos começam a se encurvar. As unhas se transformam em garras. Nascem pelos em abundância no meu rosto e no corpo. Nas costas, se eleva uma corcunda. Começo a babar. Virei um monstro. 

A postagem mostra um grupo de pessoas, todas suadas, debaixo de sol forte no que parece ser uma casa de periferia. Eles vestem bermudas, camisetas e chinelos. O suor brilha e escorre pelas barrigas. Nem leio o tópico. Já vou sentenciando: "Bando de gordo!". Assim, sem mais nem menos. Sem ser politicamente correto: "Bando de gordo!".

A "linha do tempo", como se chama aquela prática de ir descendo pelas postagens, mostra uma velhinha. Alguém deu um presente para ela. Algo do tipo. Penso na hora: "Velhota antipática". E o pior é que ela parece mesmo antipática. Não é a Dona Benta que vai fazer bolinho coberto com açúcar e canela para a gente. Tem jeito daquela velhinha que, quando aparece o filho pra visitar, ela vai logo dizendo: "Escovou os dentes? Põe uma blusa que está fazendo frio. Essa camisa não combina com você". 

Aí vem o pessoal da política. Deus do céu, esses caras são incansáveis. Tem a turma do Bolsonaro que ainda está querendo prender o Lula. Gente, o Lula está preso. Helôôô! O PT perdeu a eleição e vocês ganharam. Comecem a trabalhar. Tirem as pessoas da miséria. Metade do Brasil ganha menos de 500 reais por mês. Não quero mais saber de palanque. Quero que vocês façam qualquer coisa que mude essa desgraceira que o País está mergulhado. As indústrias quebrando. O setor de serviços afundado na crise. Sem dinheiro para educação, sem verba para pesquisa, corte nisso, corte naquilo. E os Alfa continuam comendo lagosta e camarão, andando de carro oficial, com direito a sirene para fugir do trânsito. Os 90 por cento restantes pertencem à casta Épsilon. São os desgraçados de que fala Huxley. Você acha que Huxley exagerava? Se esqueceu que ele previu o nascimento do bebê de proveta em 1931, 47 anos antes do fato real? Exagerava nada, menino. 

E tem o pessoal do outro lado, que é contra o Bolsonaro e seus asseclas... É todo dia postando uma bobagem que a Damares falou. O que vocês querem dessa coitada que vê Jesus em goiabeira? Ela vai falar bobagem mesmo. E o ministro da Educação, nota zero em Sociologia, que comete um erro de português por minuto. É o maior índice de erros de português da história, desde Cabral. Tem a história do Queiroz. Onde está o Queiroz? "Vai perguntar para a sua mãe", respondeu o presidente, educadamente. Todo dia alguém pergunta onde está o Queiroz. A Veja já esclareceu: "O Queiroz mora no Morumbi e se trata no Einstein". Só precisa alguém levar a reportagem até a  Polícia Federal. O Queiroz tem de explicar direitinho essa história da "rachadinha", que envolve o Flávio "01". Sem falar do Moro, o Batman, que a Vaza Jato transformou em Coringa.

E aquele pessoal que quer causar inveja? Outro dia uma amiga postou: "Estou aqui na Padaria Bella Paulista. Uma delícia!". O monstro que habita em mim, quando entro no Facebook, escreveu, de forma ríspida e malcriada: "Estive aí no domingo. Eles me serviram um croissant, cortado ao meio. Frio e molenga. Na França, o chef da Bella Paulista seria decapitado, por causa desse crime contra o croissant". 

Os algoritmos do Facebook, por algum defeito genético, têm certeza que sou um frequentador assíduo de hípicas e que não posso passar um dia sem montar em um cavalinho. Gente, tenho medo de cavalo. Nunca andei a cavalo na vida. Nem sei como se sobe naquilo, que eles chamam de sela. Mesmo assim, todos os dias, não falha um singular dia, o Facebook me manda imagens e vídeos de cavalos. São cavalos felizes, que saltam e pulam e se alimentam regularmente.

Um amigo, que nunca assistiu a uma luta de MMA, nem nunca irá assistir, recebe também diariamente notícias sobre lutadores de MMA. Há algo de podre no reino dos algoritmos, diria Shakespeare, se, quando vivia, houvesse redes sociais.   

E as pessoas felizes? Elas estão sempre sorrindo, contentes. O meu monstro olha para elas e grita: "Está rindo do que, babaca? Vai andar de metrô e de trem da CPTM do Doria pra ver o que é bom pra tosse".

Sem falar dos cachorrinhos, dos gatinhos, dos peixinhos, todos eles engraçados, meigos, despertando meu monstro que geme entredentes: "Vou mandar vocês pra China". Esse país asiático, como se sabe, volta e meia, promove festivais de consumo de carne de gato e cachorro.  

Então, quando saio da rede social, apago o Facebook, começo a sentir uma metamorfose humanitária. Os pelos que cresceram em profusão desaparecem. As garras viram unhas normais. A corcunda de Quasimodo fica reduzida ao bico de papagaio normal que tenho nas costas. A baba seca. Saio na rua e sorrio para as crianças. Levo meu cachorro passear. Se me pedem informação, trato com carinho e atenção. Aproveito o sol, a chuva, a garoa, o vento. Aceno para os vizinhos. No armazém, brinco com as atendentes. 

Então, ao retornar para casa, ao abrir novamente o Facebook, nada poderá evitar o ressurgimento do monstro. 

Por falar nisso, por que você não desliga essa m...e vai ler um livro, filhote de Netflix.  

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