terça-feira, 22 de outubro de 2019

Não se chora sobre óleo derramado


É louvável o esforço dos nordestinos em limpar suas praias. É lamentável o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, reclamar que o Green Peace não está limpando as praias. Ministro, é sua obrigação cuidar do meio ambiente brasileiro. É para isso que o senhor está no cargo. Arregace as mangas e vá trabalhar. 

Essa omissão, essa lerdeza do governo federal em se assenhorar do problema parece inerente à atual administração. É um governo lento, sonolento, que parece só acordar quando se faz presente nas redes sociais. 

É louvável o esforço dos nordestinos em limpar suas praias, só que não vai adiantar. O desastre ambiental de gigantescas proporções vai afetar a vida marinha e a beleza das praias nordestinas por décadas. Daqui a dez, vinte anos, o turista que visitar uma dessas praias, atingidas pelo óleo, ainda vai sair com a sola do pé suja de piche. São pequenas manchas redondas, meio pretas, meio amareladas. Você demora para limpar. Passa sabão, passa detergente, esfrega, esfrega e a sujeira resiste. 

O desespero que se via no rosto da garota sueca ambientalista, de 16 anos, Greta Thunberg na ONU (Organização das Nações Unidas) resume o problema: a falta de responsabilidade e omissão dos governos em encontrar alternativas energéticas serão fatais. 

Os humanos ainda usam combustível fóssil. Eles sabem que a queima de petróleo afeta o meio ambiente. Provoca aumento da temperatura global e causa desastre climáticos. Não é conversa mole. Milhares de cientistas provaram que o aumento das temperaturas é real e terá consequências assustadoras. Mesmo assim os humanos continuam usando combustível fóssil. Não é só falta de inteligência, é algo mais profundo e danoso. É a pulsão mórbida de destruição, de que fala Freud. 

O Brasil poderia ser um país melhor. Sem carros sujos, sem tanta queimada, sem tanta falta de respeito ambiental. O brasileiro está pouco se lixando que a Amazônia queime. O brasileiro é pobre. É miserável. São 104 milhões que vivem com 413 reais mensais. Esse pessoal está preocupado em comer. Se alguém pagar 50 reais para incendiar a floresta, ele vai pôr fogo no mundo, se preciso for. 

Não adianta chorar sobre óleo derramado. Vamos continuar sofrendo com desastres ambientais por dezenas de anos. Essas tragédias irão se repetir. O enredo será sempre igual. 
Acompanhe:

- Um navio cargueiro naufraga (ou uma plataforma de retirada de petróleo afunda) e derrama óleo no mar;

- O óleo se espalha e atinge as praias, provocando pânico em pescadores, hoteleiros, ambientalistas e moradores. Eles acionam a mídia;

- Os repórteres desembarcam nos locais atingidos. Farão matérias mostrando animais marinhos mortos; vão entravistar locais para saber de que forma suas vidas serão afetadas; vão tentar conversar com o responsável que irá emitir uma "nota de esclarecimento" ou às vezes nem isso; vão atrás de porta-vozes do governo;

- O governo (federal, estadual, municipal) vai fazer de conta que está ajudando, mas sem muito esforço. A classe política só se esforça mesmo quando precisa preservar suas patentes e privilégios.   

O Brasil poderia ser um país melhor, mais limpo, menos tóxico. Só que não. Metade de seus habitantes é miserável. Penso na nossa querida deputada Joice Hasselmann, que ganhou os holofotes da mídia por estar se digladiando nas redes sociais com os filhos do presidente (01, 02 e 03), o que será que ela está fazendo nesse momento para reduzir a desigualdade social no Brasil? 

É importante insistir: são 104 milhões de pessoas vivendo com 413 reais por mês.  Ontem, no programa Roda Viva, Joice batia os cílios postiços cintilantes, exibia o decote generoso, mas não parecia se preocupar com a desgraça maior brasileira, que é a disparidade de rendimentos. 

A mídia também dá pouca atenção para o problema. A gente olha os jornais e os temas em foco parecem tirar nossa atenção para o dano maior, a nossa maior ferida. Fala-se na crise do PSL. Na música, há um conflito entre funkeiros, que eu nunca ouvi falar. Os dados da economia são sorrateiros: dólar acima de 4 reais, cai a arrecadação. 

E aí você pega o carro, circula pela cidade e a miséria fica estampada em cada esquina, em cada olhar, na desgraça urbana que são as favelas, feridas de tijolos avermelhados na carne das metrópoles brasileiras. 

A gente continua como se nada estivesse acontecendo. Lê o "jornal" virtual e fica sabendo que Wanessa brigou com a mulher de Luciano. E, na periferia, a fábrica não escurece mais o dia, como dizia a música. As fábricas estão fechando. A indústria reduziu a rotação, num movimento de devagar, quase parando. 

A gente vai para a praia e sai com os pés sujos de óleo, como se fosse algo inevitável, como se não houvesse solução para as desgraças ambientais. "Bom, não depende da gente. Isso é o governo que vai resolver", você diria. Depende, sim. Só que a gente está muito preocupado com as redes sociais para ir à luta. 

Hoje, em Nova York, a gigante Esso (Exxon, para os americanos) está sentada no banco dos réus, acusada de ocultar dados, para seus acionistas, sobre as consequências das mudanças climáticas, em decorrência da queima de óleo combustível de origem fóssil. É um começo. 

Aqui no Brasil, ficamos à espera da próxima desgraça. E ela virá, esteja certo disso. 
  


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