segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019
Quando as palavras vão para o passado
Às 7h30, costumo ligar o rádio na frequência 96.9 da BandNews FM. É a hora que o âncora Ricardo Boechat faz seu editorial. Com todas as implicações e vetos que a gente sabe que existem nas grandes mídias, ele costuma usar o mesmo pau para "bater em Chico e Francisco", segundo expressão que gosta de usar.
Talvez porque sejamos da mesma geração, talvez porque tenhamos vivido experiências semelhantes e suportado, como jornalistas, os horrores da Ditadura Militar, quase sempre concordo com tudo que ele diz.
Sou uma pessoa introvertida. Não me dou bem diante de um microfone, nem de uma câmera. Por isso, quando Boechat está fazendo seu editorial matutino, é como se fosse ele a minha voz. Gosto do jeito sincero dele. Gosto da pouca paciência que ele tem ao se defrontar com uma declaração descabida ou incompreensível.
Outro dia, ele confessou que não gosta de escrever. Sente muita dificuldade em produzir textos. Demora muito, por exemplo, para produzir um prefácio. Mas essa dificuldade com a palavra escrita é compensada pela tranquilidade diante da câmera e do microfone. As palavras lhe vêm, normalmente, sem que ele precise se esforçar para isso. É um dom. Um talento natural, que ele explora de maneira inteligente e didática.
Agora, esse texto, escrito no presente, precisa mudar sua temporalidade. As palavras devem ir para o passado. "Gostava do jeito sincero dele", "gostava da pouca paciência"...E isso me causa uma tristeza imensa.
Eram 12h10, quando um ouvinte informou sobre um acidente de helicóptero, que havia ocorrido próximo do Rodoanel. Como uso com frequência essa rodovia, fiquei atento ao desenrolar do noticiário. A aeronave havia caído próximo ao km 7 da Anhanguera. Duas vítimas fatais eram confirmadas...
Entre 1977 e 2005, trabalhei em jornais e revistas. Cobri debates, posses históricas, discursos memoráveis, mas, infelizmente, nunca cheguei a cruzar com Boechat. Não tenho uma história, uma curiosidade para contar sobre ele. Houve apenas e-mails que troquei com ele, sugerindo determinadas coberturas de eventos. Sempre me respondia, como devia fazer com todos os ouvintes que se comunicavam com ele.
Era seu ouvinte, há pelo menos uns 10 anos. Acredito que, desde 2008/2009, sintonizava a BandNews FM para ouvi-lo. Gostava da forma como ele transformava o rigor jornalístico em algo coloquial e próximo do mortal comum.
Em suas férias, ao ligar o rádio, sentia falta dele. A manhã não começava bem. A emissora compensava a falta de seu principal âncora, trazendo convidados. Não funcionava. Ele parecia personificar a rádio.
Certa vez, fui agredido, durante uma cobertura. Foi bem no início da profissão. Era um foca, em busca de holofote. Quando entrei no jornal, o diretor de Redação me deu uma dura: "Jornalista traz a notícia. Jornalista não é a notícia".
Essa lição guardei comigo até o último dia em que frequentei uma Redação. Hoje, sinto a boca amarga ao me defrontar com a notícia de um jornalista virando notícia da pior maneira possível.
Leio os textos de colegas de emissoras rivais e a gente percebe que Boechat era uma unanimidade. Respeitado, elogiado, repórter até a medula, ele vivia a profissão intensamente. Era contagiante.
No meio do noticiário, entre as mensagens de pesar que chegam nos grupos que frequento, só consigo sentir uma aflição egoísta. O que vou fazer amanhã, às 7h30, na hora de ligar o rádio?
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