quarta-feira, 21 de novembro de 2018

Waze leva a gente passear na Favela de Paraisópolis



Adoro tecnologia. Sou fã dos computadores e afins. Quando era repórter, lá no século passado, sofria escrevendo no papel. A máquina de escrever tinha fita que gastava e precisava ser trocada, justo na hora em que o relógio era nosso maior inimigo. 

Você tirava a lauda da máquina, desesperado para entregar a reportagem ao editor, e ela rasgava bem na metade. Tinha que correr para grudar com durex. Ficava um horror.  

Às vezes, você se lembrava de uma informação importante que precisava entrar no meio da lauda 5. Armado de tesoura e cola, o repórter cortava aqui, grudava ali. O editor corrigia. Anotava com a caneta por cima e o resultado era quase sempre lastimável. 

Com a chegada dos computadores, o texto pode ser alterado à vontade. Tira daqui, sobe ali, altera, volta. Errou? É só retornar ao ponto de origem. Uma maravilha!

E quando você precisava sair do ponto A, em São Paulo, para chegar ao ponto B? 

Nossa, tinha que recorrer ao Guia 135 mil Ruas da Editora Abril. Achava o lugar de destino e ia meio dirigindo, meio olhando o Guia, até bater na traseira daquele caminhão, onde se lia no para-choque: "Pobre é que nem pneu: quanto mais trabalha, mais liso fica". 

Para a nossa alegria, Uri Levine, Ehud Shabtai e Amir Shinar  - três empreendedores israelenses, auxiliados por 80 pessoas, - criaram, em 2008, o aplicativo Waze, uma corruptela em inglês, significando "ways", caminhos.

Em 2012, o Waze chegou ao Brasil e, no ano seguinte, o Google o comprava pela bagatela de 1 bilhão de dólares. 

O Waze sabe a hora que você vai chegar no seu destino. Ele sabe o caminho que você fará e vai informá-lo onde estão os radares, os policiais, os carros quebrados. O Waze é um sabe-tudo do trânsito e similares. 

Na segunda-feira, três dias depois daquela ponte ter caído na marginal Pinheiros, o Waze me levou por um longo passeio por São Paulo. Estive em bairros, que nunca havia visitado. Entrei em ruas que espero nunca mais entrar novamente. Cortei à direita, à esquerda. Subi e desci. Passei por avenidas, por ruas largas e estreitas. Tudo isso em meio a uma chuva inclemente. 

A cereja do bolo foi o Waze ter me levado dar uma volta pela favela de Paraisópolis. Aquilo foi o crème de la crème. O bairro, onde moram 100 mil pessoas, tem ruas estreitas, com carros estacionados em ambos os lados. Comerciantes colocam caixotes e peças de mobiliário para impedir o estacionamento em determinados locais. Não há sinalização, nem bom senso. Os motoristas ficam simplesmente travados, sem poder ir, nem voltar. Caminhões de médio porte não conseguem fazer conversões. Precisam exercitar uma série de manobras árduas, em espaço diminuto.

O Waze é sensacional, mas não é à prova da estupidez humana, nem da omissão das autoridades. 


A circulação é delirante. Imagine você criar o pior sistema de tráfego da história da humanidade? Pensou em algo que não dá certo, que não funciona? 


Pois é, assim é o trânsito na favela de Paraisópolis.

É interessante como o poder público, no caso o Departamento de Trânsito municipal, não faz o menor esforço para pôr ordem na bagunça. Como é um bairro de gente pobre, então, deixa os coitados se ferrarem.

Por que a Prefeitura de São Paulo não se mexe? Não amplia as ruas, não as sinaliza, não transforma aquele desastre urbano, em um lugar digno a seus moradores? 


Resumo da ópera: foram 30 minutos encapsulado na favela.

Em conversa com um prestador de serviço, ele me disse que, quando tem pancadão no bairro, os motoristas ficam presos dentro dos veículos e são obrigados a dormir ali mesmo, esperando o dia amanhecer para se locomover. 

Tecnologia é bom, o Waze é demais, mas tem hora que a gente lembra do caipira de Monteiro Lobato que dizia: "Soltar o saci de dentro da garrafa é fácil, quero ver colocar ele lá dentro de novo".

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