Ele acrescenta:
"A divisão de espólios nunca será igual, mas haverá o suficiente para satisfazer cada homem, mulher e criança - até mesmo no Congo."
Essa história do bolo não é nova. Delfim Netto, o então poderoso superministro da Economia, durante a Ditadura Militar, já afirmava nos anos 60: "É preciso fazer o bolo crescer, para depois reparti-lo". Pois é, tem gente que até hoje está na fila, com o pratinho vazio, esperando seu pedaço.
Harari tem 42 anos, é acadêmico, professor de história, judeu e vive em Israel, onde leciona na Universidade Hebraica de Jerusalém. A construção do livro Sapiens tem um itinerário interessante. Remonta àquela nossa avó de 1 milhão de anos atrás, que teve dois filhos: um deles era símio e outro, humano.
A partir desse momento, os humanos passaram a se multiplicar, ocuparam toda a Terra (ilhas e continentes), provocaram colapsos ecológicos irreversíveis (ele dá como exemplo maior a Austrália) e assumiram o topo da cadeia alimentar, como espécie bem-sucedida de superpredador.
O autor tem o mérito de discutir a probabilidade de vários tipos de humanos terem coexistido simultaneamente. Ele vê um erro na análise de historiadores que demarcam fases específicas para cada tipo de humano do passado: até determinada data, havia o neandertal; depois veio o "homem da ilha das flores", depois...
Para o autor de Sapiens, várias espécies de humanos existiram ao mesmo tempo. Ele examina o desaparecimento dos neandertais, com base em duas hipóteses: 1) foram exterminados pelos homo sapiens; 2) misturaram-se aos homo sapiens.
Análises recentes de DNA comprovam que muitos humanos da atualidade têm em seu código genético a presença de DNA neandertal. De qualquer forma, como diz o autor, o homo sapiens não é reconhecidamente tolerante, basta ter uma cor da pele diferente para provocar reações hostis, e a hipótese de os sapiens terem exterminado os neandertais não deve ser de todo desprezada.
O livro começa com informações de impacto:
"Há cerca de 13,5 bilhões de anos, a matéria, a energia, o tempo e o espaço surgiram naquilo que é conhecido como o Big Bang. A história dessas características fundamentais do nosso universo é denominada física.
"Por volta de 300 mil anos após seu surgimento, a matéria e a energia começaram a se aglutinar em estrutura complexas, chamadas átomos, que então se combinaram em moléculas. A história dos átomos, das moléculas e de suas interações é denominada química.
"Há cerca de 3,8 bilhões de anos, em um planeta chamado Terra, certas moléculas se combinaram para formar estruturas particularmente grandes e complexas chamadas organismos. A história dos organismos é denominada biologia.
"Há cerca de 70 mil anos, os organismos pertencentes à espécie Homo sapiens começaram a formar estruturas ainda mais elaboradas chamadas culturas. O desenvolvimento subsequente dessas culturas humanas é denominado história".
No desenvolvimento de seu livro, Harari mostra como a "revolução cognitiva" conduziu os sapiens para a dominação do planeta. Ele assinala que somos a única espécie capaz de criar algo inexistente. Inventamos seres metade animal, metade gente. Produzimos estátuas sobre essas criações fictícias. Criamos histórias sobre fadas e monstros. Supomos a existência de deuses.
A comunicação, no entanto, não é exclusiva dos humanos. Os macacos também se comunicam. Às vezes, induzindo ao erro, para se aproveitar de uma situação. O macaco grita: "Cuidado com o leão"; o outro macaco, que estava no chão e ia comer uma banana suculenta, sobe correndo na árvore, apavorado, enquanto o macaco esperto aproveita para pegar a banana abandonada pelo fujão medroso. Apesar dessa esperteza, os macacos são incapazes de criar algo inexistente. Isso, salienta o autor, é uma característica única e exclusiva dos humanos.
Graças à capacidade de se comunicar, de criar histórias e fazer com que outras pessoas acreditem e confiem nelas, a civilização teve origem.
Harari cita a criação do dinheiro, como uma bem-sucedida obra ficcional dos humanos. O dinheiro veio resolver um problema fundamental que era a questão do escambo. Se sou fazendeiro e preciso de um sapato, quantas vacas valem um sapato novo? O sapateiro, por sua vez, não precisa de uma vaca. Ele já tem uma. Ele gostaria de ovelha, mas quantas ovelhas valeriam a troca por um sapato novo? E se o fazendeiro não tiver ovelha, apenas vacas, como ficaria o escambo?
Harari mostra como a invenção do dinheiro colocou um ponto final nesse imbróglio, chegando até a atualidade em que o dinheiro é algo intangível, quase ficcional. Se todas as pessoas que têm conta em banco, sacassem seu dinheiro ao mesmo tempo, o banco não teria moeda corrente suficiente. Ou seja, aqueles valores, aqueles números nas contas correntes, não existem de fato. São uma ficção econômica, inventada pelos sapiens.
O autor elogia os impérios, o imperialismo e o capitalismo, que, em seu entender, foram essenciais para o avanço econômico, social e político do século 20. Muita gente foi explorada, é verdade, muita gente foi triturada pelo capital, mas foram sacrifícios que valeram a pena. "Podemos não gostar do capitalismo, mas não podemos viver sem ele."
Harari afirma que "a única tentativa séria de governar o mundo de uma forma diferente - o comunismo - foi tão pior em praticamente todos os aspectos concebíveis que ninguém tem estômago para tentar de novo". Ele esquece de mencionar a China - a segunda maior economia do mundo - que é um país comunista, com bandeira vermelha, estrelas e tudo.
Beleza. Na China, a política é comunista e a economia, capitalista. De qualquer forma, lembrar apenas da União Soviética, esquecendo a China vermelha, é um lapso imperdoável.
Sapiens - uma breve história da humanidade comete outro deslize ao defender uma postura conformista. Para Harari, o budismo tem a melhor resposta para a eterna busca humana da felicidade. Ele cita Buda que concluiu que desejar algo é eternizar o nosso martírio. Quem não deseja será feliz. Ao invés de enfrentar as ondas do mar, a melhor postura é ficar na praia e observar o movimento contínuo de ir e vir das ondas.
Assim, se você fosse um pobre miserável, vivendo na França em 1789, ao invés de ir para a Bastilha, botar fogo na prisão e derrubar a monarquia parasitária, cortando a cabeça do rei e da rainha, o melhor caminho, talvez, naquele 14 de julho, seria continuar em casa, observando o rei Luis 16 desfilando a peruca nova e a rainha Maria Antonieta mastigando seus brioches amanteigados. Você continuaria pobre, miserável e privado do essencial, mas seria feliz, porque não desejaria nada mais, além de observar poeticamente as ondas quebrando na areia da praia. Poderia até compor uma música: "O mar, quando quebra lá na praia, é bonito, é bonito".
Nenhum comentário:
Postar um comentário