Lula terá novo julgamento hoje no STF. Conforme previsões de analistas, o habeas corpus que pede a sua soltura será negado. A defesa do ex-presidente argumenta que a condenação partiu de um juiz, indicado para ocupar cargo no governo Bolsonaro.
Assim, o juiz teria agido parcialmente, mandando para a cadeia um adversário político que poderia derrotar Bolsonaro na eleição presidencial. Para os ministros do STF, esse argumento é impróprio por estabelecer uma ligação até então inexistente (na época da condenação, Bolsonaro não era candidato).
Na realidade, qualquer analista, sem apego ideológico-partidário, sabe que a condenação de Lula não tem base legal. Ele foi preso e condenado, por causa de um apartamento, onde nunca morou, nem nunca foi dele. O mesmo acontece com o sítio famoso. Não há escritura que prove o pertencimento. Logo, não há prova material. Há suposições.
Mas isso não importa. Lula é o nosso bode expiatório. O termo vem da Bíblia e significa aquele animal que era deixado para trás, para ser atacado pelos predadores, como forma de sacrifício, para aplacar a ira dos deuses.
Na Grécia antiga, havia também uma cerimônia que sacrificava seres humanos, os pharmakos. Quando tudo ia mal, quando havia fome, seca, doença, fazia-se o sacrifício dos pharmakos. Pessoas doentes, com deformidade física, deficientes mentais ou simplesmente "muito feias", eram linchadas pela população.
Perseguidos pela turba, apedrejados, esfaqueados, os pharmakos eram executados, durante um ritual catártico. Quando a "festividade" terminava, a vida voltava ao normal e a cidade garantia a sua sobrevivência, em paz com os deuses. Daí vem o termo fármaco (remédio), farmácia (antigamente, se escrevia pharmácia).
Quando era garoto, não existia ainda o termo "bullying", que significa aquele ato de violência física e psicológica intencional, gratuita e repetida, praticada por um ou vários valentões sobre uma vítima.
Na escola e nas ruas, a gente estava sempre às voltas com os valentões, com o bullying. Diferente de hoje, nenhuma vítima pensaria em denunciar um agressor, porque isso significa ser um "dedo duro", um "alcaguete", personagem tão depreciado como o "flozô" (como se chamava o gay na época).
Quem apanhava precisava aprender a se defender. Era uma aprendizagem dolorida e traumática. O pior efeito do bullying era transformar a vítima em agressor, que, por sua vez, faria outra vítima, em efeito avalanche.
Isso, infelizmente, aconteceu comigo. Naquela espiral de violência, lembro de episódios grotescos em que esmurrei o rosto de um amigo até tirar sangue. Você bate com força, com muito ódio, e quando vê o resultado algo se quebra por dentro. Você não é mais o mesmo. Você se transformou neles. Esse, acredito, é o pior efeito do bullying. A vítima torna-se algoz. A violência gera violência.
Fui criado na cultura cristã. Ateu depois de adulto, me recordo com carinho dos valores religiosos que me foram passados na infância. Solidariedade, fraternidade, amizade, carinho dos familiares, saber perdoar, não guardar mágoa e rancor no coração...Tudo isso vinha embalado pela cultura cristã.
E esses valores eram jogados no lixo, cotidianamente, pela violência que a gente presenciava, sofria ou praticava na escola e nas ruas.
De volta ao início dessa postagem, o Brasil caiu na mãos dos valentões. O presidente eleito posa ao lado do jogador Felipe Melo, durante a entrega da taça ao campeão brasileiro, e ambos apontam as mãos, em forma de arma, para nós, pacíficos telespectadores de um jogo de futebol.
Para o valentão, a melhor forma de acabar com a violência é usar mais violência ainda. Morrem anualmente no Brasil 60 mil pessoas assassinadas.
Parece não ser suficiente.
A Polícia Civil carioca usa uma metralhadora MAG, belga, calibre 7.62, capaz de disparar 650 tiros por minuto. Em setembro, a polícia apreendeu na favela da Rocinha uma metralhadora capaz de derrubar aviões e perfurar carros-forte.
Acabar com a violência no Brasil ou reduzi-la a níveis finlandeses parece óbvio. O difícil será convencer os valentões a não correr atrás dos bodes expiatórios, não imolar pharmakos em praça pública, e promover a tão sonhada distribuição de renda.
Mas essa solução objetiva não passa pela cabeça desse pessoal formado na Escola de Chicago e arredores. O que vem por aí não cheira bem.
Em Paris, por sinal, já há fumaça densa e escura e carcaças de carros queimando nas ruas. É a revolta dos coletes amarelos (gilets jaunes).
Nenhum comentário:
Postar um comentário