A 33ª Bienal de São Paulo - Afinidades afetivas deve ter sido feita para marcianos. Tem pedra, pedregulho, pedra em pé, pedra deitada, pedra pendurada, pedra que não acaba mais. Você se sente o robô Curiosity, passeando pelo solo arenoso e pelos pedregulhos de Marte.
Não tem seio, pênis, vagina, beijo, casal...Nada! Só pedra sobre pedra.
A Bienal parece ter ficado com medo de ofender aquele pessoal que tentou proibir a exposição Queermuseu, cancelada em Porto Alegre e reaberta no Rio. "Vamos colocar um monte de pedra, assim ninguém enche o saco", devem ter pensado os organizadores.
Você vê um quadro interessante. Vai dar uma olhada e parece que faltou inspiração para a autora, que escreveu: "Sem título", "Sem título", "Sem título", em todas as suas obras. Se ela não sabe o que está fazendo, pobres de nós que estamos ali para apreciar o trabalho dela.
No passado, a Bienal era fonte inspiradora. Pelo menos para mim. Devo confessar que tive empregos pouco criativos na vida. Aos 15 anos, trabalhei em uma adega, carregando caixas de refrigerantes e bebidas. Entre os 16 e os 18 anos, fui pesquisador de institutos de pesquisa. Tocava a campainha na casa das pessoas e o cidadão aparecia com o humor de quem precisa pôr um supositório de purgante. As primeiras dez perguntas ele até que respondia bem. Dali em diante, o sujeito falava: "Escreve qualquer coisa aí. Põe o que você quiser. Se algum perguntar, eu confirmo. Pelamordedeus, me dá licença que preciso fechar a porta".
Trabalhei em banco. Fui também "auxiliar de contabilidade 4" na Varig, uma empresa de aviação poderosa entre os anos 1950 e 70. Na Varig, a gente passava o dia fazendo lançamentos contábeis. Éramos uns 100 auxiliares. O trabalho era repetitivo, monótono, insuportável.
Como diz o professor de filosofia Merli, na série homônima: "Alguns, os que tiverem sorte, trabalharão em algo que os agrada. Mas a maioria apenas contará os dias que faltam para tirar férias".
Era assim no Departamento de Contabilidade da Varig: contávamos os dias, as horas, os minutos, os segundos para a sexta-feira, para o próximo feriado.
Saí da Varig e fui trabalhar em outra empresa de contabilidade, chamada Augustus. O espaço era menor, apertado, claustrofóbico. Sem janelas!
Então, fui visitar a Bienal. Lembro de uma instalação que mostrava um escritório coberto por teias de aranha, com muito pó, onde figuras mumificadas, imóveis, tinham sido congeladas, enquanto batiam carimbo, assinavam documentos, escreviam a máquina. O tempo tinha parado naquele escritório, que lembrava a empresa escura e sufocante de Scrooge, personagem de Dickens que inspirou Tio Patinhas. A rotina de um dia qualquer havia sido preservada para a eternidade. E era um dia sem inspiração, um dia absolutamente comum, sem qualquer importância. Era exatamente assim que eu me sentia.
Não era mais o mesmo, quando saí da Bienal. Na segunda-feira, a primeira providência que tomei foi pedir demissão do emprego.
Dias depois, estava trabalhando na Revista Escrita de Literatura, dirigida por Wladyr Nader. Começava aí a minha outra vida, meu renascimento.
Em todos os anos seguintes, atuando em jornais, nunca mais "contei os dias que faltam para tirar férias". E tudo graças à Bienal.
Lembro de uma Bienal que trazia um projeto individual com cerca de 50 telas exibindo pênis. Havia naquele espaço pintos de todos os tipos, cores e formatos. Imagine o que diriam esses caras do MBL diante de tantas jebas?
A Bienal me apresentou Gregório Gruber, com seus óleos sobre telas que retratam melhor do que ninguém a solidão da pessoa diante da monumentalidade de São Paulo.
A gente saía satisfeito da Bienal ou, em outros momentos, pensativo, tentando entender determinada peça; em dúvida sobre certa manifestação artística.
Esta última Bienal assexuada, "afinidades afetivas", me deixou com gosto de pó na boca. Não alterou a minha frequência cardíaca. Não me fez rir, nem chorar, nem questionar. É mais ou menos assim que deve ser dar um passeio temático pelo deserto.
Em tempo, a 33ª Bienal vai até 9 de dezembro e é "de grátis".
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