Autor
dos livros Incas venusianos (poesia), O médico das palavras (romance) e coautor
de A história sob a terra (arqueologia), o jornalista e escritor Fabio
Malavoglia fala nesta entrevista sobre os riscos do desaparecimento do livro
físico
Fabio
Malavoglia, 64 anos, paulistano, autor de três livros, apresentador do programa
Rádio Metrópolis na Rádio Cultura FM, considera o fim das livrarias e dos
livros físicos “um desastre da cultura, da civilização, do espírito”.
“Estamos
vivendo a época da tecnobarbárie. É uma terra arrasada”, ele afirma.
Com
sua voz grave e profunda de radialista, sob a proteção de milhares de obras,
expostas nas prateleiras da acolhedora Livraria Nove Sete, na rua França
Pinto, 97, Vila
Mariana, em São Paulo, Malavoglia faz um diagnóstico desses novos tempos sombrios.
Leia a entrevista, feita por mim com foto de Paula Franco, publicada pelo Infografs, jornal do Sindicato das Indústrias Gráficas do Grande ABC e Baixada Santista:
Quando teve início
seu amor pelos livros?
FABIO MALAVOGLIA - Minha família é italiana. Fui criado entre livros. Fui e
sou devedor dos livros. A palavra livro vem do latim liber, que é a
parte mais interna da árvore. Livro é, a rigor, uma metáfora da nossa própria
alma, aquilo que existe internamente em nós. Se você frequentar as livrarias
com devoção, elas vão mudar a sua alma.
Qual a importância
do livro para a humanidade?
MALAVOGLIA - Há um livro na base de toda civilização. Os
chineses têm o Tao Te Ching, os judeus e cristãos têm a Bíblia, os muçulmanos,
o Corão. Nessa época de virtualização de tudo, a realidade material do livro
está ameaçada. É um desastre para a cultura, para a civilização, para o
espírito. Toda cultura procurou, ao longo dos séculos, materializar as ideias.
O artista tem um sonho e corporifica em palavras, em escultura, em uma tela. O
que a cultura digital faz é desmaterializar tudo. É um desastre que aponta para
a dissolução.
Mas com a
digitalização isso não aumentaria nossa oferta?
MALAVOGLIA - Não, porque você não tem mais escolha. A
Netflix, por exemplo, que tem milhares de filmes para serem vistos... Quem
determina a seleção da Netflix? São criados perfis virtuais que limitam as escolhas.
Sem falar que a experiência do livro físico e do livro digital são
completamente diversas.
Como assim?
MALAVOGLIA - O contato com o livro físico é próximo do
aprofundamento, da contemplação, da meditação, do pensamento. O livro
interioriza. Já o livro digital é diluidor, é voltado para o exterior. As alegadas
vantagens da cultura digital sobre a física são ilusórias. As pessoas oscilam
ao sabor dos trending topics, do twitter ou outra bobagem
semelhante.
O que vai ocorrer
se o livro físico desaparecer?
MALAVOGLIA - Essa é uma ameaça à cultura humanista, uma
ameaça à nossa liberdade, à realização humana em seu sentido mais profundo. É
um desastre que as livrarias estejam fechando e os livros físicos, rareando. É
o quadro da tecnobarbárie. É uma terra arrasada.
Há algum paralelo
na história?
MALAVOGLIA - O Império Romano ruiu diante das invasões
bárbaras. O conhecimento, no entanto, foi preservado em mosteiros, em ilhas de
cultura, lugares de abrigo no qual a tradição precisou ser resguardada para
atravessar um período de escuridão e, posteriormente, dar à luz a Renascença.
Estamos na mesma situação.
A civilização está
sendo invadida por novos bárbaros?
MALAVOGLIA - As pessoas precisam acordar para o que está
acontecendo. Os novos meios de comunicação criam formas de escravidão mental.
Nenhum senhor de escravos do século 19 sequer teria imaginado algo semelhante.
Você está no metrô, com 100 pessoas no vagão, e todas estão naquele estado de
hipnose, grudadas, olhando para uma tela. Os tecnobárbaros querem ocupar a
nossa alma. Os bárbaros também eram inimigos dos livros.
A cultura digital
emburrece?
MALAVOGLIA - A cultura digital faz você ficar sabendo,
aos pedaços, de mil coisas diferentes, mas não se aprofunda e nem chega à raiz. A cultura digital é ignorante.
Ela determina esse nosso período de trevas. Precisamos manter nossa fé,
coragem e firmeza, porque tem muita tempestade pela frente.
O que pode ser
feito?
Nenhum comentário:
Postar um comentário