quarta-feira, 2 de abril de 2025

A inexplicável crença na fé

 


O jogador faz um gol, ajoelha-se, agradece aos céus, tece uma cruz no ar, junto à testa e repete umas duas vezes o mesmo gesto. Ao dar entrevista para o telejornal esportivo, agradece a Deus por tê-lo ajudado a fazer o gol. "Deus me dá forças. Deus permitiu que eu marcasse o gol." 

A senhora teve a casa destruída pela enchente. Perdeu todos os móveis, os eletrodomésticos, as roupas, documentos. Tudo foi levado pelas águas. Durante a entrevista, ela contabiliza as perdas e agradece a Deus: "Tenho só que agradecer a Deus por ter me deixado com vida".

São dois exemplos, entre milhões, que a gente escuta ao longo da vida. As pessoas acreditam em um ser imaginário, que vive no céu, ou em algum lugar do universo, com o qual mantêm uma relação de perda e ganho. 

São 7 bilhões de seres humanos na Terra. Todos controlados por esse ser invisível. O jogador faz o gol e agradece a este ser, não levando em conta que, se Deus o ajudou, então, prejudicou o goleiro adversário e todo o outro time. De acordo com esse raciocínio simplista, Deus torce para um time e despreza o outro. "Foi Deus!", diz o atleta emocionado, garantindo ter algum tipo de relação próxima com a divindade. 

A senhora, que perdeu tudo na enchente, acredita que Deus mandou 200 milímetros de água sobre a casa onde vivia, para, em uma manobra celestial acrobática, destruir tudo, mas salvá-la. Não tem o menor sentido, mas as pessoas se emocionam e acreditam que foi a fé que a salvou.

Meu avô por parte de mãe escrevia um diário, em que contava as amarguras que passava na fazenda, onde a família, que veio da Itália, vivia e trabalhava no Brasil. Falava da pressão do fazendeiro de café sobre os trabalhadores. Do ritmo excruciante das jornadas intermináveis no campo, além dos salário irrisório e da miserabilidade geral (com exceção do fazendeiro). Nesse diário, que pude ler depois de sua morte, ele entabulava uma espécie de contabilidade com Deus. Relatava as perdas dos filhos: um recém-nascido morreu porque minha avó não sabia que estava grávida e a criança nasceu enquanto ela trabalhava no roçado; um garoto de um ano e sete meses morto por causa de alguma doença não diagnosticada e uma filha, morta aos 23 anos, provavelmente de câncer, mas nunca se soube ao certo. Ele anotava essas mortes e lembrava que o mesmo Deus que havia levado seus filhos também tinha lhe dado quatro netinhos. O balanço era favorável a Deus. Ele não tinha frequentado escola. Aprendera a ler, escrever e fazer contas por si próprio. Era uma pessoa esforçada, religiosa, que nem sempre conseguia entender a "contabilidade" divina. 

A crença nesse ser imaginário  atinge 156 milhões de brasileiros, em uma população de 200 milhões. Os ateus representam 22 por cento, algo em torno de 44 milhões que não creem em uma divindade. Em minoria, a vida do ateu em país de maioria religiosa é sofrida. Você está em um trem, que circula pela Grande São Paulo, e aparece no meio do vagão um cidadão, armado de uma bíblia. Ele começa a gritar e exigir que você o ouça. Mesmo sem querer, você é obrigado a escutá-lo. É uma ação religiosa agressiva. O crente quer convertê-lo e vai continuar gritando durante toda a sua viagem. Em casa, no conforto de sua residência, enquanto você relaxa e vê um programa qualquer na TV, toca a campainha. Você levanta do sofá. Vai até a porta e topa com meia dúzia de crentes, armados com seus livros religiosos, querendo fazer a sua cabeça. No supermercado, você está empurrando o carrinho, com aquela pressa de sempre, e do nada surgem dezenas de crentes, que começam a rezar e gritar, interrompendo suas compras. Eles chamam de "flash mob evangélico". É uma chateação atrás da outra. 

Você ama Deus, acredita nele, acha maravilhoso ir na igreja, cantar e rezar, crê em diabo e sabe-se lá mais o quê, por que cargas d'água você não continua na sua igreja, feliz da vida, e, ao invés disso, vem na minha casa perturbar o meu sossego? É maravilhoso acreditar em Deus? Ótimo, seja egoísta, guarde só para você, não venha me incomodar. Eu não saio de casa e vou dentro da sua igreja dizer que Deus não existe.

A fé é um negócio bilionário no Brasil. Segundo a Receita Federal, somente as igrejas evangélicas faturam 30 bilhões de reais por ano. As igrejas não pagam impostos. Elas têm o que se chama de "imunidade tributária". É um dinheiro que escorre limpinho bolso  adentro dos responsáveis pelos templos. 

Os seres humanos tinham necessidade de crer em divindades. Não sabiam por que o sol aparecia toda manhã. Nem sabiam o que era o sol. Durante as tempestades, não conseguiam entender o acontecimento climático de raios e trovões. Associavam a tempestade à ira furiosa de algum deus invocado por causa de alguma diatribe humana. Para aplacar a ira divina, surgiram os sacerdotes, que mantinham relação próxima com a divindade (a exemplo do jogador de futebol). Os sacerdotes faziam sacrifícios. Matavam ovelhas, cabras, galinhas e muitas pessoas (principalmente, mulheres virgens). 

Os filósofos gregos já desmontavam essa crença vingativa da divindade com uma associação simples. Enquanto os sacerdotes juravam que os raios e trovões eram manifestação da ira de Zeus, os filósofos questionavam as velhas crenças e diziam que isso era uma bobagem, porque os raios também caíam e destruíam as igrejas que louvavam Zeus. 

Jornais relatam um massacre ocorrido em uma casa de shows, em Moscou (Rússia). Um grupo de celerados entrou no lugar e disparou a esmo. Morreram 140 pessoas. Todas desarmadas, que estavam no local para se divertir. Esse grupo de malucos quer instituir no planeta Terra um negócio chamado "califado", em que um religioso monárquico muçulmano é o chefe do governo. Outro grupo muçulmano invadiu Israel, em 7 de outubro de 2023, e matou centenas de pessoas. Esse grupo criminoso é genocida, planeja matar todos os judeus e eliminar o Estado de Israel.

A religião fez milhões de vítimas no passado. Continua a matar no presente. Esse pesadelo medieval, sem sentido, parece não ter fim.  

      

2 comentários:

  1. Bom dia, Danilo. Concordo plenamente com você. Esse proselitismo é extremamente irritante. O ateu é uma vítima do preconceito de todos os crentes – aqui no sentido mais amplo da palavra, incluindo praticamente todas as religiões. Essas pessoas ajudariam muito o mundo se cuidassem da própria vida, deixando os outros em paz; porém, essa situação continuará sempre enquanto as pessoas não aprenderem a fazer análise crítica de tudo o que instituições de todos os tipos há séculos lhes empurram. Um abraço.

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    1. Grato pelo comentário, Hilda. Concordo integralmente com você. "Essas pessoas ajudariam muito o mundo, se cuidassem da própria vida." Valeu.

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