terça-feira, 15 de novembro de 2022

Da série, momentos inesquecíveis: chegada em Angrimani

 

Vista da região de Recoaro Terme, a partir da contrada Angrimani

Uma tia, metida à milionária, disse uma vez que a nossa "famiglia" vinha de um condado, com direito a conde de verdade e símbolo heráldico. Essa informação, de caráter absolutamente irrelevante, devia proporcionar a ela uma sensação de aristocracia que a erguia por sobre os comuns mortais, os pés de chinelo, os pobres diabos. 

Talvez para tirar essa história a limpo, sempre tive vontade de conhecer o local de origem, aquele ponto de partida, de onde a minha família saiu para chegar a São Paulo. 

Algumas questões eram elementares: de onde eles saíram? Por quê? Esse lugar onde viviam na Itália era tão ruim assim, que os obrigou a partir?

Foram anos de pesquisa. Descobri que meu avô, o velho Guido, tinha seu registro de nascimento em uma localidade chamada Bolzano Vicentino. 

Pouco antes de morrer, meu pai me segredou que o velho Guido viera ao Brasil para montar uma gráfica para um jornal anarquista. Acabou fincando raízes em São Paulo, onde se casou com uma italiana na igreja de Santa Ifigênia. Teve cinco filhos e nunca mais retornou ao país natal. 

Graças à internet e às múltiplas possibilidades de busca, bati em um suposto lugarejo que se chamava, veja você, "Angrimani". O mapa do Google, que situa a gente dentro das ruas e avenidas, mostra o interior de restaurantes e lojas, na época, ainda não chegara por lá. De fato, existia um lugar, um povoado talvez, chamado "Angrimani". Mas o Google view street ainda não mostrava o que era.

Passaram os anos e essa pulga nunca quis sair detrás da minha orelha. Será que haveria algum remanescente da "famiglia" ainda morando por aquelas paragens? Como seria essa "cidadezinha"?

Chegada em Verona, onde tem o túmulo de Julieta, para montar acampamento. No dia seguinte, bem cedo, a primeira parada da viagem foi na prefeitura de Bolzano Vicentino. Sim, era "vero". Todos os Angrimani da região tiveram suas certidões de nascimento expedidas ali. 

Perguntei para a atendente, muito solícita, como faria para chegar em Angrimani. Ela me olhou como se eu quisesse desembarcar em Vênus e disse que não tinha a menor ideia de onde ficaria esse fim de mundo. 

Mas é por aqui... - insisti. Deve ser aqui perto.

Ela balançou a cabeça umas cem vezes para me certificar que nunca tinha ouvido falar o nome desse lugar que, para mim era quase mágico, e para ela um ponto solene de interrogação.

Então, a gente recorre à tecnologia. Põe o Waze para trabalhar. E não é que o danado sabe onde fica Angrimani? Mais do que sabe, ele consegue me levar até lá.

A Fiat de seis marchas começa a longa jornada dentro da manhã iluminada pelo sol caprichoso de outono. Dia ameno de novembro. Propício para grandes aventuras em território desconhecido. 

A Fiat Freemont começa a subir. Entra por ruas estreitas, vielas, vias tão apertadas que a gente reza para não aparecer um caminhão no sentido oposto. Vamos subindo sempre mais, em direção ao alto da montanha. Em muitas casas, veem-se bandeiras amarelas com um leão de asas. Percebo que o pessoal do Veneto é apegado às suas raízes. 


Às vezes, a rua é tão estreita que a gente pode enxugar a mão na toalha que seca no varal da casa. E sobe e continua subindo, sempre para o alto.

Angrimani, quem diria, deve ser mesmo um condado, com direito a um conde mal-humorado e castelo em ruínas. 

Então, à minha esquerda, aparece a placa mágica: "Contrada Angrimani". 



Ou seja, Angrimani não é uma cidadezinha, é uma via, uma estradinha estreita e simpática.

Lá do alto, a gente observa as montanhas verdejantes. Uma pequena localidade aqui e outra ali. A vista é emocionante. Inesquecível. Paisagem cinematográfica. 

Uma janela se abre. Aparece um senhor. "E aí, pessoal..." ele diz, em italiano, "o que vocês estão fazendo por aqui?".

Emocionado, informo: "Sou um Angrimani, senhor, vim conhecer a cidade do meu avô".

O sobrinho desse senhor da janela chama-se Enrico e sai da casa para conversar. Está vestido como se fosse disputar o Tour de France, com uniforme completo de ciclista. É barbudo, esguio e disposto a jogar conversa fora. É a minha cara quando ainda tinha 35 anos e usava barba.

Mostro para ele o passaporte, com o nome de família. Ele olha para mim, como se você estivesse cruzando o viaduto João Julião da Costa Aguiar e topasse com o próprio João Julião da Costa Aguiar em carne, osso, e terno cinza escuro com colete.

Ele revela que o último Angrimani, que ali vivia, foi convocado por Mussolini para lutar na 2ª Guerra e desapareceu no front soviético. "Achamos que a família tinha sido extinta até você aparecer hoje por aqui", ele diz, sorridente, quem sabe feliz pela rua, onde vive, ainda ter um descendente direto.

A gente percorre a rua, a "contrada Angrimani", onde tem uma casa, quase em ruínas, onde se lê no alto da fachada: "1831".

"A sua família morava nesta casa", comenta Enrico.

A casa vizinha à moradia do senhor da janela, que continua participando da conversa mesmo lá de cima, está à venda. É um imóvel "caidaço". Olhando de fora, dá impressão que vai se desfazer como a casinha de palha do porquinho sob o sopro do Lobo Mau.

"Quanto custa?", pergunto.

"Cinquenta mil euros" - Enrico responde, sem hesitação.

"Vou comprar", falo brincando.

"Vai fazer um negócio do 'catzo'", ele diz e a gente ri muito.

Pergunto se algum dia morou em Angrimani algum conde, ou se o lugar tem símbolo heráldico do condado, o senhor da janela responde que nunca ouviu falar dessa história.

"Era um pessoal simples. Trabalhador."

"Lavoratore."

Mais informação: os primeiros moradores daquelas montanhas eram tribos celtas, que haviam emigrado e se radicado no que viria a ser a região de Veneto.

Pouco depois, a gente se despede. Partimos, com a sensação do dever cumprido, do sonho realizado, da aventura bem-sucedida.

Lá embaixo, paramos em uma espécie de taberna, decorada com mesas rústicas de madeira, ambiente escuro e o indefectível bar com as dispensadoras de cerveja, tendo as marcas das "biras" sobre as torneiras. Eles servem brusquetas gigantes com coberturas variadas de mozarela, aliche, gorgonzola, funghi, alcachofras e sabe-se lá deus mais o quê. É um festival de carboidratos, um hino ao prazer, galvanizado com vinho e cerveja da região.

Saboreando a brusqueta gigante, que é crocante e se desfaz na boca, comemoro a "redescoberta" de Angrimani. E a satisfação maior: não havia condes metidos à besta na minha "famiglia".

"Chupa, tia", penso, mas não comento em voz alta. 

Tradução para o italiano:

Una zia, che si credeva milionaria, disse una volta che la nostra "famiglia" veniva da una contea, con un vero conte e uno stemma araldico. Questa informazione, di carattere assolutamente irrilevante, doveva darle una sensazione di aristocrazia che la elevava al di sopra dei comuni mortali, i piedi scalzi, i poveri diavoli.

Forse per chiarire questa storia, ho sempre avuto il desiderio di conoscere il luogo di origine, quel punto di partenza da cui la mia famiglia è partita per arrivare a San Paolo.

Alcune domande erano elementari: da dove sono partiti? Perché? Questo posto dove vivevano in Italia era così brutto da costringerli a partire?

Sono stati anni di ricerca. Ho scoperto che mio nonno, il vecchio Guido, aveva il suo certificato di nascita in una località chiamata Bolzano Vicentino.

Poco prima di morire, mio padre mi sussurrò che il vecchio Guido era venuto in Brasile per aprire una tipografia per un giornale anarchico. Finì per mettere radici a San Paolo, dove sposò un'italiana nella chiesa di Santa Ifigênia. Ebbe cinque figli e non tornò mai più nel suo paese natale.

Grazie a internet e alle molteplici possibilità di ricerca, mi sono imbattuto in un presunto paesino chiamato, guarda un po', "Angrimani". La mappa di Google, che ci situa all'interno di strade e viali, mostra l'interno di ristoranti e negozi, all'epoca, non era ancora arrivata lì. In effetti, esisteva un posto, un villaggio forse, chiamato "Angrimani". Ma Google Street View non mostrava ancora cosa fosse.

Passarono gli anni e questa pulce non volle mai uscire da dietro il mio orecchio. Ci sarebbe stato qualche rimanente della "famiglia" ancora residente in quelle zone? Come sarebbe stato questo "paesino"?

Arrivato a Verona, dove c'è la tomba di Giulietta, per montare il campo. Il giorno dopo, di buon'ora, la prima tappa del viaggio fu nel municipio di Bolzano Vicentino. Sì, era "vero". Tutti gli Angrimani della regione avevano avuto i loro certificati di nascita rilasciati lì.

Chiesi all'addetta, molto solerte, come avrei potuto raggiungere Angrimani. Mi guardò come se volessi atterrare su Venere e disse che non aveva la minima idea di dove potesse essere questo posto.

Ma è qui vicino... - insistetti. Deve essere qui intorno.

Scosse la testa un centinaio di volte per farmi capire che non aveva mai sentito parlare di questo posto che, per me era quasi magico, e per lei un punto solenne di domanda.

Allora, ricorriamo alla tecnologia. Mettiamo Waze al lavoro. E non è che il dannato sa dove si trova Angrimani? Più che saperlo, riesce a portarmici.

La Fiat a sei marce inizia il lungo viaggio nella mattina illuminata dal sole capriccioso dell'autunno. Giorno mite di novembre. Propizio per grandi avventure in territorio sconosciuto.

La Fiat Freemont inizia a salire. Entra per strade strette, vicoli, vie così strette che si prega che non appaia un camion in senso opposto. Saliamo sempre più, verso la cima della montagna. In molte case, si vedono bandiere gialle con un leone alato. Noto che la gente del Veneto è molto legata alle sue radici.

A volte, la strada è così stretta che si può asciugare la mano nell'asciugamano che si asciuga alla finestra della casa. E si sale e si continua a salire, sempre verso l'alto.

Angrimani, chi l'avrebbe detto, deve essere davvero una contea, con diritto a un conte scontroso e un castello in rovina.

Allora, alla mia sinistra, appare il cartello magico: "Contrada Angrimani".

Cioè, Angrimani non è un paesino, è una via, una stradina stretta e simpatica.

Da lassù, si osservano le montagne verdeggianti. Una piccola località qui e un'altra là. La vista è emozionante. Indimenticabile. Paesaggio cinematografico.

Una finestra si apre. Appare un signore. "Ehi, gente..." dice, in italiano, "cosa state facendo qui?".

Emozionato, informo: "Sono un Angrimani, signore, sono venuto a conoscere la città di mio nonno".

Il nipote di questo signore alla finestra si chiama Enrico ed esce di casa per chiacchierare. È vestito come se stesse per disputare il Tour de France, con la completa uniforme da ciclista. È barbuto, slanciato e disposto a chiacchierare. È la mia faccia quando avevo 35 anni e portavo la barba.

Gli mostro il passaporto, con il nome della famiglia. Mi guarda, come se stessi attraversando il viadotto João Julião da Costa Aguiar e incontrassi il vero João Julião da Costa Aguiar in carne, ossa e completo grigio scuro con gilet.

Rivela che l'ultimo Angrimani, che viveva lì, fu chiamato da Mussolini per combattere nella Seconda Guerra Mondiale e scomparve sul fronte sovietico. "Pensavamo che la famiglia si fosse estinta fino a quando sei apparso oggi qui", dice, sorridente, chissà felice che la strada dove vive abbia ancora un discendente diretto.

Percorriamo la strada, la "contrada Angrimani", dove c'è una casa, quasi in rovina, sulla cui facciata si legge: "1831".

"La tua famiglia viveva in questa casa", commenta Enrico.

La casa accanto alla residenza del signore alla finestra, che continua a partecipare alla conversazione anche da lassù, è in vendita. È un immobile "cadente". Guardandolo da fuori, sembra che si disintegrerà come la casetta di paglia del maialino sotto il soffio del Lupo Cattivo.

"Quanto costa?", chiedo.

"Cinquanta mila euro" - risponde Enrico, senza esitazione.

"La compro", dico scherzando.

"Farai un affare del 'catzo'", dice e ridiamo molto.

Chiedo se sia mai vissuto un conte ad Angrimani, o se il posto abbia uno stemma araldico della contea, il signore alla finestra risponde di non aver mai sentito questa storia.

"Era gente semplice. Lavoratrice."

"Lavoratore."

Altre informazioni: i primi abitanti di quelle montagne erano tribù celtiche, che erano emigrate e si erano stabilite in quella che sarebbe diventata la regione del Veneto.

Poco dopo, ci salutiamo. Partiamo, con la sensazione del dovere compiuto, del sogno realizzato, dell'avventura riuscita.

Laggiù, ci fermiamo in una specie di taverna, decorata con tavoli rustici di legno, ambiente scuro e l'indispensabile bancone con i distributori di birra, con i marchi delle "bire" sopra i rubinetti. Servono bruschette giganti con coperture varie di mozzarella, acciughe, gorgonzola, funghi, carciofi e chissà cos'altro. È un festival di carboidrati, un inno al piacere, galvanizzato con vino e birra della regione. 

Assaporando la bruschetta gigante, che è croccante e si scioglie in bocca, celebro la "riscoperta" di Angrimani. E la soddisfazione più grande: non c'erano conti snob nella mia "famiglia".

"Prendi questo, zia", penso, ma non lo dico ad alta voce.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Humorista Leo Lins é censurado pela Justiça Federal

  Leonardo de Lima Borges Lins, o humorista condenado O início é óbvio: Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, que trata...