Em entrevista ao Roda Viva, o cineasta Fernando
Meirelles (Cidade de Deus e Dois Papas) disse que o documentário Honeyland é
favorito ao Oscar. Honeyland seria o "grande filme", enquanto o
representante brasileiro Democracia em vertigem, da cineasta Petra Costa,
não estaria no mesmo patamar.
Honeyland, dirigido por Tamara Kotevska e Ljubomir Stefanov, conta a história da apicultora Hatidze Muratova, que vive em uma zona remota da Macedônia, país enfiado entre a Bulgária, Kosovo, Sérvia e Grécia, sem saída para o mar. Hatidze cuida da mãe doente. Tem uma existência solitária, cuidando de suas abelhas e produzindo mel que vai vender na capital Escópia.
Para realizar Honeyland foram necessárias 400 horas de filmagem, que se arrastaram por três anos. O documentário mostra como a chegada de vizinhos - pai, mãe e uma penca de filhos de todas as idades - vai bagunçar a vida de Hatidze.
Os novos vizinhos têm um rebanho de vacas e decidem investir na apicultura. O resultado é ecologicamente desastroso. As crianças - obrigadas a trabalhar - viram "pasto" para as abelhas. Eles são picados, inchados e revoltam-se contra os pais, no caso seus "patrões".
Outras cenas mostram o nascimento de um novilho, arrancado do ventre da vaca por uma criança, que parece ter muito nojo do que está fazendo. São mostradas festas, reuniões locais e a ida de Hatidze à cidade para vender seu mel.
Honeyland é um filme local. Trabalha na metáfora do frágil equilíbrio ambiental e como os seres humanos são especialistas em dizimar a natureza. Os "atores" são pessoas reais. Não há falas decoradas, nem texto a ser seguido. O filme retrata uma vida miserável de pessoas muito pobres e excluídas.
Honeyland é um excelente documentário. Mas, peço desculpas a Fernando Meirelles, é menor, em comparação a Democracia em vertigem.
O filme de Petra Costa não se resume a uma localidade, a um personagem, é amplo, macro. Discute o golpe de direita que derrubou uma presidente eleita. Democracia em vertigem foi selecionado pelo "comunista" The New York Times como um dos melhores filmes do ano.
Petra Costa, 36 anos, adiciona ao documentário as contradições de sua vida. Ela é neta de um dos fundadores da construtora multinacional Andrade Gutierrez (empresa condenada por corrupção) e filha de pais guerrilheiros, presos e exilados, durante a Ditadura Militar.
Cai Dilma, entra Michel Temer e chega o capitão
autoritário, favorável ao armamentismo, aos agrotóxicos, inimigo número 1 dos
LGBTs, das reservas indígenas e dos quilombolas.
Com voz de alguém que sente muita dor, Petra
encadeia as desgraças da política brasileira, esse buraco sem fundo em que nos
encontramos.
Ontem, dando uma banana para o artigo 37 da Constituição, a Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência) usou o dinheiro público para atacar a cineastra Petra e seu documentário. Chamando criadora e criatura de "anti-Brasil".
O artigo 37 fala que o governo deve ter "impessoalidade". Não foi o caso da Secom, comandada por Fabio Wajngarten, investigado pela Polícia Federal por "peculato e corrupção passiva".
No The Guardian, edição de hoje, um articulista menciona que, geralmente, governantes ficam felizes quando uma obra artística, que representa seus países, ganha uma honraria internacional. Não foi o caso do governo Bolsonaro em relação à Democracia em vertigem, menciona o jornal inglês.
Para defender Petra Costa e sua obra, Caetano Veloso e Chico Buarque divulgaram vídeos, falando da importância do filme, disponível pela Netflix. No campo adversário, um enciumado Pedro Bial, que perdeu dez anos de sua longa existência apresentando aquela porcaria de bês ao cubo, disse que Petra é "uma menina querendo dizer para a mamãe dela que fez tudo certinho".
Estamos nesse cabo de guerra. Para os defensores do governo Bolsonaro, Democracia em vertigem é o inimigo da vez e deve ser ferozmente combatido. Já os 89 milhões, que não votaram no capitão, irão torcer pelo representante brasileiro no Oscar.
De minha parte, gostaria que Democracia em vertigem levasse a estatueta. Entre outros motivos, porque é um documentário excepcional e representa um soco bem dado no fígado de bolsominions e companhia bela.
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