sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Este crime chamado Justiça

A promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho
E ao lado do deputado Rodrigo Amorim


O filme Este crime chamado Justiça, dirigido por Dino Risi,  tem o título em italiano de In nome del popolo. Foi lançado em 1971. Conta a história de um promotor (interpretado por Ugo Tognazzi) que investiga os crimes de um empresário (Vittorio Gassman), notório poluidor e suspeito de ter espancado a amante até a morte. O promotor visita a casa do empresário e fica chocado com a falta de moralidade da família de milionários. O promotor vai fundo na investigação e conclui que o empresário é inocente. O diário, escrito pela amante, esclarece os fatos. Mesmo assim, disposto a fazer justiça a qualquer preço, o promotor queima o diário e, de posse das provas obtidas até então, manda o empresário para a cadeia. Mesmo sabendo que - desse crime, de assassinato - ele era inocente.

Como repórter, vivi algo parecido. Quando da morte do prefeito Celso Daniel, estive no local onde o prefeito foi arrebatado pela quadrilha do Monstro (Ivan Rodrigues da Silva). Encontrei uma senhora, que morava vizinha ao local onde ocorreu o tiroteio, que testemunhou toda a ação e corroborava a versão de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que dirigia o veículo, atacado pelos bandidos. 

Levei a informação aos promotores, que investigavam o caso, e eles me disseram que essa testemunha não servia. "Essa é uma testemunha de defesa", disseram. "Não interessa para nós." 

Já naquela época, os promotores faziam "vazamentos seletivos". Passavam a maior parte das informações para uma repórter da Folha. Um dos integrantes dessa força-tarefa era o promotor Roberto Wider Filho, que, recentemente, ganhou a capa da revista Veja, com um novo depoimento  de Marcos Valério, acusando Lula de ter mandado matar Celso Daniel.

Os promotores, que investigavam o arrebatamento e o assassinato do prefeito Celso Daniel, criaram uma linha de investigação paralela que incriminava, sub-repticiamente, o PT (Partido dos Trabalhadores), representado pelo grupo de Sérgio Sombra, do qual faziam parte o empresário Ronan Maria Pinto e Klinger Souza (secretário municipal e vereador de Santo André). Segundo os promotores, Sombra, Ronan e Klinger teriam contratado o bando do Monstro para matar o prefeito e assim continuar com seu plano de extorsão de empresários na Prefeitura de Santo André. 

Essa versão, criada pelos promotores, nunca foi aceita pela Polícia Civil. O ex-delegado Marcos Carneiro Lima, que trabalhou na Divisão Antissequestro, concedeu uma entrevista esclarecedora ao jornal El País, em abril de 2016, falando sobre o caso. Quem adora teorias conspiratórias vai ficar frustrado, depois de ler a matéria: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/02/politica/1459619861_766410.html.

O sequestro do prefeito Celso Daniel começou a ser esclarecido na mesma noite. Uma testemunha que morava na Favela Pantanal estava lavando roupa em seu barraco, quando ouviu dois criminosos, comentando que haviam feito uma bobagem e sequestrado o prefeito de Santo André. Essa testemunha saiu de casa e foi até a Rádio Jovem Pan, onde prestava serviço. Pediu para falar com o presidente da rádio e contou o que tinha ouvido. O empresário ligou imediatamente para o delegado Edson de Santi, do Deic, que dirigiu-se até a favela. De Santi encontrou o cativeiro e localizou uma carteira funcional do prefeito, provando que ele havia estado lá. Os bandidos haviam removido o prefeito e o levado para outro cativeiro, uma chácara na região de Juquitiba. 

Quando o Monstro percebeu que estavam com um problema sério nas mãos, ligou para um dos bandidos, que ouviu a mensagem: "Dá linha no cara", e entendeu que era para fuzilar o prefeito, quando, na realidade, a ordem era para soltá-lo.

Toda essa história me levou a acreditar que alguns promotores estão a serviço de um projeto político, muito mais do que a serviço da Justiça. São promotores e procuradores partidários. Assim como tem jornalista partidário, também tem integrantes do Judiciário a serviço de uma determinada causa política. Isso é grave e tem consequências desastrosas.

A Vaza Jato mostrou que a Lava Jato foi partidária ao prender o ex-presidente Lula sem provas. Lula foi preso para não participar das eleições de 2018. Está encarcerado, por causa de um apartamento que nunca foi dele e onde ele nunca morou. Não sou eu quem diz isso. É o próprio Deltan Dallagnol ao comentar com o então juiz Sergio Moro a falta de robustez de provas, como revelou o site The Intercept Brasil.  

O caso que está hoje na pauta dos jornais é o da promotora carioca Carmen Eliza Bastos de Carvalho. Ela postou fotos em redes sociais, apoiando a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência. Tem foto dela ao lado do deputado Rodrigo Amorim. Amorim ganhou as manchetes, depois de ter quebrado a placa da rua que homenageava a vereadora Marielle Franco. 

Acredite ou não, a promotora Carmen Eliza integrava força-tarefa que investiga o assassinato da vereadora Marielle. Foi esse mesmo Ministério Público do Rio de Janeiro, da qual faz parte a promotora Carmen, que, em menos de um dia, colheu provas e desmentiu o porteiro do condomínio onde moram Bolsonaro e o miliciano Ronnie Lessa, implicado na morte de Marielle. 

O porteiro havia dito, em depoimento, que um dos suspeitos de assassinar Marielle - Élcio de Queiroz - teria ido visitar Bolsonaro, em 14 de março de 2018. Naquela mesma noite, Marielle seria executada. 

Reportagem do Jornal Nacional trouxe o depoimento do porteiro e mostrou o caderno de visitas do condomínio, que apontava Élcio, indo em direção à casa de número 58, onde mora Bolsonaro. Segundo o porteiro, que observou o carro trafegando dentro do condomínio, Élcio não foi em direção ao número 58 e sim em direção à casa de Ronnie Lessa. O porteiro teria ligado para a casa de Bolsonaro e lhe disseram que estava tudo certo. Não era para ele se preocupar. 

O MP do Rio de Janeiro foi rápido ao desmentir o porteiro. Mas mostra velocidade de câmara lentíssima, quase parando, ao investigar o caso Fabrício Queiroz. Em dezembro de 2018, o jornal O Estado de S.Paulo trouxe reportagem exclusiva denunciando um esquema de rachadinhas no gabinete do então deputado estadual (hoje senador) Flávio Bolsonaro. Desde então, o Ministério Público do Rio de Janeiro, do qual faz parte a promotora Carmen (entusiasta declarada de Bolsonaro e cia. bela), não consegue ouvir Queiroz. Não consegue pegar seu depoimento, nem mandar prendê-lo, para averiguação. Até a Revista Veja sabe onde está o Queiroz. Só falta o MP carioca tomar ciência.    

Antes de ser afastada, a promotora Carmen se antecipou e pediu para ficar fora de casos que envolvam a família Bolsonaro. O partidarismo estraga as instituições. Atrapalha o bom jornalismo e é um desastre na Justiça. É tão ou mais corrosivo que a corrupção.

       

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Humorista Leo Lins é censurado pela Justiça Federal

  Leonardo de Lima Borges Lins, o humorista condenado O início é óbvio: Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, que trata...