terça-feira, 19 de novembro de 2019

Filme sul-coreano "Parasita" discute desigualdade social


Estreou em São Paulo o filme Parasita, do diretor Bong Joon-ho. Em Cannes (França), a produção levou a Palma de Ouro. Foi a primeira vez que um filme sul-coreano ganhou esse prêmio, com o voto unânime do júri. Parasita é uma paulada em nosso discernimento. Mistura drama, comédia, desgraça, paixão, miséria, ostentação, sexo na mesma embalagem. E, principalmente, põe em discussão a desigualdade social.  

O pai, a mãe e os dois filhos vivem como ratos. Moram em um porão. Ganham a vida, montando caixas de pizzas. Os quatro são competentes. O rapaz e a garota, inteligentes. O pai é trabalhador e a mãe uma boa administradora de casa. Mas a família vive de subempregos, à margem, em um buraco social. A vida começa a melhorar quando o rapaz arruma emprego como professor particular de uma adolescente milionária. Aos poucos, todos os integrantes da família conseguem emprego na casa.

A família pobre é unida. Atua como um único bloco, eliminando outros funcionários para ocupar seus lugares. Recorre a golpes desonestos, sem dor na consciência. O importante é sobreviver, no melhor darwinismo social. São insetos rastejantes, se esgueirando pelo esgoto, alimentando-se das sobras.

Dentro da casa dos ricos, eles vão usufruir, temporariamente, de prazeres, até então, inacessíveis. Comem e bebem com fartura. Aproveitam a maciez das camas dos patrões. Deleitam-se com a majestosa vista de um jardim interno gramado, graciosamente iluminado e banhado por uma chuva bem-vinda numa noite de calor intenso.

Do lado dos milionários, o provedor é um industrial que sente nojo do cheiro dos pobres. "Essa gente que usa metrô.". A mulher dele é, absolutamente, incompetente. Só presta para ir às compras. O menino rico é malcriado, mimado e domina os pais. A garota, sonhadora, bobinha, apaixona-se pelo rapaz pobre.

O filme provoca a dúvida: quem é o verdadeiro parasita? Os miseráveis que conseguem uma brecha e invadem o castelo dos ricos; ou os ricos, que sugam a energia dos pobres, para a realização de tarefas ordinárias, como cozinhar, lavar roupa, dirigir o carro, ir ao mercado e manter a casa limpa?      

Candidato ao Oscar, Parasita venceria fácil se a estatueta fosse entregue em outro país. Nos Estados Unidos, de Donald Trump, o filme pode ser considerado "comunista" e corre o risco de ficar fora da premiação. Aliás, no Brasil, da família 01, 02 e 03, Parasita também corre o risco de virar "comunista".




   

sábado, 9 de novembro de 2019

O PT saiu da cadeia junto com Lula



A saída do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ontem da prisão, em Curitiba (PR), foi apoteótica. Teve discurso, homenagens, abraços, beijos e felicitações mil. Não foi só Lula que saiu da cadeia. O PT, também. 

Houve reparação de uma injustiça. Na quinta-feira, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu por 6 votos a 5 que a Constituição deve ser respeitada. Em seu artigo 5º, a Constituição ordena que a prisão só deve ocorrer depois de "trânsito em julgado". Significa que, enquanto houver instância jurídica a ser percorrida, o acusado não pode ser preso.

A Lava Jato atropelou a Constituição. Prendeu opositores. Guardou Lula na cadeia, para não participar da eleição de 2018. Mesmo debaixo de uma avalanche sempiterna de acusações, com a mídia oficial descendo o cacete, Lula venceria o pleito. A solução foi enquadrá-lo. Em abril de 2018, com voto decisivo da então presidente do STF, Cármen Lúcia, foi negado habeas corpus a Lula. Pouco depois, o líder do Partido dos Trabalhadores seria preso e levado à "República de Curitiba".

A prisão de Lula foi uma excrescência jurídica. Não havia provas contra ele. Veja o que diz o então "comandante supremo" da Lava Jato, Deltan Dallagnol, a um grupo de WhatsApp, antes de apresentar o power point, que ligaria todas as flechas da corrupção a Lula:

“Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornal e indícios frágeis… então é um item que é bom que esteja bem amarrado. Fora esse item, até agora tenho receio da ligação entre petrobras e o enriquecimento, e depois que me falaram to com receio da história do apto… São pontos em que temos que ter as respostas ajustadas e na ponta da língua”    


Graças à Vaza Jato, perpetrada pelo site The Intercept Brasil, ficamos sabendo aquilo que já imaginávamos. Não havia mesmo provas factuais contra Lula. Era um movimento político para "quebrar as pernas" do ex-presidente. 

Tem o outro lado. O artigo 5º precisa ser modificado. Não dá mais para suportar a impunidade. Político corrupto tem de ir pra cadeia. Esse "trânsito em julgado" é um atraso de vida. Quem tinha bons advogados, como era o caso de Paulo Maluf, corrupto sacramentado, nunca ia preso. Recorria aqui. Recorria acolá. E ficava livre, leve e solto até o processo prescrever. 

Se a Lava Jato não conseguiu encontrar o "batom na cueca", expressão preferida do inesquecível Ricardo Boechat, isso não significa que não havia corrupção no governo petista. No primeiro mandato de Lula na Presidência, o então ministro da Casa Civil, José Dirceu, subornava parlamentares para aprovar projetos, no esquema chamado de Mensalão. Depois, viria o PetrolãoMilhões de recursos da Petrobras foram desviados. Foi tanta grana que quase quebrou a Petrobras

O esquema - descoberto pela Lava Jato de Dallagnol, Sergio Moro & cia. - revirava as entranhas da corrupção política. Empresários pagavam propina a políticos. Conseguiam faturar milhões em obras. E devolviam essas facilidades, repassando recursos para os partidos. Recursos públicos eram drenados e voavam para o exterior, graças a uma bem orquestrada indústria de doleiros. Na cara dura, políticos ligavam para empresários e pediam dinheiro. O ex-presidenciável Aécio Neves foi pilhado em uma gravação, com o pires na mão, querendo 2 milhões de reais.    

A Lava Jato buscou os holofotes e os encontrou. Do dia para noite, procuradores e juízes anônimos viraram celebridades. A mídia oficial transformou esse pessoal da toga e terno cinza de pastor evangélico nos heróis da resistência. Os políticos - praticamente todos eles, sem exceção - eram os bandidos da história.

No meio desse torvelinho, a pobre presidente Dilma Roussef foi derrubada. Graças a um problema contábil, chamado de "pedalada", dois advogados - o circunspecto Miguel Reale Jr. e a psicodélica Janaína Paschoal - abriram processo de impeachment, que ganhou sinal verde do então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Dilma desceu a ladeira do Palácio do Planalto. Depois, seria a vez do corrupto Cunha cair em desgraça e ser enjaulado. 

Enquanto ocorriam as prisões de políticos, empresários, empreiteiros, doleiros, o vai e vem de advogados aos tribunais, para libertar os corruptos, ganhava ares de romaria perdida, em que os fiéis andam milhares de quilômetros e, ao chegar ao destino, não encontram mais o santo no lugar devido.

Os advogados de defesa nunca tinham visto nada parecido. A Lava Jato prendia e não soltava. Para isso, os procuradores se transformaram em Batman, na comparação feliz do jornalista da direita conservadora Reinaldo Azevedo. Batman e bandidos têm muito em comum. Todos atropelam a lei. Batman combate os criminosos, sem se importar com direitos civis e constitucionais. O juiz Sergio Moro comandava os procuradores da Lava Jato, dando dicas, fazendo sugestões, sendo tudo, menos um juiz imparcial. 

Moro condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão, baseado em "convicção". Não havia o "batom na cueca". Apenas a convicção de que Lula era corrupto. A mídia oficial delirou. Moro ganhou as manchetes. No maniqueísmo de ocasião, os petistas eram bandidos e os justiceiros de toga, os mocinhos.

Como prêmio pelos bons serviços prestados, Moro foi guindado, no início deste ano, a ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro. Eleito na esteira do ódio ao PT, Bolsonaro obteve 57 milhões de votos. 89 milhões de eleitores não votaram nele. 47 milhões preferiram o candidato petista, Fernando Haddad, apoiado por Lula. E 42 milhões decidiram não votar em ninguém, enojados com tanta corrupção política.

 Veio a Vaza Jato, do The Intercept Brasil, e a opinião pública entendeu que a Lei maior, a Constituição, havia sido desrespeitada pelos "heróis" da Lava Jato. Imensamente felizes com a fama súbita, os procuradores lavajatistas faturavam os tubos em palestras bem remuneradas. 

Com a Lava Jato sob escrutínio, os ministros deuses do STF reuniram-se na quinta-feira e fizeram o que se espera deles: preservaram a Constituição. Assim, o famoso artigo 5º acabou prevalecendo e com ele, a libertação de Lula, preso injustamente. 

Dizem que Lula percorrerá novamente o País em uma reedição da "caravana da esperança". Antes disso, o PT - que saiu finalmente da cadeia - pode retornar às atividades. A começar, deveria fazer um mea culpa. É preciso pedir desculpas a seus eleitores, àquela gente ingênua que colocava adesivo da estrela petista na porta de suas casas e pendurava broches na lapela. O PT deve pegar um caixote de madeira, subir nele nas praças das cidades e gritar alto e bom som: 

"Pessoal, o PT errou. O PT permitiu que houvesse corrupção. O PT foi um partido igual aos outros. Nos desculpem. Isso não vai ocorrer novamente.

É isso que os eleitores de Lula esperam que ocorra. Não dá para fingir que nada ocorreu. Porque ocorreu. E o que aconteceu sujou a estrela petista. É preciso limpá-la. Fazer um rebranding da marca. Ano que vem haverá eleições municipais e o PT precisa estar preparado, porque senão vai levar outro cacete monumental das urnas.  

          

sexta-feira, 1 de novembro de 2019

Este crime chamado Justiça

A promotora Carmen Eliza Bastos de Carvalho
E ao lado do deputado Rodrigo Amorim


O filme Este crime chamado Justiça, dirigido por Dino Risi,  tem o título em italiano de In nome del popolo. Foi lançado em 1971. Conta a história de um promotor (interpretado por Ugo Tognazzi) que investiga os crimes de um empresário (Vittorio Gassman), notório poluidor e suspeito de ter espancado a amante até a morte. O promotor visita a casa do empresário e fica chocado com a falta de moralidade da família de milionários. O promotor vai fundo na investigação e conclui que o empresário é inocente. O diário, escrito pela amante, esclarece os fatos. Mesmo assim, disposto a fazer justiça a qualquer preço, o promotor queima o diário e, de posse das provas obtidas até então, manda o empresário para a cadeia. Mesmo sabendo que - desse crime, de assassinato - ele era inocente.

Como repórter, vivi algo parecido. Quando da morte do prefeito Celso Daniel, estive no local onde o prefeito foi arrebatado pela quadrilha do Monstro (Ivan Rodrigues da Silva). Encontrei uma senhora, que morava vizinha ao local onde ocorreu o tiroteio, que testemunhou toda a ação e corroborava a versão de Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, que dirigia o veículo, atacado pelos bandidos. 

Levei a informação aos promotores, que investigavam o caso, e eles me disseram que essa testemunha não servia. "Essa é uma testemunha de defesa", disseram. "Não interessa para nós." 

Já naquela época, os promotores faziam "vazamentos seletivos". Passavam a maior parte das informações para uma repórter da Folha. Um dos integrantes dessa força-tarefa era o promotor Roberto Wider Filho, que, recentemente, ganhou a capa da revista Veja, com um novo depoimento  de Marcos Valério, acusando Lula de ter mandado matar Celso Daniel.

Os promotores, que investigavam o arrebatamento e o assassinato do prefeito Celso Daniel, criaram uma linha de investigação paralela que incriminava, sub-repticiamente, o PT (Partido dos Trabalhadores), representado pelo grupo de Sérgio Sombra, do qual faziam parte o empresário Ronan Maria Pinto e Klinger Souza (secretário municipal e vereador de Santo André). Segundo os promotores, Sombra, Ronan e Klinger teriam contratado o bando do Monstro para matar o prefeito e assim continuar com seu plano de extorsão de empresários na Prefeitura de Santo André. 

Essa versão, criada pelos promotores, nunca foi aceita pela Polícia Civil. O ex-delegado Marcos Carneiro Lima, que trabalhou na Divisão Antissequestro, concedeu uma entrevista esclarecedora ao jornal El País, em abril de 2016, falando sobre o caso. Quem adora teorias conspiratórias vai ficar frustrado, depois de ler a matéria: https://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/02/politica/1459619861_766410.html.

O sequestro do prefeito Celso Daniel começou a ser esclarecido na mesma noite. Uma testemunha que morava na Favela Pantanal estava lavando roupa em seu barraco, quando ouviu dois criminosos, comentando que haviam feito uma bobagem e sequestrado o prefeito de Santo André. Essa testemunha saiu de casa e foi até a Rádio Jovem Pan, onde prestava serviço. Pediu para falar com o presidente da rádio e contou o que tinha ouvido. O empresário ligou imediatamente para o delegado Edson de Santi, do Deic, que dirigiu-se até a favela. De Santi encontrou o cativeiro e localizou uma carteira funcional do prefeito, provando que ele havia estado lá. Os bandidos haviam removido o prefeito e o levado para outro cativeiro, uma chácara na região de Juquitiba. 

Quando o Monstro percebeu que estavam com um problema sério nas mãos, ligou para um dos bandidos, que ouviu a mensagem: "Dá linha no cara", e entendeu que era para fuzilar o prefeito, quando, na realidade, a ordem era para soltá-lo.

Toda essa história me levou a acreditar que alguns promotores estão a serviço de um projeto político, muito mais do que a serviço da Justiça. São promotores e procuradores partidários. Assim como tem jornalista partidário, também tem integrantes do Judiciário a serviço de uma determinada causa política. Isso é grave e tem consequências desastrosas.

A Vaza Jato mostrou que a Lava Jato foi partidária ao prender o ex-presidente Lula sem provas. Lula foi preso para não participar das eleições de 2018. Está encarcerado, por causa de um apartamento que nunca foi dele e onde ele nunca morou. Não sou eu quem diz isso. É o próprio Deltan Dallagnol ao comentar com o então juiz Sergio Moro a falta de robustez de provas, como revelou o site The Intercept Brasil.  

O caso que está hoje na pauta dos jornais é o da promotora carioca Carmen Eliza Bastos de Carvalho. Ela postou fotos em redes sociais, apoiando a candidatura de Jair Bolsonaro à Presidência. Tem foto dela ao lado do deputado Rodrigo Amorim. Amorim ganhou as manchetes, depois de ter quebrado a placa da rua que homenageava a vereadora Marielle Franco. 

Acredite ou não, a promotora Carmen Eliza integrava força-tarefa que investiga o assassinato da vereadora Marielle. Foi esse mesmo Ministério Público do Rio de Janeiro, da qual faz parte a promotora Carmen, que, em menos de um dia, colheu provas e desmentiu o porteiro do condomínio onde moram Bolsonaro e o miliciano Ronnie Lessa, implicado na morte de Marielle. 

O porteiro havia dito, em depoimento, que um dos suspeitos de assassinar Marielle - Élcio de Queiroz - teria ido visitar Bolsonaro, em 14 de março de 2018. Naquela mesma noite, Marielle seria executada. 

Reportagem do Jornal Nacional trouxe o depoimento do porteiro e mostrou o caderno de visitas do condomínio, que apontava Élcio, indo em direção à casa de número 58, onde mora Bolsonaro. Segundo o porteiro, que observou o carro trafegando dentro do condomínio, Élcio não foi em direção ao número 58 e sim em direção à casa de Ronnie Lessa. O porteiro teria ligado para a casa de Bolsonaro e lhe disseram que estava tudo certo. Não era para ele se preocupar. 

O MP do Rio de Janeiro foi rápido ao desmentir o porteiro. Mas mostra velocidade de câmara lentíssima, quase parando, ao investigar o caso Fabrício Queiroz. Em dezembro de 2018, o jornal O Estado de S.Paulo trouxe reportagem exclusiva denunciando um esquema de rachadinhas no gabinete do então deputado estadual (hoje senador) Flávio Bolsonaro. Desde então, o Ministério Público do Rio de Janeiro, do qual faz parte a promotora Carmen (entusiasta declarada de Bolsonaro e cia. bela), não consegue ouvir Queiroz. Não consegue pegar seu depoimento, nem mandar prendê-lo, para averiguação. Até a Revista Veja sabe onde está o Queiroz. Só falta o MP carioca tomar ciência.    

Antes de ser afastada, a promotora Carmen se antecipou e pediu para ficar fora de casos que envolvam a família Bolsonaro. O partidarismo estraga as instituições. Atrapalha o bom jornalismo e é um desastre na Justiça. É tão ou mais corrosivo que a corrupção.

       

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