sexta-feira, 19 de julho de 2019
Divino amor é um filme conservador, com disfarce crítico
"Deus existe". Essa é a mensagem fundamental do filme Divino amor, de Gabriel Mascaro. Sob o disfarce de criticar os neopentecostais, a produção vai remeter à imaculada concepção. É uma alucinação futurista.
Quem é ateu fica observando aquela 1h41min de uma distopia muito próxima à nossa realidade, para tentar entender o caminho que o roteiro, escrito por um trisal de autores, vai empreender.
O resultado é conservador. Deus existe, mas está longe dos religiosos e das religiões, que são tão burocráticos, tão enclausurados nos dogmas, que não conseguem observar a Sua onipresente e milagrosa existência.
Brasil, 2027. O País se transformou em um antro neopentecostal, com pastores atuando em drive-thru, com direito a música gospel e frases de encorajamento, do tipo "Deus vê e provê". Não há mais Carnaval, substituído pela "Festa do Amor Supremo".
Felizmente, uma boa notícia. Em 2027, ficaremos livres para sempre do enjoativo bati-cum e dos desfiles suarentos. Desfile de escola de samba é como a roupa do Mark Zuckerberg. Sempre igual.
Os religiosos transam como coelhos. Fazem troca-troca de casais. É uma religião swingueira.
Quem conduz a trama é a funcionária do cartório Joana (Dira Paes). Imagine você indo se divorciar e topar pela frente com a dona Joana, que cria dificuldades burocráticas e insiste em manter os casais juntos, mesmo contra a vontade deles? Tudo em nome dessa entidade abstrata, quase alienígena, que vive no Céu, ou em algum lugar invisível e distante.
Joana é casada com Danilo (Júlio Machado), que tem um próspero negócio de produção de coroas de flores para embelezar caixões de defuntos. Os dois frequentam as sessões de sacanagem espiritual da seita Divino Amor. São fiéis ao extremo. Sua maior frustração é a falta de filhos. Joana não consegue engravidar.
Ao contrário de obras fechadas como O Processo e 1984, em que seus personagens estão enrodilhados em situações sem qualquer saída e perspectiva, os clientes do cartório, onde Joana trabalha, têm a possibilidade de se revoltar e exigir que a funcionária religiosa seja afastada de suas funções.
Em uma distopia do tipo 1984, Joana manteria seu cargo e continuaria azucrinando os infelizes casais que querem se divorciar.
O filme deixa margem para se buscar a saída. Permite ao público respirar aliviado. Algo que em uma obra como O Processo, isso nunca irá ocorrer.
Falta ao filme um mergulho mais radical na ignorância religiosa. No abismo da fé sem sentido. Na quinta-feira, eu estava no barbeiro, no interior do Estado, e um fiel, de terno e gravata pastoral, aguardava a hora de raspar a cabeça.
Eu falava com o barbeiro sobre a Lei da Gravidade (não me pergunte por que esse assunto entrou na pauta de uma barbearia de uma cidade de 8 mil almas). O fiel começou a rir, quando falei que todos os corpos caem com a mesma velocidade em direção ao chão. Sejam eles uma pluma ou um pedaço de chumbo. "Esse pessoal inventa cada coisa", ele comentou, com incredulidade.
Ou seja, algo que Isaac Newton escreveu em 1687 ainda não chegou a todos os brasileiros. O fim da picada. O fim da linha do modelo educacional.
O filme Divino Amor é narrado em off por uma criança. Ao final, vamos nos deparar com a/o autor da voz. O efeito é de uma pancada planejada.
A produção ainda está em cartaz em São Paulo. Em duas salas Belas Artes e Instituto Moreira Salles, em três horários apenas.
Vale a pena assistir, por ser um filme que provoca debate, que incomoda e que é diferente daquelas bobagens insuportáveis, engendradas por Paulo Gustavo, do tipo Minha mãe é uma peça 1, 2, 3, 4, 5...
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