segunda-feira, 30 de julho de 2018

O retorno ao DGABC e a morte de Celso Daniel


Retornei ao DGABC (Diário do Grande ABC) em 2002. O jornal era comandado pelo meu amigo e parceiro de reportagens especiais, Irineu Masiero. Cheguei em meio a um cabo de guerra entre as famílias Montecchio e Capuleto. No caso, os Dotto contra os Polesi. Havia uma guerra de liminares, de embates jurídicos, que impediam os diretores até de entrar na sede do jornal. 

Lembro do Irineu, quase que diariamente, alterando o Expediente do Diário. Ora, entrava um diretor; ora ele saía do Expediente. A sensação para nós, funcionários, era a de sempre nessa profissão: sentíamos a firmeza de um prego na areia.

Em 2004, a família Dotto levou a melhor no cabo de guerra, aliando-se ao empresário Ronan Maria Pinto. Segundo investigações, Ronan teria obtido 6 milhões de dólares do banco Schahin para comprar o jornal. O fato é que os Polesi venderam sua parte no Diário e rumaram para Guarulhos, onde assumiram o comando de um jornal daquela cidade.

Na época, uma força tarefa da promotoria investigava a morte do prefeito Celso Daniel, ocorrida em 2002. Segundo os promotores, Ronan, Sérgio Gomes da Silva, o Sombra, e Klinger Luiz de Oliveira Sousa teriam contratado um grupo de criminosos para sequestrar e executar o prefeito, porque ele estaria se opondo ao esquema de corrupção que achacava empresários de ônibus. 

Acompanhei as investigações de perto e essa tese da promotoria nunca bateu com as investigações policiais. A polícia chegou ao cativeiro de Celso Daniel por uma denúncia de uma pessoa que morava na favela Pantanal, onde estavam os criminosos, e ouviu os bandidos comentando que tinham feito uma bobagem ao sequestrar o prefeito de Santo André. 

Essa testemunha lavava roupa em seu barraco e compreendeu que ouvira algo que precisava ser transmitido à polícia com extrema urgência. A testemunha trabalhava na Rádio Jovem Pan em serviços gerais. Sem pensar duas vezes, ela saiu da favela. Pegou o ônibus e foi até a Rádio, pedindo para falar com o presidente da emissora. Ele ouviu o que a testemunha lhe narrou e procurou imediatamente o delegado Edson de Santi, que ele conhecia, porque, quando fazia faculdade, de Santi havia trabalhado como locutor da Jovem Pan.

O delegado foi com sua equipe até a favela e entrou no cativeiro, descobrindo a credencial do prefeito, jogada no chão. Celso Daniel não se encontrava mais neste cativeiro. Ele havia sido removido para outro local. 

De Santi levantou rapidamente os responsáveis pelo sequestro e descobriu que se tratava de uma quadrilha, comandada pelo bandido Ivan Rodrigues da Silva, o Monstro, que havia se "especializado" nesse tipo de sequestro, arrebatando suas vítimas, em carros de luxo. 

Dias depois, o cadáver do prefeito foi descoberto na periférica estrada das Cachoeiras, em Juquitiba. 

Os criminosos foram sendo capturados um a um. Meses depois, quando prendeu o Monstro, em uma favela próxima à Marginal Tietê, o delegado de Santi ouviu o comentário do criminoso: "Puxa, dr., achei que o sr. tinha se esquecido de mim". Na favela, havia um sequestrado, que Monstro mantinha em cativeiro. 

Fui várias vezes à avenida Nossa Senhora da Saúde, onde ocorreu o arrebatamento. Encontrei uma sra. que havia testemunhado toda a ação: os tiros disparados contra a Pajero blindada, Celso Daniel sendo tirado de dentro do veículo, com as pernas dobradas, e depois o seu amigo Sombra gritando na rua, desesperado. 

Quando fui conversar com os promotores sobre essa testemunha, eles me mandaram falar com a defesa. "Esse testemunho só interessa aos advogados", me disse um promotor. Achei estranho, porque, a princípio, achava que a força tarefa devia estar interessada em encontrar a verdade, ouvindo toda e qualquer testemunha. 

A investigação da promotoria incluía cartas comprometedoras, bilhetes, ligações e a participação do bandido Dionísio Aquino Severo, que fugira do presídio "cinematograficamente" a bordo de um helicóptero. 

A tese da promotoria nunca foi comprovada, nem os supostos articuladores do crime foram julgados por isso. O estranho é que a quadrilha de Monstro seria ligada ao PCC e Dionísio estaria ameaçado de morte pelo PCC por pertencer a uma facção rival (CDL - Domando Democrático da Liberdade). 

Como Dionísio e Monstro poderiam estar juntos em uma ação tão importante como o suicídio e assassinato do prefeito, pertencendo a facções rivais?

Os promotores, quando me viam, fechavam a cara. Eu não conseguia nada em off. As reportagens não avançavam. Inúmeras vezes, eu saía da sede do Diário na rua Catequese e atravessava a pé a distância que me separava do Fórum de Santo André, onde ficava o QG da força tarefa. Retornava com as mãos abanando.

Ingenuamente, achava que os promotores davam preferência para os repórteres da Folha e do Estadão, quando, na realidade, eles já sabiam que um dos suspeitos do crime, o empresário Ronan Maria Pinto, havia comprado o jornal. Então, os promotores me viam como um pau mandado de Ronan para tentar descobrir em que pé estavam as investigações. Só que, naquele momento, ninguém na Redação sabia que o jornal havia sido vendido e que o comprador era Ronan.

Conversando com a então editora de política, Denise Gianóglio, disse que não sabia mais o que fazer. A gente estava levando um furo atrás do outro e não conseguíamos avançar. Denise sugeriu que eu fosse procurar um dos promotores da força tarefa, que morava em Santo André, para tentar obter algo dele.

Deviam ser umas nove horas da noite, quando bati na casa do promotor. Ele me atendeu ainda a bordo da camisa e calça e sapato social. Só havia tirado o paletó e a gravata. Cumprimentei a mulher, o filho e ele me convidou para conversar com ele na sala. 

Me acomodei no sofá e saltou ao meu lado um cachorro preto enorme que ficou me encarando, com ar de poucos amigos. 

Conversamos durante uma hora. Não anotei, nem gravei nada do que foi dito. Entre outras coisas, ele me passou a informação de que o elo entre a quadrilha de Monstro e os três suspeitos (Ronan, Sombra e Klinger) seria o "bandido do helicóptero" (Dionísio). Saí de lá com o furo na mão e um gosto amargo sobre o futuro. Ele me revelou que Ronan havia comprado o Diário. E acrescentou: "Avisa o pessoal (entenda-se, a família Dotto), que não tem nada na investigação contra eles".

Entrei no carro da reportagem e cheguei na Redação, balançando, com a notícia da venda do jornal. Nós nos reunimos no aquário, eu, Irineu e Denise. Ela mandou "parar as máquinas". Decidimos como ficariam a manchete e o encaminhamento do texto. A manchete foi algo assim como "Dionísio era o elo". De acordo com a tese da promotoria, é claro. 

Denise e Irineu achavam que a história da compra do jornal era mais um bos muitos boatos que circulavam naquele momento.

Na minha cabeça, a investigação da força tarefa tinha desvios políticos. É o que se chama hoje de "ativismo judicial". Eu achava que havia uma caça às bruxas, promovida pelos promotores peessedebistas, contra o PT. Ainda martelava a voz daquela testemunha, ouvindo os criminosos da Favela Pantanal dizer que tinham feito uma cagada ao sequestrar o prefeito de Santo André. 

No dia seguinte, a manchete do Diário foi sentida pela concorrência. Obrigou a força tarefa a convocar uma coletiva. A sala ficou lotada. Os repórteres tinham cópias da reportagem do Diário. Profissionalmente, esse é um momento em que o profissional mais se orgulha do seu trabalho. Você obtém algo exclusivo. Fica todo cheio de si. 

O problema era aquela informação da venda do jornal. Entre outras matérias que desenvolvia, eu produzia um dossiê sobre Ronan, a pedido da Diretoria do jornal (na verdade, parte da Diretoria). Lembro de ter ido a Embu-Guaçu atrás de um terreno gigantesco que Ronan dava como garantia para obter empréstimos. Não consegui achar o terreno, mas falei com dezenas de pessoas que diziam que "muita gente vem procurar esse terreno que não existe". 

Agora, teria de esquecer o dossiê e começar a procurar emprego...   



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