"O
aeroporto Charles-De-Gaulle não é apenas o lugar onde você desembarca de um
avião. O meio ambiente multiconstruído, multidimensional, hiper-edificado é a
mensagem. Com suas escadas-rolantes gigantes e os túneis de acrílico, os
painéis publicitários suntuosos, as grifes se impondo com a ferocidade de um
tapa no rosto, a magnitude do espaço construído, o aeroporto Charles-De-Gaulle
é um recado claro de que você desembarcou não em uma cidade comum, uma
capitalzinha européia qualquer, mas que você está colocando os pés em um
território sagrado, você finalmente chegou em Paris.
Vic moveu-se a bordo de uma sandália dourada
básica de salto alto, jeans obscenamente grudados na bunda e nas coxas e
camiseta branca básica Hang-ten (aquela dos pezinhos). Gotas de Paloma Picasso
nos punhos e atrás do pescoço. Óculos escuros não poderiam faltar, depois de
uma viagem mal-dormida. É nessas horas que o supérfluo é essencial.
Nada a
falar da viagem. Umas 12 horas de encolhimento, comida pasteurizada, ruído
irritante das turbinas e a sensação de que as pernas estavam sempre esbarrando
na poltrona dianteira, posicionando-se onde não deveriam estar.
O vizinho
de poltrona era...Quem era mesmo? Alguém de paletó cinza e óculos. Usava
gravata? O pior que usava. Que cor era a gravata? Eles não se falaram. Houve cumprimentos
cordiais no início da viagem. Pedidos de desculpas na hora de levantar para ir
ao banheiro. E só.
Nenhum
problema na alfândega, principalmente, porque ela saiu por uma porta lateral,
longe da vista das autoridades.
É uma
dessas ocorrências inexplicáveis. Está certo: ela entregou seu passaporte para
um funcionário e ouviu o carimbo bater com força na página esverdeada.
As malas
eram muito grandes, muito desajeitadas, largas demais, pesadas demais. Colocou
aquilo tudo num carrinho e foi em direção à saída. Procurou o melhor caminho,
aquele com menos gente e malas. Desviou de um, desviou de outro, abriu uma
porta, passou por um corredor estreito. Abriu outra porta e voilà: o saguão de saída do
aeroporto.
Por isso
aconteciam tantos atentados. A segurança falha. Vic nem se deu conta, que
passou pela alfândega francesa sem ser percebida. Poderia estar transportando
armas de destruição em massa, agentes químicos poderosos, sementes malignas,
espécies nativas que destruiriam toda a vida vegetal francesa.
Felizmente,
para os franceses, suas malas traziam quilos de sapatos, sandálias, moules,
vestidos e maquiagem. Havia ali xampu, em quantidade considerável para
massagear o couro cabeludo do exército americano; cremes para os pés, para as
mãos, para o pescoço, contra as rugas, contra as estrias e a celulite; óleos
para endurecer a bunda e amaciar o couro. Não que não houvesse esses produtos
na França, mas por que arriscar.
Entrou no
táxi e mostrou o endereço, anotado em um papelzinho.
O
motorista perguntou qual caminho ela preferia e Vic respondeu: “Le moins cher et le plus vite”.
Quando
chegou na Passage des Fleurs, no 17ºeme, escurecia. As luzes amareladas
derramavam-se sobre os prédios cinzentos. A rua era estreita, ladeada por
construções de três até cinco andares. Todas pareciam ter um jardim na frente.
Vic desceu.
Pagou o taxista. E juntou as malas na frente da casa de número 116.
Olhou a
campainha e havia uma meia dúzia de nomes, cada um escrito sob uma tampinha de
plástico. Num deles, se lia: “Ferrara, Ângela”.
Vic
pressionou o botão.
“Oui?”,
disse o aparelho.
“Sou eu,
Vic.”
“Estou
descendo.”
Vic
virou-se e olhou para a rua. “Cristo”, pensou com lágrimas nos olhos. “Estou
viva e em Paris.”
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