Uma tarde, estava na Redação do Diário do Grande ABC, quando fui chamado pela então diretora executiva Cuca Fromer, irmã do titã Marcelo Fromer, morto por um idiota de motocicleta em 2001. Cuca me pediu para escrever uma coluna com pseudônimo feminino. O DGABC precisava ampliar o número de colunistas. Ela me pediu um texto para avaliar. Sentei no computador e fiz uma coluna "sob a ótica feminina". Cuca aprovou. Achou engraçado. Faltava agora batizar a nova "colunista".
Foi feita uma "eleição" na Redação e a editora Rosangela Espinossi venceu com a sugestão de chamar a "nova colunista" de Paola Porto. Mais tarde, eu receberia um e-mail simpático de uma Paola Porto homônima. Era uma travesti de Curitiba (PR)...
A primeira coluna de Paola Porto a tornou famosa e, ao mesmo tempo, odiada. Acredito que ninguém em todo o ABC chegou a ser tão odiada como Paola Porto. Em 1994, quando Ayrton Senna morreu naquele acidente em Ímola (Itália), a população entrou em estado de choque. As pessoas não se conformavam com o que havia ocorrido. Era um herói brasileiro que desaparecia de forma trágica. Ao mesmo tempo, talvez como um subterfúgio inconsciente para amenizar o impacto da morte, as pessoas contavam piadas de humor negro, tipo: "Você sabe qual era a bebida preferida do Senna? Batida de coco". Paola fez uma coluna criticando as piadas e publicou as mais terríveis.
A coluna saiu na edição de domingo, na época, a mais concorrida da semana. Foram inúmeras ligações. Uma enxurrada de protestos. Os leitores ligavam enraivecidos e pediam para falar com a Paola, porque queriam dizer "umas boas verdades para ela". Outros mandavam recado: "Manda essa puta se foder!". Alguns queriam cancelar a assinatura do jornal. Foram uns três dias de ódio profundo e telefones que batiam com força no ouvido das telefonistas.
Em 1998, fomos cobrir a Copa do Mundo na França: eu, Toninho Prada e a malfadada Paola Porto. Foram 65 dias de muito trabalho e diversão, é claro. A gente assistia aos treinos e estava na cara que o Brasil não ia ser campeão. Sentavam ao meu lado, na arquibancada do estádio de Ozoir-la-Ferrière, Jairzinho, Gerson, Tostão e Rivelino. Ou seja, os caras na arquibancada eram melhores que os que estavam em campo.
Antes do jogo na semifinal contra a Holanda, Paola Porto previu: "O Brasil vai perder". O então âncora da CBN Heródoto Barbeiro pediu para fazer uma entrevista com a Paola. Toninho sugeriu que eu desse a entrevista, explicando que se tratava de um pseudônimo, mas o jornal achou melhor manter a Paola no "anonimato".
A Seleção escapou da Holanda, apertada nos pênaltis, graças aos milagres de Taffarel. Um sufoco. Os leitores não perdoaram. Ligavam para o jornal, escreviam cartas e mandavam a pobre da Paola para aqueles lugares que a gente não pode falar perto de criança. Os misóginos não deixavam por menos: "Mulher não entende e nunca vai entender de futebol".
Paola não gostava de futebol. Achava um sacrifício estar na França, sendo obrigada a cobrir partidas chatas entre o Brasil e Escócia, por exemplo, quando poderia estar gastando seu precioso tempo em um café chique tomando uma taça de Beaujolais. Indignados, os leitores não se conformavam e ligavam para o jornal protestando: "Como é que vocês mandam uma mulher que NÃO GOSTA DE FUTEBOL cobrir uma Copa???"
Antes da fatídica final contra a dona da casa, a França, fomos almoçar mais cedo em uma cantina de um italiano que ficou nosso amigo em Ozoir-la-Ferrière. Entramos no restaurante e ele veio nos abraçar, de forma emotiva, como se quisesse nos preparar para o pior, e disse: "Hoje, o Brasil não escapa". Concordamos. Os outros jornalistas, que estavam conosco, também sabiam que a desgraça aproximava-se de forma inapelável. Era questão de horas. Para piorar, Ronaldo Fenômeno teve aquele piripaque antes do jogo.
Quando terminou o jogo e o Brasil perdeu de 3 a 0, fiquei escrevendo as reportagens no novíssimo Stade de France ao lado de uns 100 mil franceses que gritavam sem parar: "On a gagné et ils ont perdu" (a gente ganhou e eles perderam).
Pra variar, Paola Porto intitulou a coluna dela de forma provocadora: "Eu já sabia".
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