quinta-feira, 16 de novembro de 2017
DGABC (2) - reportagens especiais
No Diário do Grande ABC, dirigido por Alexandre Polesi, produzi reportagens especiais, algumas delas de longa metragem. Lembro de uma matéria investigativa sobre um vereador da bancada evangélica de Santo André, que levou seis meses para ser concluída.
O parlamentar tinha criado uma "indústria de araras", que são empresas criadas para aplicar fraudes mercantis, causando danos nos fornecedores. As "empresas" estavam nos nomes de "laranjas", pessoas próximas ao vereador. Essas "empresas" realizavam diversas compras. Os produtos eram depois revendidos e - quando o fornecedor tentava receber - a "empresa" e seu "laranja" já haviam sumido no ar.
Depois de meio ano de apuração, conseguimos chegar no resultado final, que apontava a existência de várias "araras", com os respectivos nomes dos "laranjas" - todos eles convergindo para o nobre vereador. Até o pai do parlamentar aparecia como "presidente" de uma das "empresas". A diagramação ficou excelente.Texto e fotos foram dispostos em duas páginas.
Estava de plantão no sábado, um dia antes desta reportagem especial ser publicada. Lembro da hesitação de um editor executivo, que estava de plantão. Ele queria que fossem feitas novas entrevistas, totalmente desnecessárias, uma vez que todos os relacionados haviam sido procurados e dado suas versões dos fatos. Felizmente, também estava de plantão o então editor de Política, Célio Franco, que encerrou a discussão e mandou as páginas fechadas para as rotativas.
A reportagem caiu como uma bomba na Câmara de Santo André. Na segunda-feira, o clima estava tão tenso no Legislativo que se cortava o ar com uma faca (para usar uma expressão nova). De prático mesmo, como resultado final, o vereador não conseguiu a reeleição no pleito seguinte. Ele seria reeleito anos depois, porque a memória do eleitorado é sempre precária. Mesmo assim, fiquei com aquele sabor amargo na boca por ele não ter sido processado devidamente, nem ser obrigado a pagar os prejuízos causados aos fornecedores.
Em dupla com o amigo Irineu Masiero, fizemos grandes matérias. Uma delas, em especial, sobre drogas foi bastante divertida. Lembro que nós fomos ao Deic, em São Paulo, para levantar quantos pontos de venda de drogas estavam demarcados pela polícia especializada. Um delegado nos levou até um mapa gigante e mostrou seis alfinetes, espetados em cidades do Grande ABC. "A região tem seis pontos de venda de drogas", informou o policial.
Nós voltamos para o ABC e iniciamos a pesquisa "de campo". Em 15 dias, tínhamos cerca de 115 pontos de venda de drogas, nas sete cidades. A reportagem especial, publicada com o alarde indispensável, trazia um mapa da região, dando o nome ou o apelido do traficante e o endereço exato onde a droga podia ser adquirida. Os colegas e - alguns leitores - ironicamente diziam que tínhamos feito uma "matéria de serviço" e não investigativa. "Chega de ficar zanzando por aí procurando maconha e cocaína", eles diziam, "é só pegar a matéria do Danilo e do Irineu e ir no endereço", eles brincavam.
Em outra reportagem, em dupla com o Irineu, descobrimos um esquema de corrupção que existia na Câmara de São Caetano. Os vereadores da situação utilizavam carros fornecidos por uma empreiteira, podendo colocar gasolina a vontade (várias vezes ao dia, inclusive). O jornal fez a denúncia, mostrando fotos dos veículos de cor branca, zero quilômetro, nas casas dos vereadores. O caso foi parar nas mãos do Ministério Público e por lá ficou, onde dorme placidamente até hoje.
Lembro que nós saíamos para cobrir uma determinada pauta e, no meio do caminho, descobríamos algo mais interessante. Irineu ria muito e dizia que sentia pena de nossa editora. "Ela vai ficar muito chateada, mas vai ser obrigada a nos dar a manchete", ele comentava. Às vezes, estávamos de madrugada na avenida Industrial, em Santo André, conhecido ponto de prostituição de travestis, onde um informante nos levava ao local exato de venda de drogas. Em outro momento, entrávamos em uma viela escura, sem saída, onde alguém nos esperava com uma história excepcional. Dava medo. Dava adrenalina e a gente adorava cada segundo. Nas tardes frias de maio e junho, íamos em uma padaria que servia um pão de torresmo excepcional. No início da noite de sexta-feira, comíamos pizza em pedaço na Padaria Central. Uma pizza quentinha, recém-saída do forno. Deliciosa. Engordei uns 10 quilos, fazendo dupla com Irineu, que conhecia cada ponto gourmet na região.
Às vezes, eu pegava carona em reportagens importantes. Foi assim com o companheiro Vanderlei França, que descobriu um informante, que trazia sérias denúncias sobre corrupção em uma empreiteira de São Caetano do Sul. Fizemos a apuração e, por um motivo que não me lembro (Alexandre Polesi já não estava mais à frente do jornal), a matéria acabou não sendo publicada. O informante falava em propina, malas de dinheiro, sendo entregues em órgãos públicos. Algo novo naquela época.
Chateado com o DGABC que não publicou a história, o informante procurou outros veículos e o escândalo acabou explodindo, fazendo um barulho danado. Assim, depois que o caso foi publicado pelos veículos de São Paulo, lá fui eu cobrir uma coletiva do Gaeco. O informante, acompanhado pelo promotor José Carlos Blat, me parou no corredor e disse para Blat: "Dr., eu tinha contado tudo para esse moço e ele não quis publicar a matéria". Foi assim, eu diria, bem constrangedor.
Em outra reportagem, que entrei de "carona", fiz dupla com Célio Franco, que, além de editor de política, era também repórter investigativo. Célio levantou uma história interessante sobre uma empresa de Bauru que recolhia dinheiro de empresas de Diadema para montar uma biblioteca na cidade. A empresa contava com o aval do então prefeito Gilson Menezes. Fui a Bauru investigar a existência da empresa e acabei achando uma moradia da periferia, com um tipo descamisado de maus bofes. Célio conseguiu comprovantes dos depósitos, com empresários de Diadema. Montamos a matéria e fomos falar por último com o prefeito. Estávamos na sala de reunião, cara a cara com Gilson. Lembro que, em determinado momento, fiz uma pergunta que não agradou ao prefeito. Ele levantou-se da cadeira e veio vindo lentamente na minha direção. Ex-metalúrgico, de porte considerável, Gilson vinha como um trator para passar por cima de mim. Quando chegou ao meu lado, ergueu o punho e enfiou um potente murro na direção dos meus óculos. Vindo do nada, um assessor conseguiu saltar e segurou o punho do prefeito a dois centímetros da minha cara. A entrevista foi encerrada. A história publicada e Gilson teve seus bens bloqueados pela Justiça, a pedido do Ministério Público.
Meu relacionamento com Célio Franco era sempre muito turbulento. Discutíamos muito. Ele assumia posições extremamente conservadoras, "à direita de Gengis Khan", como gostava de pontuar Paulo Francis. Mesmo assim, acredito que gostávamos um do outro, nos respeitávamos e fazíamos uma dupla que trazia resultados positivos para o jornal. A última vez que conversei com Célio foi na Kopenhagen da avenida Antártico, em São Bernardo do Campo. Não trabalhávamos mais em jornal. Ficamos tomando café e batendo papo por umas três horas. Ele me dizia que sonhava muito com o jornal. Sonhava que estava editando matérias, brigando comigo, brigando com outros repórteres, naquele sufoco que é sempre o fechamento de um jornal. Na época, ele trabalhava como assessor de uma empresa de TI. Sentia muita falta da Redação. Dois dias depois, veio a notícia de sua morte. Em uma crise depressiva, ele trancou-se no quarto de sua casa no Jabaquara, e enfiou uma bala na cabeça.
(Foto do filme The Power of the Press, 1928)
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