terça-feira, 28 de novembro de 2017

DGABC (4) - os personagens - Beppo Moratti


O personagem Beppo Moratti surgiu no meu retorno ao Diário do Grande ABC, em 2002, quando o diretor de Redação era o amigo Irineu Masiero. Houve outros personagens, criados para o DGABC, mas Beppo Moratti caiu definitivamente nas graças dos leitores. 

Anos depois, quando já havia saído do jornal, lembro de ter recebido a visita de um leitor que gostaria de conhecer "pessoalmente" o Beppo e tinham lhe dito que eu "conhecia" o velho italiano.

O nascimento do Beppo surgiu do meu desejo de recriar o personagem Juó Bananère, pseudônimo do escritor, poeta e engenheiro Alexandre Ribeiro Marcondes Machado. Ele escrevia crônicas naquele patois característico dos italianos que viviam em São Paulo. 

Tomei conhecimento das crônicas de Juó Bananère, quando trabalhava na Revista Escrita. Os textos eram deliciosos. Muito divertidos e fiquei com aquilo na cabeça. Sabia que poderia fazer algo parecido em algum momento. Era só lembrar das conversas dos meus avós, descendentes de italianos. Aquele linguajar característico da italianada querida que vivia em São Paulo, nas proximidades do Brás e Mooca. 

Essa oportunidade surgiu, anos depois, no DGABC. As crônicas do Beppo eram ilustradas pelo Ricardo Girotto. Os textos falavam geralmente da natureza, das relações entre os homens e os animais, relatavam acontecimentos insólitos ou meras conversas de bar, tendo o boteco do Pinhata, em São Bernardo do Campo, como cenário principal. E eram escritos naquele patois italianado à Juó Bananère. O bar do Pinhata, que realmente existe, era descrito como "o último boteco do mundo com cancha de bocha".

No meio do caminho, conheci até uma leitora Marlene Moratti, moradora de São Bernardo, com a qual fiz amizade e hoje é uma espécie de "prima" do Beppo.

Beppo Moratti chegou ao auge ao ganhar um título de "comendador", oferecido pela Câmara Municipal de São Bernardo do Campo. Participei da cerimônia solene de entrega da honraria, que aconteceu na sede da Associação dos Funcionários Públicos de SBC. Informei que o velho Beppo tinha ficado tão emocionado com a homenagem que não pôde comparecer, segundo conselho médico. Em nome do Beppo, recebi a medalha de comendador, um diploma e um livrinho com os currículos de todos os comendadores que haviam recebido a honraria. Se não me engano, havia também uma faixa, dessas para se usar no peito, como as das misses. Foi uma noite de glória. Inesquecível. Quase matou o vecchio Beppo do coraçon.

Para quem quiser matar a saudade ou simplesmente conhecer o velho Beppo, seguem alguns textos que publiquei neste blog:
http://beppomoratti.blogspot.com.br

A foto foi tirada em uma praça italiana e não é o velho Beppo. É um outro vecchio italiani

sexta-feira, 17 de novembro de 2017

DGABC (3) - os personagens - Paola Porto

Uma tarde, estava na Redação do Diário do Grande ABC, quando fui chamado pela então diretora executiva Cuca Fromer, irmã do titã Marcelo Fromer, morto por um idiota de motocicleta em 2001. Cuca me pediu para escrever uma coluna com pseudônimo feminino. O DGABC precisava ampliar o número de colunistas. Ela me pediu um texto para avaliar. Sentei no computador e fiz uma coluna "sob a ótica feminina". Cuca aprovou. Achou engraçado. Faltava agora batizar a nova "colunista".

Foi feita uma "eleição" na Redação e a editora Rosangela Espinossi venceu com a sugestão de chamar a "nova colunista" de Paola Porto. Mais tarde, eu receberia um e-mail simpático de uma Paola Porto homônima. Era uma travesti de Curitiba (PR)...

A primeira coluna de Paola Porto a tornou famosa e, ao mesmo tempo, odiada. Acredito que ninguém em todo o ABC chegou a ser tão odiada como Paola Porto. Em 1994, quando Ayrton Senna morreu naquele acidente em Ímola (Itália), a população entrou em estado de choque. As pessoas não se conformavam com o que havia ocorrido. Era um herói brasileiro que desaparecia de forma trágica. Ao mesmo tempo, talvez como um subterfúgio inconsciente para amenizar o impacto da morte, as pessoas contavam piadas de humor negro, tipo: "Você sabe qual era a bebida preferida do Senna? Batida de coco". Paola fez uma coluna criticando as piadas e publicou as mais terríveis.

A coluna saiu na edição de domingo, na época, a mais concorrida da semana. Foram inúmeras ligações. Uma enxurrada de protestos. Os leitores ligavam enraivecidos e pediam para falar com a Paola, porque queriam dizer "umas boas verdades para ela". Outros mandavam recado: "Manda essa puta se foder!". Alguns queriam cancelar a assinatura do jornal. Foram uns três dias de ódio profundo e telefones que batiam com força no ouvido das telefonistas.

Em 1998, fomos cobrir a Copa do Mundo na França: eu, Toninho Prada e a malfadada Paola Porto.  Foram 65 dias de muito trabalho e diversão, é claro. A gente assistia aos treinos e estava na cara que o Brasil não ia ser campeão. Sentavam ao meu lado, na arquibancada do estádio de Ozoir-la-Ferrière, Jairzinho, Gerson, Tostão e Rivelino. Ou seja, os caras na arquibancada eram melhores que os que estavam em campo.

Antes do jogo na semifinal contra a Holanda, Paola Porto previu: "O Brasil vai perder". O então âncora da CBN Heródoto Barbeiro pediu para fazer uma entrevista com a Paola. Toninho sugeriu que eu desse a entrevista, explicando que se tratava de um pseudônimo, mas o jornal achou melhor manter a Paola no "anonimato".

A Seleção escapou da Holanda, apertada nos pênaltis, graças aos milagres de Taffarel. Um sufoco. Os leitores não perdoaram. Ligavam para o jornal, escreviam cartas e mandavam a pobre da Paola para aqueles lugares que a gente não pode falar perto de criança. Os misóginos não deixavam por menos: "Mulher não entende e nunca vai entender de futebol".

Paola não gostava de futebol. Achava um sacrifício estar na França, sendo obrigada a cobrir partidas chatas entre o Brasil e Escócia, por exemplo, quando poderia estar gastando seu precioso tempo em um café chique tomando uma taça de Beaujolais. Indignados, os leitores não se conformavam e ligavam para o jornal protestando: "Como é que vocês mandam uma mulher que NÃO GOSTA DE FUTEBOL cobrir uma Copa???"

Antes da fatídica final contra a dona da casa, a França, fomos almoçar mais cedo em uma cantina de um italiano que ficou nosso amigo em Ozoir-la-Ferrière. Entramos no restaurante e ele veio nos abraçar, de forma emotiva, como se quisesse nos preparar para o pior, e disse: "Hoje, o Brasil não escapa". Concordamos. Os outros jornalistas, que estavam conosco, também sabiam que a desgraça aproximava-se de forma inapelável. Era questão de horas. Para piorar, Ronaldo Fenômeno teve aquele piripaque antes do jogo.

Quando terminou o jogo e o Brasil perdeu de 3 a 0, fiquei escrevendo as reportagens no novíssimo Stade de France ao lado de uns 100 mil franceses que gritavam sem parar: "On a gagné et ils ont perdu" (a gente ganhou e eles perderam).

Pra variar, Paola Porto intitulou a coluna dela de forma provocadora: "Eu já sabia".






quinta-feira, 16 de novembro de 2017

DGABC (2) - reportagens especiais


No Diário do Grande ABC, dirigido por Alexandre Polesi, produzi reportagens especiais, algumas delas de longa metragem. Lembro de uma matéria investigativa sobre um vereador da bancada evangélica de Santo André, que levou seis meses para ser concluída.

O parlamentar tinha criado uma "indústria de araras", que são empresas criadas para aplicar fraudes mercantis, causando danos nos fornecedores. As "empresas" estavam nos nomes de "laranjas", pessoas próximas ao vereador. Essas "empresas" realizavam diversas compras. Os produtos eram depois revendidos e - quando o fornecedor tentava receber - a "empresa" e seu "laranja" já haviam sumido no ar.

Depois de meio ano de apuração, conseguimos chegar no resultado final, que apontava a existência de várias "araras", com os respectivos nomes dos "laranjas" - todos eles convergindo para o nobre vereador. Até o pai do parlamentar aparecia como "presidente" de uma das "empresas". A diagramação ficou excelente.Texto e fotos foram dispostos em duas páginas.

Estava de plantão no sábado, um dia antes desta reportagem especial ser publicada. Lembro da hesitação de um editor executivo, que estava de plantão. Ele queria que fossem feitas novas entrevistas, totalmente desnecessárias, uma vez que todos os relacionados haviam sido procurados e dado suas versões dos fatos. Felizmente, também estava de plantão o então editor de Política, Célio Franco, que encerrou a discussão e mandou as páginas fechadas para as rotativas.

A reportagem caiu como uma bomba na Câmara de Santo André. Na segunda-feira, o clima estava tão tenso no Legislativo que se cortava o ar com uma faca (para usar uma expressão nova). De prático mesmo, como resultado final, o vereador não conseguiu a reeleição no pleito seguinte. Ele seria reeleito anos depois, porque a memória do eleitorado é sempre precária. Mesmo assim, fiquei com aquele sabor amargo na boca por ele não ter sido processado devidamente, nem ser obrigado a pagar os prejuízos causados aos fornecedores.

Em dupla com o amigo Irineu Masiero, fizemos grandes matérias. Uma delas, em especial, sobre drogas foi bastante divertida. Lembro que nós fomos ao Deic, em São Paulo, para levantar quantos pontos de venda de drogas estavam demarcados pela polícia especializada. Um delegado nos levou até um mapa gigante e mostrou seis alfinetes, espetados em cidades do Grande ABC. "A região tem seis pontos de venda de drogas", informou o policial. 

Nós voltamos para o ABC e iniciamos a pesquisa "de campo". Em 15 dias, tínhamos cerca de 115 pontos de venda de drogas, nas sete cidades. A reportagem especial, publicada com o alarde indispensável, trazia um mapa da região, dando o nome ou o apelido do traficante e o endereço exato onde a droga podia ser adquirida. Os colegas e - alguns leitores - ironicamente diziam que tínhamos feito uma "matéria de serviço" e não investigativa. "Chega de ficar zanzando por aí procurando maconha e cocaína", eles diziam, "é só pegar a matéria do Danilo e do Irineu e ir no endereço", eles brincavam.

Em outra reportagem, em dupla com o Irineu, descobrimos um esquema de corrupção que existia na Câmara de São Caetano. Os vereadores da situação utilizavam carros fornecidos por uma empreiteira, podendo colocar gasolina a vontade (várias vezes ao dia, inclusive). O jornal fez a denúncia, mostrando fotos dos veículos de cor branca, zero quilômetro, nas casas dos vereadores. O caso foi parar nas mãos do Ministério Público e por lá ficou, onde dorme placidamente até hoje.

Lembro que nós saíamos para cobrir uma determinada pauta e, no meio do caminho, descobríamos algo mais interessante. Irineu ria muito e dizia que sentia pena de nossa editora. "Ela vai ficar muito chateada, mas vai ser obrigada a nos dar a manchete", ele comentava. Às vezes, estávamos de madrugada na avenida Industrial, em Santo André, conhecido ponto de prostituição de travestis, onde um informante nos levava ao local exato de venda de drogas. Em outro momento, entrávamos em uma viela escura, sem saída, onde alguém nos esperava com uma história excepcional. Dava medo. Dava adrenalina e a gente adorava cada segundo. Nas tardes frias de maio e junho, íamos em uma padaria que servia um pão de torresmo excepcional. No início da noite de sexta-feira, comíamos pizza em pedaço na Padaria Central. Uma pizza quentinha, recém-saída do forno. Deliciosa. Engordei uns 10 quilos, fazendo dupla com Irineu, que conhecia cada ponto gourmet na região. 

Às vezes, eu pegava carona em reportagens importantes. Foi assim com o companheiro Vanderlei França, que descobriu um informante, que trazia sérias denúncias sobre corrupção em uma empreiteira de São Caetano do Sul. Fizemos a apuração e, por um motivo que não me lembro (Alexandre Polesi já não estava mais à frente do jornal), a matéria acabou não sendo publicada. O informante falava em propina, malas de dinheiro, sendo entregues em órgãos públicos.  Algo novo naquela época.

Chateado com o DGABC que não publicou a história, o informante procurou outros veículos e o escândalo acabou explodindo, fazendo um barulho danado. Assim, depois que o caso foi publicado pelos veículos de São Paulo, lá fui eu cobrir uma coletiva do Gaeco. O informante, acompanhado pelo promotor José Carlos Blat, me parou no corredor e disse para Blat: "Dr., eu tinha contado tudo para esse moço e ele não quis publicar a matéria". Foi assim, eu diria, bem constrangedor.

Em outra reportagem, que entrei de "carona", fiz dupla com Célio Franco, que, além de editor de política, era também repórter investigativo. Célio levantou uma história interessante sobre uma empresa de Bauru que recolhia dinheiro de empresas de Diadema para montar uma biblioteca na cidade. A empresa contava com o aval do então prefeito Gilson Menezes. Fui a Bauru investigar a existência da empresa e acabei achando uma moradia da periferia, com um tipo descamisado de maus bofes. Célio conseguiu comprovantes dos depósitos, com empresários de Diadema. Montamos a matéria e fomos falar por último com o prefeito. Estávamos na sala de reunião, cara a cara com Gilson. Lembro que, em determinado momento, fiz uma pergunta que não agradou ao prefeito. Ele levantou-se da cadeira e veio vindo lentamente na minha direção. Ex-metalúrgico, de porte considerável, Gilson vinha como um trator para passar por cima de mim. Quando chegou ao meu lado, ergueu o punho e enfiou um potente murro na direção dos meus óculos. Vindo do nada, um assessor conseguiu saltar e segurou o punho do prefeito a dois centímetros da minha cara. A entrevista foi encerrada. A história publicada e Gilson teve seus bens bloqueados pela Justiça, a pedido do Ministério Público.

Meu relacionamento com Célio Franco era sempre muito turbulento. Discutíamos muito. Ele assumia posições extremamente conservadoras, "à direita de Gengis Khan", como gostava de pontuar Paulo Francis. Mesmo assim, acredito que gostávamos um do outro, nos respeitávamos e fazíamos uma dupla que trazia resultados positivos para o jornal. A última vez que conversei com Célio foi na Kopenhagen da avenida Antártico, em São Bernardo do Campo. Não trabalhávamos mais em jornal. Ficamos tomando café e batendo papo por umas três horas. Ele me dizia que sonhava muito com o jornal. Sonhava que estava editando matérias, brigando comigo, brigando com outros repórteres, naquele sufoco que é sempre o fechamento de um jornal. Na época, ele trabalhava como assessor de uma empresa de TI. Sentia muita falta da Redação. Dois dias depois, veio a notícia de sua morte. Em uma crise depressiva, ele trancou-se no quarto de sua casa no Jabaquara, e enfiou uma bala na cabeça. 
(Foto do filme The Power of the Press, 1928)               

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