sábado, 21 de outubro de 2017

O fim está próximo


O Diário de S. Paulo pode ser mais um impresso que deixará de circular na cidade. Muito em breve! Os funcionários não recebem salários desde 20 de agosto. Decretaram greve, na terça-feira, 10 de outubro. O prédio na avenida Marquês de S. Vicente, 1011, na Barra Funda, à noite, é pouco visível. Não há holofotes sobre o logo do jornal. É um lugar escuro, sinistro. 

Dentro, a Redação está quase vazia. Poucos profissionais circulam por lá. Os telefones não tocam. É uma Redação silenciosa. Ninguém faz chamadas, nem as recebe. A central telefônica está queimada. A situação não é nova. Em janeiro, não havia papel nos banheiros e faltava até água potável na Redação. "A empresa tem sido abastecida eventualmente por caminhões-pipa", afirmava uma reportagem da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas). É um final melancólico para este título que substituiu o centenário Diário Popular.


Relembrando: 
- Em 1988, Rodrigo Lisboa Soares, que sonhava em vender hambúrgueres em Miami (EUA) e era herdeiro e bisneto do fundador José Maria Lisboa, vendeu o Diário Popular a Orestes Quércia. 
- Em 2001, o Dipo foi adquirido pelas Organizações Globo, que, em uma jogada de marketing desastrosa, mudou o nome do jornal para Diário de S.Paulo
- Com a circulação em queda, em 15 de outubro de 2009, o empresário J. Hawilla, proprietário da rede de jornais Bom Dia, Traffic e TV TEM, adquiriu o Diário de S.Paulo, assim como o parque gráfico, localizado em Osasco. 
- Em 2015, J.Hawilla ganhou as manchetes. O "dono do futebol brasileiro" foi acusado de "extorsão, fraude eletrônica, lavagem de dinheiro e obstrução da justiça". Ele confessou crimes e, segundo a mídia noticiou na época, iria entregar US$ 151 milhões de seu patrimônio à Justiça norte-americana. Hawilla terá sentença divulgada em breve.
- Em 2 de setembro de 2013, a Traffic vendeu o controle acionário do Diário de S.Paulo para o grupo Cereja Comunicação Digital, do empresário Mário Cuesta (foto), ex-presidente do IG, dono da editora RMC e da gráfica GMA.

Cuesta aparece também como um dos responsáveis pelo parque temático Hopi Hari, que deve R$ 65 milhões à Prefeitura de Vinhedo.

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

DGABC (1) - A tarde em que encontrei Pelé


Em dezembro de 1992, estava de volta ao Brasil, com a tese de doutorado escrita, aguardando uma data para a defesa. Arrumei um frila fixo na FT novamente, com a ajuda do amigo Wladyr Nader, que ainda editava o caderno de Cultura. Fui ao Ibirapuera para uma pauta e diante do prédio da Bienal encontrei Orlando Margarido, crítico talentoso, dono de um texto construído sempre com engenho e arte. Ele ficou sabendo que eu estava na base do frila e me deu uma dica importante. Era para eu conversar com Antonio Prada, o Toninho, editor de Cultura do Diário do Grande ABC, o DGABC. O jornal estava em uma fase de crescimento importante, investindo forte na infraestrutura e na Redação. Fui até o DGABC, na rua Catequese, em Santo André. Tive uma reunião breve com Antonio Prada, o Toninho, e fui contratado.

Assim, no dia 1º de janeiro de 1993, no primeiro dia daquele ano, comecei a trabalhar. Nesse primeiro dia no DGABC aconteceu um fato inusitado. Quando retornava para casa, o freio do Chevette 1983 falhou, durante uma tempestade de verão. Essas pancadas rápidas de fim de tarde. Eu estava na avenida Presidente Wilson, tão esburacada e abandonada como ainda é hoje, quando vi aquele Mercedes do ano na minha frente. Pensei na hora: "Não posso bater nesse Mercedes. Não no meu primeiro dia de trabalho no emprego novo". Não deu outra. Apertei o freio. O pedal desceu até o fundo e entrei com tudo na traseira do Mercedes. Desceu um sujeito corpulento, misto de boxeur com esmagador de crânios profissional, para olhar o prejuízo. O céu estava escuro, com raios caindo a nossa volta. A chuva havia parado momentaneamente, mas a tempestade ia recomeçar a qualquer instante. O sujeito olhava, olhava e avaliava a desgraça. Desci do carro para dizer que a culpa tinha sido minha e que ia arcar com o prejuízo, ainda que demorasse uns vinte anos para fazê-lo. Desceu do carro o passageiro...Não acreditei no que estava vendo. Eu tinha simplesmente esmagado a traseira do Mercedes do meu maior ídolo, Pelé. Passei a mão na cabeça e disse: "Puxa, Pelé, com tanto carro para bater fui escolher justo o seu..." Ele pôs a mão nas minhas costas e disse: "Você está bem? Machucou alguma coisa? Quer tomar um café; uma água com açúcar?" Falei que estava bem, mas inconformado. "Justo o seu carro, Pelé. Que droga!" Ele se ofereceu para pagar o prejuízo. "Arrebentou muito seu carro? Eu pago. Não tem problema." O meu velho Chevette estava apenas com o para-choque de metal entortado. O Mercedes novinho tinha um rombo na lataria. Lamentável. A gente se despediu. Pelé e o segurança/motorista foram embora. Cheguei em casa, em estado de graça. "Como foi no seu primeiro dia?", minha sogra perguntou, assim que estacionei o carro. "Foi bem diferente", falei, "bati até no carro do Pelé".   

O Diário do Grande ABC foi o jornal onde eu consegui me realizar plenamente como profissional. Escrevi artigos, produzi matérias especiais que conquistavam a manchete da edição de domingo (a principal da semana) e - principalmente - foi onde eu mais me diverti na profissão, apesar de varar inúmeras madrugadas trabalhando arduamente.

Era muito bom e recompensador trabalhar no Diário. Quem estava à frente da Redação era Alexandre Polesi, que fazia naquela época uma revolução bem-sucedida no jornal. Sob o comando de Alexandre, em breve, o Diário iria se tornar o melhor jornal regional do País. Havia muito investimento em novas tecnologias, novos equipamentos. O Diário deixava de ser um jornal limitado, com uma gráfica antiquada, para se transformar em um veículo moderno, que pautava inclusive os grandes veículos nacionais. Alexandre era inquieto, buscava sempre o melhor, a melhor história, a informação mais contundente e rebatia aqueles conceitos antigos de "sou amigo de Fulano, derruba essa matéria aí".

Lembro de uma reunião com o então diretor administrativo Wilson Ambrósio, conhecido no jornal como "dr. Wilson". Ele reuniu os repórteres e editores e perguntou quais eram os funis do jornal. Levantei a mão e falei: "Os telefones. A gente demora muito tempo para conseguir uma linha." Dias depois, o problema havia sido resolvido, com a aquisição de inúmeras novas linhas telefônicas.

No Diário, o que eu mais gostava era da facilidade em fechar uma pauta. Por exemplo, saía do jornal. Atravessava a rua e chegava no Paço Municipal de Santo André. Entrava no prédio da Prefeitura. Saía e ia para a Câmara Municipal e - em muitos casos - seguia até o Fórum, para entrevistar algum integrante do Ministério Público. Os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) estavam concentrados em uma praça. Tudo parecia muito próximo. Bem diferente de São Paulo, onde um repórter perde horas e horas de seu precioso tempo, tentando atravessar o trânsito intransitável. Também naquela época, o trânsito ainda não era o vilão que é hoje em cidades como Santo André, São Bernardo e São Caetano. 

Quando nasceu com o nome de News Seller, o jornal era um Shopping News do Grande ABC. Trazia algumas matérias de interesse e o restante eram milhares de páginas preenchidas com anúncios de empregos e serviços. Em 1968, o News Seller mudaria de nome e passaria se chamar Diário do Grande ABC.

O projeto bem-sucedido rendeu aos proprietários Mauri Dotto, Edson Danilo Dotto, Fausto Polesi e Angelo Puga um bom retorno financeiro, investido também na construção de prédio próprio, o imponente edifício da rua Catequese.

Depois, Angelo Puga sairia do Diário, para tocar empreendimento próprio. Edson Danilo Dotto criaria a Rádio Diário do Grande ABC (mais tarde Scala FM). E os Dotto e os Polesi comandariam o Diário. A segunda geração das duas famílias assumiria novas responsabilidades. Assim, Alexandre, filho de Fausto Polesi, iria tocar a Redação e Evenson Dotto, filho de Mauri, ficaria com a gestão publicitária.

Nos anos seguintes, o Diário enfrentaria uma briga intestina entre as duas famílias no melhor estilo Montecchio/Capuleto, com o jornal sendo comprado pelo ex-cobrador de ônibus e empresário do ramo de transporte Ronan Maria Pinto. Mas isso é uma outra história que fica para uma outra vez.       


  

terça-feira, 3 de outubro de 2017

O conservadorismo da Netflix



Assisti ontem na Netflix Jogo Perigoso. Casal apimenta a relação com encontro sadomasô. Algemas, casa isolada, Viagra, clima permissivo. Quando terminou, lembrei de uma série de filmes produzidos pela conservadora Hollywood em fins dos anos 70 e 80. Em Vestida para matar, a mulher casada faz sexo casual com um desconhecido e descobre, depois da transa, que o parceiro tem doença venérea. À procura de mr. Goodbar, com a ótima Diane Keaton, uma professora que à noite frequenta bares para sair com vários homens é assassinada brutalmente por um ex-homossexual. Atração Fatal mostra o pobre Michael Douglas sofrendo o diabo nas mãos da maluca personagem de Glenn Close. Tudo porque ele era casado e foi arrumar uma amante.

Em todos esses filmes, a gente percebe o conservadorismo norte-americano pronto a castigar quem sai fora dos trilhos. Os anos 80 foram uma época de sexualidade exacerbada e repressão violenta. Em junho de 1983, Notícias Populares dava a manchete: Peste gay já apavora São Paulo, referindo-se aos primeiros casos de Aids, registrados na cidade, informando mal e porcamente, como o NP sempre fez.

De um lado, nos anos 80, estavam aqueles que gostariam de prolongar indefinidamente a revolução sexual, iniciada nos anos 60; e no lado oposto, um muro conservador, tentando sufocar os libertários. Hollywood fazia a parte dela, produzindo filmes, como os descritos acima.

Em 2017, a bilionária Netflix, com seus 100 milhões de assinantes, mantém esse ranço conservador. Jogo Perigoso é na prática uma advertência do velho superego freudiano: "Não faça essas coisas proibidas, menino, que você vai se dar mal". Outro filme produzido pela mesma Netflix, Eu, tu e ela, brinca com a possibilidade de um ménage à trois. Mas acontece tanto imprevisto, tanta situação constrangedora, que a brincadeira nos deixa com um gosto amargo. Se Eu, tu e ela fosse uma produção francesa nem te conto o que iria rolar.

O documentário Lady Gaga Five foot two mostra uma cantora enferma, com dores insuportáveis no corpo, sendo assistida por um séquito de massagistas, médicos, enfermeiros, paramédicos, padres, parentes, pai, mãe, avó. É tudo, menos aquela imagem sensual, alta moda, que a intérprete de Bad Romance nos passava  lá atrás no distante passado de 2009. Lady Gaga, descobrimos, é uma coitada de shortinho rampeiro que diz frases sem o menor sentido.

Rita, uma produção interessante, vinda da Dinamarca, mostra uma professora mãe solteira, que fuma, bebe, transa com o diretor, transa com imigrantes sem nome, mas - apesar desse comportamento pouco educativo - é excelente profissional, a melhor professora do colégio. Rita termina a série numa boa? Ou será punida? Precisa responder?

Como estamos nas mãos dos algoritmos desses conservadores norte-americanos, somos obrigados a conviver com uma rede social que censura quadros centenários, obras de arte célebres, que se encontram à vista de milhões de visitantes nos museus mais visitados do mundo. Refiro-me à página Todo dia uma obra de arte para ofender o MBL que sofre a tesoura puritana periódica do Facebook.  No domingo, o autor desta página, que bate de frente com o MBL, fez um pedido desesperado: "Facebook removeu (mais) uma publicação e me impediu de usar a caixa de mensagens da página. Mandem um e-mail no arteofensiva@gmail.com. Também estou em twitter.com/arteofensiva."

 Dar murro em ponta de faca machuca, mas faz um bem danado para a alma da gente.


 

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Como é viver na cadeia


No exterior, um amigo que vivia em Brighton (Inglaterra) costumava me perguntar: "Quando você vai voltar para a cadeia?". A cadeia, no caso, era o Brasil. Corria o ano de 1982. Eu tinha me autoexilado e trabalhava como general help em um bed & breakfast. General help era o sujeito que fazia um pouco de tudo no hotel. Chegava às 7h. Ajudava a preparar o café da manhã. Arrumava as camas. Passava aspirador. Fazia as reservas dos hóspedes. Levava as malas pra cima e pra baixo. Às 13h, pontualmente, descia ao subsolo, onde tomava uma pint morna com o dono. Saía do trabalho e ia almoçar um sanduíche com a minha mulher no parque, se o tempo estivesse bom. Às 14h, entrava na escola. À noite, no apartamento que havíamos alugado, assistia à programação da BBC, sempre excepcional. Era uma vida gostosa a que eu levava no exílio. Era estranho, mas eu vivia melhor como faxineiro na Inglaterra do que como jornalista no Brasil. Não era só o salário que era melhor. Na época, sentia uma sensação de liberdade indescritível por ter saído de um país sob jugo de uma Ditadura Militar.


Terminado o autoexílio, voltei para a "cadeia". Em outros anos, tive a oportunidade de viver novamente no exterior, mas sempre retornei para a "cadeia", expressão que nunca me saiu da cabeça.

Fazendo um retrospecto, não me lembro de uma época boa, passada no Brasil. Às vezes, você está feliz, de bem com a vida, sorridente e é só andar na rua para a realidade brutal acabar com seu bom humor. O cordão de miséria envolve nossas cidades, envolve nossas ruas, nossos pescoços. A miséria não é somente opressora, ela é dominadora. Mesmo nos governos bem-sucedidos de FHC (primeiro mandato) e Lula (os dois mandatos), a miséria continuou prevalecendo, embora tenha sido minimizada.

Como jornalista, a serviço da FT, ganhava um salário ridículo, mas pelo menos os proprietários do grupo jornalístico conseguiam manter uma conta polpuda na Suíça, fiquei sabendo anos mais tarde, pós-escândalo do HSBC. Sorte deles, azar o meu que nunca tive conta na Suíça e nem polpuda.

Não é só a miséria da exploração do trabalhador que nos aflige. Existem outras misérias, maiores e mais robustas. Começa nas periferias das cidades. São bairros novos que surgem de um dia para o outro, sem planejamento, sem infraestrutura. As casas vão se amontoando, o esgoto circulando pelas vielas, a criançada crescendo no meio do caos urbano, sem lazer, sem perspectiva. O poder público se omite - como sempre - e a criminalidade impera.

Tem a miséria crônica das prefeituras que nunca cumprem com seus deveres. Enquanto você paga o IPTU e as multas de trânsito, as prefeituras obrigam você a trafegar por ruas esburacadas, escuras, a caminhar por calçadas impróprias (pobre do deficiente que anda de cadeira de rodas). As prefeituras brasileiras não fazem o elementar, que é a zeladoria. Tapem os buracos pelo menos já que não conseguem fazer o resto, bando de incompetentes!

Tem a miséria da educação...Essa é imperdoável. Outro dia, fui em uma escola estadual de um bairro periférico e me vi cercado de grades. O portões eram fechados com cadeados e correntes. Falei para a diretora: "Isso aqui parece uma cadeia e não uma escola". Ela me respondeu: "É para eles irem se acostumando. A maioria vai ser presa mesmo".

Agora, vivemos em um momento de miséria extrema. Ela é purgativa. Temos um presidente que é apoiado pela esposa dele, pelos ministros e o Congresso e por um jornalista. São os 3%, indicados pela pesquisa da CNI/Ibope. Temos milhares de políticos que foram eleitos a dedo pelo poder econômico e - portanto, descobrimos do alto de nossa imensa ingenuidade - não nos representam.

Como naquele livro famoso de Kafka, existe um processo em curso, que parece longe do final. Quem circula pelas ruas - e não a bordo de carros blindados ou de helicópteros - topa diariamente com a miséria dos 13 milhões de sem-emprego, com os zumbis da Cracolândia, com os pedintes e miseráveis de sempre limpando os para-brisas nos faróis.

A miséria tem o som ensurdecedor do funk, que é ditatorial e opressivo, porque obriga você a ouvi-lo, mesmo contra a sua vontade. É uma miséria totalitária, difusa, capilar, que coloca como preferido na lista de prováveis candidatos um político que defende torturadores.

Nesse país, que se diz laico, o dinheiro em circulação estabelece que "Deus seja louvado". A TV aberta é um show de horrores, aceito passivamente pelo telespectador embrutecido, molenga, apático, sonolento, embriagado de suas próprias limitações intelectuais.

Lembro da polêmica sobre uma perfomance em um museu. Um artista peladão atraiu ondas de ódio, que espumavam repressão e censura. Esse pessoal não está preocupado com os bairros da periferia, ocupados pela desgraça dos sem-dinheiro. Está pouco se lixando para as escolas cercadas de grades por todos os lados e para os professores agredidos e humilhados. Não dá a mínima para o trabalhador explorado - os 99% que sustentam o 1%. Não, nada disso! Eles querem proibir o pinto. O pinto à mostra é hoje o maior problema do Brasil. E naquele restaurante onde o pinto e a pinta foram jantar...Adivinhe quem pagou a conta? A pinta. O pinto estava duro.        


Humorista Leo Lins é censurado pela Justiça Federal

  Leonardo de Lima Borges Lins, o humorista condenado O início é óbvio: Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, que trata...