segunda-feira, 9 de outubro de 2017
DGABC (1) - A tarde em que encontrei Pelé
Em dezembro de 1992, estava de volta ao Brasil, com a tese de doutorado escrita, aguardando uma data para a defesa. Arrumei um frila fixo na FT novamente, com a ajuda do amigo Wladyr Nader, que ainda editava o caderno de Cultura. Fui ao Ibirapuera para uma pauta e diante do prédio da Bienal encontrei Orlando Margarido, crítico talentoso, dono de um texto construído sempre com engenho e arte. Ele ficou sabendo que eu estava na base do frila e me deu uma dica importante. Era para eu conversar com Antonio Prada, o Toninho, editor de Cultura do Diário do Grande ABC, o DGABC. O jornal estava em uma fase de crescimento importante, investindo forte na infraestrutura e na Redação. Fui até o DGABC, na rua Catequese, em Santo André. Tive uma reunião breve com Antonio Prada, o Toninho, e fui contratado.
Assim, no dia 1º de janeiro de 1993, no primeiro dia daquele ano, comecei a trabalhar. Nesse primeiro dia no DGABC aconteceu um fato inusitado. Quando retornava para casa, o freio do Chevette 1983 falhou, durante uma tempestade de verão. Essas pancadas rápidas de fim de tarde. Eu estava na avenida Presidente Wilson, tão esburacada e abandonada como ainda é hoje, quando vi aquele Mercedes do ano na minha frente. Pensei na hora: "Não posso bater nesse Mercedes. Não no meu primeiro dia de trabalho no emprego novo". Não deu outra. Apertei o freio. O pedal desceu até o fundo e entrei com tudo na traseira do Mercedes. Desceu um sujeito corpulento, misto de boxeur com esmagador de crânios profissional, para olhar o prejuízo. O céu estava escuro, com raios caindo a nossa volta. A chuva havia parado momentaneamente, mas a tempestade ia recomeçar a qualquer instante. O sujeito olhava, olhava e avaliava a desgraça. Desci do carro para dizer que a culpa tinha sido minha e que ia arcar com o prejuízo, ainda que demorasse uns vinte anos para fazê-lo. Desceu do carro o passageiro...Não acreditei no que estava vendo. Eu tinha simplesmente esmagado a traseira do Mercedes do meu maior ídolo, Pelé. Passei a mão na cabeça e disse: "Puxa, Pelé, com tanto carro para bater fui escolher justo o seu..." Ele pôs a mão nas minhas costas e disse: "Você está bem? Machucou alguma coisa? Quer tomar um café; uma água com açúcar?" Falei que estava bem, mas inconformado. "Justo o seu carro, Pelé. Que droga!" Ele se ofereceu para pagar o prejuízo. "Arrebentou muito seu carro? Eu pago. Não tem problema." O meu velho Chevette estava apenas com o para-choque de metal entortado. O Mercedes novinho tinha um rombo na lataria. Lamentável. A gente se despediu. Pelé e o segurança/motorista foram embora. Cheguei em casa, em estado de graça. "Como foi no seu primeiro dia?", minha sogra perguntou, assim que estacionei o carro. "Foi bem diferente", falei, "bati até no carro do Pelé".
O Diário do Grande ABC foi o jornal onde eu consegui me realizar plenamente como profissional. Escrevi artigos, produzi matérias especiais que conquistavam a manchete da edição de domingo (a principal da semana) e - principalmente - foi onde eu mais me diverti na profissão, apesar de varar inúmeras madrugadas trabalhando arduamente.
Era muito bom e recompensador trabalhar no Diário. Quem estava à frente da Redação era Alexandre Polesi, que fazia naquela época uma revolução bem-sucedida no jornal. Sob o comando de Alexandre, em breve, o Diário iria se tornar o melhor jornal regional do País. Havia muito investimento em novas tecnologias, novos equipamentos. O Diário deixava de ser um jornal limitado, com uma gráfica antiquada, para se transformar em um veículo moderno, que pautava inclusive os grandes veículos nacionais. Alexandre era inquieto, buscava sempre o melhor, a melhor história, a informação mais contundente e rebatia aqueles conceitos antigos de "sou amigo de Fulano, derruba essa matéria aí".
Lembro de uma reunião com o então diretor administrativo Wilson Ambrósio, conhecido no jornal como "dr. Wilson". Ele reuniu os repórteres e editores e perguntou quais eram os funis do jornal. Levantei a mão e falei: "Os telefones. A gente demora muito tempo para conseguir uma linha." Dias depois, o problema havia sido resolvido, com a aquisição de inúmeras novas linhas telefônicas.
No Diário, o que eu mais gostava era da facilidade em fechar uma pauta. Por exemplo, saía do jornal. Atravessava a rua e chegava no Paço Municipal de Santo André. Entrava no prédio da Prefeitura. Saía e ia para a Câmara Municipal e - em muitos casos - seguia até o Fórum, para entrevistar algum integrante do Ministério Público. Os três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) estavam concentrados em uma praça. Tudo parecia muito próximo. Bem diferente de São Paulo, onde um repórter perde horas e horas de seu precioso tempo, tentando atravessar o trânsito intransitável. Também naquela época, o trânsito ainda não era o vilão que é hoje em cidades como Santo André, São Bernardo e São Caetano.
Quando nasceu com o nome de News Seller, o jornal era um Shopping News do Grande ABC. Trazia algumas matérias de interesse e o restante eram milhares de páginas preenchidas com anúncios de empregos e serviços. Em 1968, o News Seller mudaria de nome e passaria se chamar Diário do Grande ABC.
O projeto bem-sucedido rendeu aos proprietários Mauri Dotto, Edson Danilo Dotto, Fausto Polesi e Angelo Puga um bom retorno financeiro, investido também na construção de prédio próprio, o imponente edifício da rua Catequese.
Depois, Angelo Puga sairia do Diário, para tocar empreendimento próprio. Edson Danilo Dotto criaria a Rádio Diário do Grande ABC (mais tarde Scala FM). E os Dotto e os Polesi comandariam o Diário. A segunda geração das duas famílias assumiria novas responsabilidades. Assim, Alexandre, filho de Fausto Polesi, iria tocar a Redação e Evenson Dotto, filho de Mauri, ficaria com a gestão publicitária.
Nos anos seguintes, o Diário enfrentaria uma briga intestina entre as duas famílias no melhor estilo Montecchio/Capuleto, com o jornal sendo comprado pelo ex-cobrador de ônibus e empresário do ramo de transporte Ronan Maria Pinto. Mas isso é uma outra história que fica para uma outra vez.
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