sexta-feira, 17 de janeiro de 2025

Sobre a homofobia

 

A postagem foi acusada de homofóbica

A ex-miss Brasil Renata Fan é a apresentadora de "Jogo Aberto", um programa de esportes, transmitido, na hora do almoço, diariamente, pela TV Bandeirantes. Começa com a âncora falando sobre os clubes de futebol, ao lado de um comentarista. Antes, era o ex-jogador Denílson, apelidado de "Denílson Show". Atualmente, ela faz dobradinha com o também ex-jogador o ex-goleiro do Corinthinas Ronaldo Giovanelli. Depois desse "esquenta", tem início o debate, com vários comentaristas falando ao mesmo tempo, cada um tentando gritar mais alto que o outro. O telespectador não consegue entender direito os posicionamentos, em meio aos gritos. É uma barafunda. A apresentadora dá muita risada e deixa o caos tomar conta do pedaço. Na virada do ano, "Denílson Show" trocou a Band pela TV Globo. Vai ganhar 300 mil reais por mês, segundo li no noticiário, "mais do que o dobro do que ele ganhava na Bandeirantes".  

Esta semana Renata Fan postou uma arte, que lhe foi enviada supostamente por um fã. A postagem mostra a apresentadora ao lado de Denílson, na época da Band; e agora, na Globo o mesmo Denílson, com leiaute diferente (de barba e bigode) ao lado da cantora Pabllo Vittar (assim mesmo com dois eles e dois tês no nome). Para bom entendedor, Denílson teria trocado a mulher e ex-miss Renata por uma travesti.

Renata achou engraçada a postagem: "Chorei de rir". Pabllo Vittar acusou a apresentadora de ser "homofóbica". A também cantora e youtuber Leo Áquila cobrou satisfação da apresentadora da Band: "E aí, linda, vamos explicar isso?".

No Brasil, homofobia é crime. O culpado não tem direito à fiança, nem há prescrição da ofensa. O termo foi cunhado por um psicólogo judeu e norte-americano George Weinberg (1935-2017), em 1971, aglutinando os termo "homo" e "phobos" (medo). 

Quando a gente lê que alguém foi espancado apenas por ser homossexual, isso significa homofobia. Quando um parente, "amigo" ou "colega de trabalho", usa palavras agressivas ou tenta menosprezar o outro, por causa de sua orientação sexual, isso é homofobia. Também, nos almoços de família, quando o tio do pavê faz piada sobre o "viado", a "lésbica", a "trava", é também caracterizado de homofobia. Também é homofobia quando alguém deixa de contratar um funcionário, por ele ser LGBT. 

No caso da apresentadora da Band, houve homofobia, porque Denílson Show não vai apresentar o programa ao lado de Pabllo Vittar. Denílson participará de produções do SporTV e também do Globo Esporte, na TV aberta. Ou seja, foi um "meme", uma "brincadeirinha", indicando que Denílson "trocou" a mulher "de verdade" pela trans.

Na prática, Denílson trocou o programa apresentado por Renata Fan por um contrato de seis cifras com a Globo. Renata foi passada para trás e se "vingou" publicando aquela postagem que visava ridicularizar o seu parceiro de programa, que a deixou a ver navios. Denílson era figura de proa no "Jogo Aberto" e faz falta.

A homofobia está em todo lugar. Não apenas no "meme" "engraçadinho" de Renata Fan. Ele perpassa a sociedade brasileira. É capilar. Reportagem do Uol, assinada pela repórter Victoria Bechara, informa que o vereador Lucas Pavanato, do partido de Jair Bolsonaro (PL), nem bem esquentou a cadeira na Câmara Municipal e já mandou ver em três projetos contra pessoas trans: 1) impede que pessoas trans participem de atividades esportivas em categorias que sejam diferentes de seu sexo de nascimento; 2) proíbe hospitais e clínicas de realizar tratamentos de redesignação sexual em menores de 18 anos; 3) impede que mulheres trans utilizem banheiros femininos (ou homens trans, os banheiros masculinos).  Essa questão dos banheiros era sua "bandeira de campanha", informa a reportagem. Pavanato tem 26 anos e 161 mil votos que o colocaram na Câmara. 

As pessoas trans parecem ser fantasmas que assombram o vereador "mais votado de São Paulo". A cidade tem 90 mil pessoas vivendo nas ruas. Outras 3 milhões e 600 mil vivem em agrupamentos precários, em favelas, à beira de córregos imundos. Mas toda essa gente em situação de miséria está fora da mira do nobre edil. Quem tira o sono dele são as pessoas trans. 

O vereador não é uma voz solitária, evidentemente. Ele representa, com objetivos eleitorais, uma parcela significativa da população brasileira que odeia pessoas trans. O Brasil, como informam os números, é líder mundial na morte violenta de pessoas trans.

A série "Transparent", de 2014, tem uma cena que ilustra o drama da pessoa trans na utilização de banheiro público. A personagem Maura Pfeffer (vivida pelo ator Jeffrey Tambor) é uma crossdresser. Ela está em um shopping e entra no banheiro feminino. Uma mulher se desespera e começa a gritar. Situação semelhante ocorreu, em 2012, com a cartunista Laerte, que estava em um banheiro feminino de uma pizzaria e foi repreendida pelo dono do local. Sua presença no banheiro causaria "incômodo" às mulheres.  Na época, os veículos de comunicação o chamavam de "o cartunista que se veste de mulher".

O ideal de toda pessoa trans é "passar". Isso significa que a mulher trans, por exemplo, gostaria de ser notada apenas como mulher e não como "um homem que se veste de mulher". A pessoa trans sofre, porque o mundo externo a enxerga de forma diferente daquilo que ela sente dentro de si. Ela se olha no espelho e vê uma mulher, enquanto os demais vão enxergá-la, depreciativamente, como um homem "fantasiado de mulher".

Certa ocasião, estava no supermercado Master, que funciona dentro do Shopping Frei Caneca, escolhendo frutas. O supermercado tem uma grande variedade de frutas de época. Próximo de mim, estava uma travesti negra, seios pronunciados em decote, cabelo liso caído até as costas, minissaia e sandália de salto alto. Dois rapazes que repunham frutas nas prateleiras começaram a rir da travesti. Eles olhavam para ela e riam, balançando a cabeça, em sinal de desaprovação. A travesti chamou a atenção deles em altos brados. Ameaçou chamar a polícia e a gerência do mercado. Essa cena, isolada, acontece à exaustão no Brasil. A pessoa trans é vista como uma ameaça, alguém que vai perturbar a tranquilidade da Nação, por isso precisa se alvo de infâmia.  

Entre vários filmes e séries que abordam o tema, "Crônicas de São Francisco", estrelado por Olympia Dukakis, Laura Linney e Elliot Page, conta a história de uma mulher trans que tenta passar por "mulher de verdade" na conservadora São Francisco dos anos 1950 e 1960. Ela chega a se relacionar com um policial e é até recebida na casa da família do namorado como "mulher". Depois, ela é presa em uma batida policial, juntamente com outras travestis, e, ao sair da cadeia, toma uma medida drástica: se apropria de um fundo de dinheiro e o utiliza para a cirurgia de redesignação sexual e a compra de uma propriedade, que viria se transformar em uma espécie de centro de acolhimento de LGBTs. "Crônicas de São Francisco" baseia-se, em nove livros, do escritor Armistead Maupin.

A homofobia é crime no Brasil, desde 2019. A lei reprime um desejo substantivo da sociedade brasileira de eliminar a pessoa trans da paisagem. Pode ser um problema de educação, de atavismo religioso. O Brasil tem 600 mil igrejas e apenas 7 mil bibliotecas e livrarias. É muita gente semialfabetizada, "bitolada", como se dizia nos anos 1970, lendo apenas um único livro.


  

 

  

 

  


sexta-feira, 10 de janeiro de 2025

Os "motoras"

 


A equipe de reportagem que vai para a rua é formada pelo repórter, por um repórter-fotográfico e pelo motorista, que o "reportariado" chama de "motora". O "motora" é peça essencial. Cabe a ele encontrar o melhor caminho, chegar mais rápido e retornar mais rápido ainda a tempo do fechamento. 

O repórter-fotográfico costuma se sentar no banco da frente, ao lado do "motora". Por quê? Se acontecer algo que garanta a primeira página do jornal, o repórter-fotográfico estará atento e vai pular do carro e fará a foto consagradora. 

Na realidade, é só o repórter-fotográfico entrar no carro, se sentar para começar a cochilar. Alguns até roncam. Batem a cabeça na janela do carro. Babam. Mas ai de você, repórter, se quiser se sentar na frente. Eles ficam muito bravos. 

"O fotógrafo senta na frente. Se acontecer alguma coisa, a gente faz a foto no ato", eles costumam justificar. Mas a maioria dorme. Acredite.

Às vezes, o "motora" pede ajuda para a reportagem. Quando trabalhava no "Jornal da Tarde", o carro quebrou. Não pegava de jeito nenhum. O "motora" virava a chave e a ignição fazia aquele rê-rê-rê-rê e o motor não funcionava. O "motora", usando de sua experiência, virou-se para mim e falou:

"Sai fora e empurra o carro".

Empurrei o desgraçado até ele tossir e dar um estouro no escapamento e o motor voltar a funcionar.

Há casos excepcionais, em que o "motora" manda a equipe esvaziar o carro. Estávamos no "corredor polonês", que era uma área de 35km² entre Santo André, São Bernardo, Mauá e Ribeirão Pires, onde anos atrás ninguém sabia exatamente onde começava um município e terminava outro. As ocupações desordenadas eram constantes. A mata derrubada. O esgoto lançado a céu aberto. Enfim, o de sempre. As ruas eram precárias e havia subidas íngremes. Tão íngremes que o carro do "motora" parou na metade. Não sei se eu estava fora do peso, se o repórter-fotográfico havia exagerado na feijoada, o fato é que o carro não conseguia subir. Também não sei se o "motora" estava de sacanagem com a gente. 

"Não sobe mais", disse o "motora", um senhor dos seus 60 anos, cabelo branco, que usava o seu carro - um veículo popular 1.0 - para transportar a gente pra cima e pra baixo.

"Como não sobe?", o fotógrafo protestou. "Tem que subir."

"Não sobe. Está muito pesado. É um carro 1.0. Não consegue subir."

Descemos - eu e o fotógrafo - enquanto o "motora" arrancava e foi nos esperar lá no alto, um quilômetro adiante. Foi bem gostoso subir pela rua de terra, por volta de 15h, sol a pino, queimando o cérebro da gente.

Às vezes, o repórter erra de carro e de "motora". Eram 18h35. Saí "voando" da Câmara de São Caetano. Tinha de chegar rapidamente ao jornal e escrever a matéria, que seria a capa da edição. O carro que estava me esperando era cinza e me aguardava em uma rua lateral, ao lado de uma banca de jornal. Fui andando depressa, em direção ao carro. Avistei o veículo, parado exatamente no mesmo local. Abri a porta. Sentei e falei para o "motora":

"Vam'bora, vam'bora. Rápido. Preciso chegar no jornal".

Um rapaz virou-se, muito assustado, e me disse, quase chorando:

"Vamos embora pra onde, meu deus?"

Era o carro errado e o "motora" errado.

Em 1984, o uso do cinto de segurança era visto com desconfiança pelos "motoras". A obrigatoriedade do uso do cinto só viria em 1997, juntamente com o Código de Trânsito Brasileiro. Na década de 1980, quem quisesse pôr o cinto de segurança teria um trabalho danado. O cinto ficava amarrado e sujo, debaixo do banco. Era cheio de nós e poeira.

Quando comecei a trabalhar de repórter no "Diário Popular", toda vez que entrava no carro da reportagem (na época, a frota era própria do jornal), procurava o cinto. Sujava as mãos, a roupa, mas nunca deixava de andar sem o cinto de segurança (tinha estado na Europa antes e lá todo mundo usava cinto). Os "motoras" não se conformavam. Diziam:

"Você não confia em mim?"

Um belo dia, na verdade, era uma tarde chuvosa e fria de sexta-feira, entrei no carro de reportagem, uma Brasília, com dois anos de uso. Procurei o cinto lá embaixo. Afivelei e aconselhei o "motora":

"Põe o cinto, Vanderlei. Não anda sem cinto".

"Isso é coisa de viado", ele disse. Era um rapaz moreno, com a barba por fazer, com seus 30 anos. 

Saímos da rua Major Quedinho, em direção a rua Haddock Lobo. Íamos em uma casa noturna, muito famosa na época, para uma entrevista com uma celebridade.

Chegamos na rua Haddock Lobo e a chuva apertou. Três quarteirões antes do nosso destino, o sinal fechou na travessa com a Alameda Itu. Paramos, aguardando o verde. Um maluco veio a toda velocidade e entrou na traseira da Brasília. Como o banco era menor e não tinha proteção no pescoço, minha cabeça foi jogada com força para trás, dando aquele estalo perigoso no pescoço. O carro infrator deu ré. Saiu detrás da nossa Brasília e saiu acelerando rua Haddock Lobo abaixo. 

O Vanderlei, indignado, engatou a primeira e foi atrás do maluco. Pedaços da traseira da Brasília e da frente do carro do maluco despencavam pela rua. Duas travessas depois, o sinal fechou novamente para nós. O maluco passou no vermelho, mas o Vanderlei, em alta velocidade, não quis saber de frear. Foi em frente. Uma kombi atravessou a nossa frente. O Vanderlei desviou da kombi e saiu derrapando, batendo nos carros estacionados nos dois lados da rua. Era uma bola de boliche desgovernada, até perder o controle e entrar em um poste de cimento. Vi as ferragens se amontoando, se envergando, vindo em direção ao vidro dianteiro. Até que tudo se imobilizou. 

O caríssimo Vanderlei - sem cinto de segurança - tinha se chocado contra o painel da Brasília e destruído o joelho em um rádio automotivo, que, na época, servia para a chefia de reportagem se comunicar com o repórter (celulares não tinham sido inventados). Desafivelei o cinto de segurança e saí da Brasília, em destroços. Era a famosa PT, "perca total", como diziam os "motoras", usando o subjuntivo ao invés do substantivo.

Consegui tirar o Vanderlei da Brasília, com a ajuda de populares. Minha roupa ficou toda ensanguentada. Liguei para o jornal e pedi um carro para me resgatar. O "motora" foi levado para o pronto-socorro mais próximo. Trêmulo, sujo, as roupas manchadas de sangue, com uma dor insuportável no pescoço, cheguei na Redação e levei maior bronca do chefe, o "Pitico", por ter "abandonado a pauta".     

 O "motora" é muito importante, durante as "perseguições". Tínhamos recebido a informação de que um vereador usava o carro oficial para ir até a Baixada Santista nos finais de semana. Como os veículos não tinham qualquer evidência de que se tratavam de carros oficiais, os nobres edis faziam a festa.

Cheguei na casa do vereador no final da tarde de uma sexta-feira. Paramos o carro mais acima e ficamos de "campana". O vereador e a esposa saíram de casa. Abriram o porta-malas do carro oficial, um Corsa verde claro, e começaram a enchê-lo de malas e sacolas.

Eles fecharam a porta da casa. Entraram no carro e saíram. Falei para o seu José, o "motora":

"Seu José, vamos atrás deles. Vamos flagrá-los chegando em Santos."

O seu José, que era um senhor tranquilo e extremamente paciente, ponta firme, concordou.

Iniciamos a 'perseguição". O carro oficial foi em direção a uma avenida movimentada que fazia a ligação com a via Anchieta. No entroncamento com a estrada, era carro, ônibus, caminhão, moto, todo mundo tentando entrar ao mesmo tempo na Anchieta. 

Meu celular tocou (nessa época, já tinham inventado celular; era um "tijolo"). Atendi. Alguém no jornal me pediu um retorno. Falei o que estava acontecendo e que provavelmente eu iria até Santos. O pessoa na Redação ficou animado. 

Já na via Anchieta, desligo o celular e olho para a frente, tentando localizar o carro oficial. No lusco-fusco do final do dia, achei que estávamos atrás de um Corsa vermelho claro. Apertei os olhos. Tirei os óculos. Limpei as lentes e voltei a tentar localizar o "nosso" Corsa.

"Seu José", eu disse, "parece que estamos atrás de um Corsa vermelho. O nosso Corsa não era verde?"

"Era verde?", ele perguntou.

A minha manchete tinha ido para o vinagre, graças ao seu José, que, vim a descobrir, era daltônico.      

  

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

"A religião woke"

 


"Os homens estão grávidos", "as mulheres têm pênis", "todos os brancos são racistas", "todos os negros são vítimas", "a biologia é virilista", "a matemática é racista"... É assim que começa o livro "A religião woke", do acadêmico francês, professor titular de filosofia contemporânea na Sorbonne (Paris), Jean-François Braunstein. O livro é quase um manifesto, um panfleto, em defesa de todos aqueles que se opõem ao "wokismo". 

O autor explica que o termo "woke" tem origem nos Estados Unidos. Veio do movimento negro, na esteira dos protestos "vidas negras importam". Tem origem no particípio passado do verbo "wake" (despertar), "woken". A partir do movimento negro, a vaga "woke" chegou às universidades americanas e virou uma "religião", segundo Braunstein. Uma religião que não faz reféns. Quem é contra a vaga "woke" é "cancelado", similar à prática stalinista de apagar imagens das fotos históricas de políticos e líderes que caíam em desgraça pós-revolução bolchevique. O cancelamento, ele explica, "é a anulação da própria existência de inimigos", que seriam "a personificação do mal".

Entre esses inimigos estão a escritora J.K. Rowling, autora de "Harry Potter"; os comediantes Dave Chappelle (nos Estados Unidos) e Rick Gervais (na Inglaterra) e até o desenhista Xavier Gorce, na França.

O professor explica que "a ideologia woke não é um esnobismo passageiro", mas veio para ficar. Os "wokes" atuam principalmente em três segmentos: raça, gênero e contra a ciência. 

Quando se fala em raça, diz Braunstein, vivemos um dilema. "Se a pessoa disser que é racista, então ela é mesmo racista; mas se disser que não é racista também dá no mesmo". A pessoa branca nasce com uma espécie de "pecado original" e é taxado de "privilegiado branco". Braunstein cita Martin Luther King, que, em seu discurso mais célebre dizia ter um sonho: que seus quatro filhos vivessem em um mundo que não os julgassem pela cor da pele, mas por seu caráter. De acordo com o autor de "A religião woke", os "wokes" pensam justamente o oposto de Luther King. 

"Os novos anti-racistas racistas defendem que as raças existem" e que para combater o racismo não se deve tratar "todos os humanos da mesma forma". O anti-racismo contemporâneo "tem por objetivo principal alargar ao máximo o campo de acusação de racismo". Toda a história ocidental foi sempre racista; todas as produções culturais, científicas, artísticas ou técnicas, toda elas são racistas, "além de virilistas". Para completar, os "wokes" também acusam a matemática de ser "branca".

O outro foco do "wokismo" é a questão de gênero. Para Braunstein, não existe o transgênero, porque biologicamente a pessoa é homem ou mulher, portanto, uma pessoa trans não existiria no mundo real, mas apenas em seu "imaginário":

"O mundo ilusório deve ser encarado como mais verdadeiro que o real."

No que diz respeito à sigla LGBTQI, o autor assinala que quem está mesmo no centro dos debates é a letra "T". Braunstein critica os desportistas trans que superam as mulheres nos esportes; critica o direito de mulheres trans frequentarem banheiros femininos; critica a fixação dos americanos com os pronomes neutros e faz uma relação dos "textos sagrados" dos "wokes", centrando seu poder de fogo em Judith Butler e Paul B. Preciado. Esses dois autores têm sua obra centrada na questão de gênero. 

"Graças à invenção do transgênero, a teoria de gênero anuncia uma promessa inaudita de se poder mudar de sexo ou de gênero à vontade do freguês" (...) "O trans seria o novo herói do nosso tempo".  

Depois do gênero, o próximo alvo dos "wokes", segundo Braunstein, seria a ciência. Além da biologia e matemática, "todas as ciências modernas, nascidas no ocidente, são participantes de uma história sangrenta de racismo, colonialismo e destruição das culturas indígenas". Por isso, os "wokes" devem "recusar a ciência em sua globalidade". 

Braunstein cita vários casos de acadêmicos que perderam o emprego, depois de se contrapôr à "religião woke". Por exemplo, a lésbica militante e professora de filosofia na Universidade de Sussex, Kathleen Stock, optou por se demitir após enfrentar a fúria de militantes trans, revoltados com sua opinião de que "a noção de transgênero era apenas uma ilusão". 

Houve também casos de bloqueios feitos pelos "wokes" diante de espaços onde seriam realizadas conferências, que teriam a participação de seus adversários. Além dos bloqueios, aconteceram interrupções de palestras, como os "wokes" "repetindo cânticos" e "slogans". Os adversários são taxados de "gayfóbico", "transfóbico", "gordofóbico.

Para o autor, a força da religião "woke" nasce do fato de partir de reivindicações legítimas: a luta contra as discriminações associadas ao gênero, o racismo ou a reavaliação das colonizações europeias. "Mas conduz a conclusões absolutamente inaceitáveis."

Ele destaca que "a teoria de gênero rompe coma realidade para entrar num mundo imaginário  onde o gênero substitui o sexo e os corpos já não valem nada". 

Sobre a ciência, ele alerta para "o risco de conduzir a uma incrível regressão científica e técnica" (...) "a nossa herança cultural, a de Atenas e de Jerusalém, a do Renascimento e do Iluminismo, já não é conhecida e é incorretamente acusada de ser racista ou virilista". 

O que fazer então? Segundo o autor, será preciso ter um mínimo de coragem e erguer-se contra propostas aberrantes ou abjetas. "Dizer simplesmente não".

Descobri esse livro, na Biblioteca Municipal de Sesimbra (Portugal), em uma manhã quente de verão, em setembro. Enquanto milhares de pessoas corriam para a praia, me refugiei no ar-condicionado da biblioteca. Quando a biblioteca recebe novos lançamentos, coloca à vista dos frequentadores em mesinhas, junto às estantes. Circulando por essas mesinhas, bati o olho na "Religião woke", peguei o livro e li de um fôlego, para usar uma imagem inédita.

Editado em português pela Guerra e Paz, descobri que o autor é da minha geração e professor da Sorbonne, universidade pela qual tenho grande carinho, por ter possibilitado que eu trabalhasse em meu doutorado, sob a direção do professor emérito Michel Maffesoli.

Compreendo o assombro de Braunstein diante do "wokismo". Há muito exagero e disparates. Mas vou me deter apenas na questão trans. Em 1999, quando a editora Summus (selo GLS) publicou meu livro "Nicola, um romance transgênero", o termo "transgênero" ainda não existia em português do Brasil. A então editora Laura Bacellar precisou escrever uma nota explicativa sobre a transgeneridade. 

De fato, como observa o professor Braunstein, não existe no corpo da pessoa trans nenhuma prova de que ela tenha outro gênero. Outro dia, vendo um "reel" da youtuber trans e cantora Leo Áquila, ela dizia exatamente isso: "Não está no meu corpo; está na minha cabeça". Só que, ao contrário do que diz o professor, não se trata de um mundo imaginário, mas de não aceitação do próprio corpo. A mulher trans está em um corpo masculino, mas o rejeita. Ela não suporta conviver com o pênis, com a ausência de seios proeminentes e as evidências masculinas mais visíveis, como barba e pelos. Ela precisa renascer, para isso inicia uma via-crúcis que passa por visitas a médicos, tomar hormônios, implantar próteses de silicones, depilar o corpo com laser e - o principal - a troca de sua identidade, substituindo o nome masculino pelo feminino. Já o homem trans passa pelo mesmo processo, invertido, é claro (tomar hormônios para ter barba, retirada dos seios, entre outras ações).

O professor Braunstein vê as pessoas trans como seres que colocam em risco crianças e pré-adolescentes. A mulher trans é alguém que se deve temer ao possibilitar que utilize o banheiro feminino, porque pode violentar as mulheres "de verdade".

É difícil realmente entender o que é ser transgênero. Não está no corpo. O corpo acusa a presença de um pênis e, por tabela, saco escrotal, próstata... Só que a consciência que está dentro deste corpo não o aceita. Não vou falar em alma, porque é um conceito religioso e sem qualquer evidência factual, mas é como se alguém dentro da pessoa se defrontasse com o corpo errado. É um sofrimento diário, contínuo, crônico. Ela não se aceita e vive imersa nessa dor da não aceitação. 

Não foram poucos os casos de pessoas trans que se suicidaram, por causa desse dilema: ser obrigado a ser aquele que não é. Uma vez, entrevistando a modelo Roberta Close ("a mulher mais bonita do Brasil é homem" - Notícias Populares), após ela ter feito a cirurgia de redesignação sexual, ela me disse que se olhava no espelho e sentia um incômodo insuportável. Estava com seios, cabelo longo, curvas no corpo, toda depilada, mas ainda tinha pênis. E a presença do membro masculino lhe era invasivo. "Eu me via no espelho e não me conformava com aquilo ainda em mim". Ela retirou o órgão masculino. Casou-se e vive hoje na Suíça.

O que todos os teóricos de gênero dizem, em suma, é que o fenômeno trans ocorre quando a identidade consciente da pessoa não condiz com a sua genitália. No passado, não havia o que fazer. Hoje, cirurgias de redesignação sexual, terapias, tratamentos e até a possibilidade de mudar o registro civil tornam a vida das pessoas trans menos angustiante. É algo que se deve compreender e ter empatia.

Infelizmente, o professor Braunstein não percebe como as pessoas trans sofrem, justamente, por serem trans. Não se trata de "mudar de sexo e gênero de acordo com a vontade do freguês", mas de minimizar o sofrimento, de sermos solidários e humanos na aceitação do outro diferente.          

Tradução para o inglês:

"Woke religion"

"Men are pregnant," "women have penises," "all white people are racists," "all black people are victims," "biology is masculinist," "mathematics is racist" ... This is how the book "The Woke Religion" by the French academic and professor of contemporary philosophy at Sorbonne University, Jean-François Braunstein, begins. The book is almost a manifesto, a pamphlet, defending all those who oppose "wokeness."

The author explains that the term "woke" originated in the United States. It came from the Black movement, following the "Black Lives Matter" protests. It originates from the past participle of the verb "wake" (to awaken), "woken." From the Black movement, the term "woke" reached American universities and became a "religion," according to Braunstein. A religion that takes no prisoners. Those who oppose the "woke" trend are "canceled," similar to the Stalinist practice of erasing images of politicians and leaders who fell out of favor after the Bolshevik Revolution. Canceling, he explains, "is the annulment of the very existence of enemies," who are "the personification of evil."

Among these enemies are writer J.K. Rowling, author of "Harry Potter"; comedians Dave Chappelle (in the United States) and Rick Gervais (in England); and even the cartoonist Xavier Gorce in France.

The professor explains that "woke ideology is not a fleeting snobbery," but it is here to stay. The "wokes" primarily act in three areas: race, gender, and against science.

When it comes to race, Braunstein says, we live in a dilemma. "If a person says they are racist, then they are indeed racist; but if they say they are not racist, it doesn’t change anything." The white person is born with a kind of "original sin" and is labeled a "white privileged." Braunstein quotes Martin Luther King, who, in his most famous speech, expressed his dream that his four children would live in a world where they would not be judged by the color of their skin, but by their character. According to the author of "The Woke Religion," the "wokes" think exactly the opposite of Luther King.

"The new racist anti-racists defend that races exist" and that to combat racism, one should not treat "all humans the same." Contemporary anti-racism "aims primarily to widen the scope of accusations of racism." All of Western history has always been racist; all cultural, scientific, artistic, or technical productions are racist, "in addition to being masculinist." To top it off, the "wokes" also accuse mathematics of being "white."

Another focus of "wokeness" is the gender issue. For Braunstein, there is no such thing as transgender people because biologically a person is either male or female, so a transgender person does not exist in the real world, but only in their "imaginary."

"The illusory world must be seen as more truthful than the real one."

Regarding the LGBTQI acronym, the author points out that the letter "T" is truly at the center of debates. Braunstein criticizes transgender athletes who outperform women in sports; criticizes the right of trans women to use female bathrooms; criticizes the American obsession with neutral pronouns and lists the "sacred texts" of the "wokes," focusing their firepower on Judith Butler and Paul B. Preciado. These two authors have their work centered on gender issues.

"Thanks to the invention of transgender, gender theory announces an unheard-of promise that one can change sex or gender at will" (...) "The transgender would be the new hero of our time."

After gender, the next target of the "wokes," according to Braunstein, would be science. In addition to biology and mathematics, "all modern sciences, born in the West, are participants in a bloody history of racism, colonialism, and the destruction of indigenous cultures." Therefore, the "wokes" must "reject science in its entirety."

Braunstein cites several cases of academics who lost their jobs after opposing the "woke religion." For example, lesbian activist and philosophy professor at the University of Sussex, Kathleen Stock, chose to resign after facing the wrath of trans militants who were outraged by her opinion that "the notion of transgender was merely an illusion."

There were also cases of blockages by the "wokes" at venues where conferences would be held with the participation of their opponents. In addition to blockages, there were interruptions of lectures, with the "wokes" "repeating chants" and "slogans." The adversaries are labeled "homophobic," "transphobic," "fatphobic."

For the author, the strength of the "woke" religion comes from the fact that it starts from legitimate claims: the fight against discrimination related to gender, racism, or the revaluation of European colonization. "But it leads to absolutely unacceptable conclusions."

He highlights that "gender theory breaks with reality to enter an imaginary world where gender replaces sex, and bodies no longer matter."

Regarding science, he warns of "the risk of leading to an incredible scientific and technical regression" (...) "our cultural heritage, that of Athens and Jerusalem, that of the Renaissance and the Enlightenment, is no longer known and is incorrectly accused of being racist or masculinist."

What to do then? According to the author, it will take a minimum of courage to rise up against aberrant or abject proposals. "Simply say no."

I discovered this book at the Municipal Library of Sesimbra (Portugal) on a hot summer morning in September. While thousands of people were rushing to the beach, I took refuge in the library's air conditioning. When the library receives new releases, they place them on display tables near the shelves. While walking around these tables, I spotted "The Woke Religion," grabbed the book, and read it in one go, to use a new image.

Edited in Portuguese by Guerra e Paz, I discovered that the author is from my generation and a professor at Sorbonne, a university I hold in great affection for having allowed me to work on my PhD under the direction of the esteemed professor Michel Maffesoli.

I understand Braunstein's astonishment in the face of "wokeness." There is a lot of exaggeration and nonsense. But I will focus only on the transgender issue. In 1999, when the publisher Summus (GLS label) published my book "Nicola, a Transgender Novel," the term "transgender" did not yet exist in Brazilian Portuguese. The then-publisher Laura Bacellar had to write an explanatory note about transgender identity.

Indeed, as Professor Braunstein observes, there is no evidence in a transgender person's body that they have a different gender. The other day, I watched a "reel" from transgender YouTuber and singer Leo Áquila, who said exactly that: "It's not in my body; it's in my head." But, contrary to what the professor says, it is not an imaginary world, but a rejection of one's own body. The trans woman is in a male body, but she rejects it. She cannot live with the penis, the absence of prominent breasts, and other visible male traits like facial hair. She needs to be reborn, so she embarks on a journey that includes visits to doctors, taking hormones, getting silicone implants, laser body hair removal, and, most importantly, changing her identity by replacing her male name with a female one. The trans man goes through the same process, reversed, of course (taking hormones to grow a beard, removing breasts, among other actions).

Professor Braunstein sees transgender people as beings who put children and pre-adolescents at risk. The trans woman is someone to fear by allowing her to use the female bathroom, because she could violate "real" women.

It is really hard to understand what it means to be transgender. It's not in the body. The body signals the presence of a penis and, consequently, a scrotum, prostate... But the consciousness within that body does not accept it. I will not speak of the soul, because it is a religious concept without any factual evidence, but it is as if someone inside the person is confronted with the wrong body. It is daily, continuous, chronic suffering. She does not accept herself and lives immersed in the pain of non-acceptance.

There have been many cases of transgender people who committed suicide due to this dilemma: being forced to be someone they are not. Once, interviewing the model Roberta Close ("the most beautiful woman in Brazil is a man" - Notícias Populares), after she had undergone sex reassignment surgery, she told me that when she looked in the mirror, she felt an unbearable discomfort. She had breasts, long hair, curves in her body, was fully depilated, but still had a penis. And the presence of the male member was invasive to her. "I looked in the mirror and couldn't accept it still being there in me." She removed the male organ, got married, and now lives in Switzerland.

What all gender theorists say, in essence, is that the transgender phenomenon occurs when a person's conscious identity does not match their genitalia. In the past, there was nothing to be done. Today, sex reassignment surgeries, therapies, treatments, and even the possibility of changing civil records make the lives of transgender people less anguishing. It is something that should be understood and empathized with.

Unfortunately, Professor Braunstein does not understand how transgender people suffer precisely because they are transgender. It is not about "changing sex and gender at will," but about minimizing suffering, about being compassionate and human in accepting others who are different.

Tradução em francês:

La religion woke

« Les hommes sont enceints », « les femmes ont un pénis », « tous les Blancs sont racistes », « tous les Noirs sont des victimes », « la biologie est masculiniste », « les mathématiques sont racistes »... C'est ainsi que commence le livre La Religion Woke de l'universitaire français et professeur de philosophie contemporaine à l'Université de la Sorbonne, Jean-François Braunstein. Le livre est presque un manifeste, un pamphlet, défendant tous ceux qui s'opposent au « wokisme ».


L'auteur explique que le terme « woke » est originaire des États-Unis. Il provient du mouvement noir, suite aux manifestations « Black Lives Matter ». Il vient du participe passé du verbe « wake » (se réveiller), « woken ». Du mouvement noir, le terme « woke » a atteint les universités américaines et est devenu une « religion », selon Braunstein. Une religion qui ne fait pas de prisonniers. Ceux qui s'opposent à la tendance « woke » sont « annulés », semblable à la pratique stalinienne d'effacer les images des politiciens et dirigeants tombés en disgrâce après la révolution bolchevique. L'annulation, explique-t-il, « est la suppression de l'existence même des ennemis », qui sont « la personnification du mal ».

Parmi ces ennemis figurent l'écrivaine J.K. Rowling, auteure d'Harry Potter ; les humoristes Dave Chappelle (aux États-Unis) et Rick Gervais (en Angleterre) ; et même le dessinateur Xavier Gorce en France.


Le professeur explique que « l'idéologie woke n'est pas un snobisme passager », mais qu'elle est là pour durer. Les « wokes » agissent principalement dans trois domaines : la race, le genre et contre la science.


En ce qui concerne la race, Braunstein affirme que nous vivons un dilemme. « Si une personne dit qu'elle est raciste, alors elle est effectivement raciste ; mais si elle dit qu'elle n'est pas raciste, cela ne change rien. » La personne blanche naît avec une sorte de « péché originel » et est étiquetée comme « privilégiée blanche ». Braunstein cite Martin Luther King, qui, dans son discours le plus célèbre, a exprimé son rêve que ses quatre enfants vivent dans un monde où ils ne seraient pas jugés par la couleur de leur peau, mais par leur caractère. Selon l'auteur de La Religion Woke, les « wokes » pensent exactement le contraire de Luther King.


« Les nouveaux anti-racistes racistes défendent que les races existent » et que pour combattre le racisme, il ne faut pas traiter « tous les humains de la même manière ». L'anti-racisme contemporain « vise principalement à élargir le champ des accusations de racisme ». Toute l'histoire occidentale a toujours été raciste ; toutes les productions culturelles, scientifiques, artistiques ou techniques sont racistes, « en plus d'être masculinistes ». Pour couronner le tout, les « wokes » accusent également les mathématiques d'être « blanches ».

Un autre axe du « wokisme » est la question du genre. Pour Braunstein, il n'existe pas de personnes transgenres, car biologiquement une personne est soit un homme, soit une femme, donc une personne transgenre n'existe pas dans le monde réel, mais seulement dans son « imaginaire ».


« Le monde illusoire doit être considéré comme plus véridique que le monde réel. »


Concernant l'acronyme LGBTQI, l'auteur souligne que la lettre « T » est véritablement au centre des débats. Braunstein critique les athlètes transgenres qui surpassent les femmes dans le sport ; critique le droit des femmes trans à utiliser les toilettes pour femmes ; critique l'obsession américaine pour les pronoms neutres et liste les « textes sacrés » des « wokes », concentrant leurs critiques sur Judith Butler et Paul B. Preciado. Ces deux auteurs ont centré leur travail sur les questions de genre.


« Grâce à l'invention du transgenre, la théorie du genre annonce une promesse inouïe : celle de pouvoir changer de sexe ou de genre à volonté » (...) « Le transgenre serait le nouveau héros de notre époque. »

Après le genre, la prochaine cible des « wokes », selon Braunstein, serait la science. En plus de la biologie et des mathématiques, « toutes les sciences modernes, nées en Occident, participent à une histoire sanglante de racisme, de colonialisme et de destruction des cultures indigènes ». Par conséquent, les « wokes » doivent « rejeter la science dans son ensemble ».


Braunstein cite plusieurs cas d'universitaires qui ont perdu leur emploi après s'être opposés à la « religion woke ». Par exemple, l'activiste lesbienne et professeure de philosophie à l'Université du Sussex, Kathleen Stock, a choisi de démissionner après avoir subi la colère des militants trans, outrés par son opinion selon laquelle « la notion de transgenre n'était qu'une illusion ».

Il y a également eu des cas de blocages par les « wokes » dans des lieux où des conférences devaient se tenir avec la participation de leurs opposants. En plus des blocages, il y a eu des interruptions de conférences, avec les « wokes » « répétant des chants » et « des slogans ». Les adversaires sont étiquetés « homophobes », « transphobes », « grossophobes ».


Pour l'auteur, la force de la religion « woke » vient du fait qu'elle part de revendications légitimes : la lutte contre les discriminations liées au genre, au racisme ou la revalorisation de la colonisation européenne. « Mais elle aboutit à des conclusions absolument inacceptables. »


Il souligne que « la théorie du genre rompt avec la réalité pour entrer dans un monde imaginaire où le genre remplace le sexe, et où les corps n'ont plus d'importance. »


Concernant la science, il met en garde contre « le risque de conduire à une régression scientifique et technique incroyable » (...) « notre héritage culturel, celui d'Athènes et de Jérusalem, celui de la Renaissance et des Lumières, n'est plus connu et est injustement accusé d'être raciste ou masculiniste. »

Que faire alors ? Selon l'auteur, il faudra un minimum de courage pour s'élever contre des propositions aberrantes ou abjectes. « Simplement dire non. »


J'ai découvert ce livre à la Bibliothèque Municipale de Sesimbra (Portugal) par une chaude matinée de septembre. Alors que des milliers de personnes se précipitaient vers la plage, je me suis réfugié dans la climatisation de la bibliothèque. Lorsque la bibliothèque reçoit de nouvelles parutions, elle les place sur des tables d'exposition près des étagères. En parcourant ces tables, j'ai repéré La Religion Woke, j'ai attrapé le livre et l'ai lu d'une traite, pour utiliser une nouvelle image.

Édité en portugais par Guerra e Paz, j'ai découvert que l'auteur est de ma génération et professeur à la Sorbonne, une université que j'affectionne particulièrement pour m'avoir permis de travailler sur mon doctorat sous la direction de l'éminent professeur Michel Maffesoli.


Je comprends l'étonnement de Braunstein face au « wokisme ». Il y a beaucoup d'exagérations et de non-sens. Mais je me concentrerai uniquement sur la question transgenre. En 1999, lorsque l'éditeur Summus (label GLS) a publié mon livre Nicola, un roman transgenre, le terme « transgenre » n'existait pas encore en portugais brésilien. L'éditrice de l'époque, Laura Bacellar, a dû écrire une note explicative sur l'identité transgenre.

En effet, comme le remarque le professeur Braunstein, il n'y a aucune preuve dans le corps d'une personne transgenre qu'elle ait un genre différent. L'autre jour, j'ai regardé un « reel » du YouTubeur et chanteur transgenre Leo Áquila, qui disait exactement cela : « Ce n'est pas dans mon corps ; c'est dans ma tête. » Mais, contrairement à ce que dit le professeur, ce n'est pas un monde imaginaire, mais un rejet de son propre corps. La femme trans est dans un corps masculin, mais elle le rejette. Elle ne peut pas vivre avec le pénis, l'absence de seins proéminents et d'autres traits masculins visibles comme les poils du visage. Elle a besoin de renaître, alors elle entreprend un parcours qui comprend des visites chez des médecins, la prise d'hormones, des implants de silicone, l'épilation au laser et, surtout, le changement d'identité en remplaçant son nom masculin par un nom féminin. L'homme trans suit le même processus, inversé bien sûr (prise d'hormones pour faire pousser une barbe, ablation des seins, entre autres actions).


Le professeur Braunstein voit les personnes transgenres comme des êtres qui mettent en danger les enfants et les pré-adolescents. La femme trans est quelqu'un à craindre en lui permettant d'utiliser les toilettes pour femmes, car elle pourrait violer les « vraies » femmes.

Il est vraiment difficile de comprendre ce que signifie être transgenre. Ce n'est pas dans le corps. Le corps signale la présence d'un pénis et, par conséquent, d'un scrotum, d'une prostate... Mais la conscience à l'intérieur de ce corps ne l'accepte pas. Je ne parlerai pas de l'âme, car c'est un concept religieux sans aucune preuve factuelle, mais c'est comme si quelqu'un à l'intérieur de la personne était confronté au mauvais corps. C'est une souffrance quotidienne, continue, chronique. Elle ne s'accepte pas et vit immergée dans la douleur de la non-acceptation.


Il y a eu de nombreux cas de personnes transgenres qui se sont suicidées à cause de ce dilemme : être obligées d'être quelqu'un qu'elles ne sont pas. Un jour, en interviewant le mannequin Roberta Close (« la plus belle femme du Brésil est un homme » - Notícias Populares), après qu'elle ait subi une opération de réassignation sexuelle, elle m'a dit que lorsqu'elle se regardait dans le miroir, elle ressentait un malaise insupportable. Elle avait des seins, des cheveux longs, des courbes dans son corps, était entièrement épilée, mais avait encore un pénis. Et la présence de l'organe masculin lui était envahissante. « Je me regardais dans le miroir et je ne pouvais pas accepter qu'il soit encore là en moi. » Elle a retiré l'organe masculin, s'est mariée et vit maintenant en Suisse.


Ce que disent tous les théoriciens du genre, en essence, c'est que le phénomène transgenre se produit lorsque l'identité consciente d'une personne ne correspond pas à ses organes génitaux. Dans le passé, il n'y avait rien à faire. Aujourd'hui, les opérations de réassignation sexuelle, les thérapies, les traitements et même la possibilité de changer les registres civils rendent la vie des personnes transgenres moins angoissante. C'est quelque chose qui devrait être compris et avec lequel on devrait faire preuve d'empathie.


Malheureusement, le professeur Braunstein ne comprend pas à quel point les personnes transgenres souffrent précisément parce qu'elles sont transgenres. Il ne s'agit pas de « changer de sexe et de genre à volonté », mais de minimiser la souffrance, d'être compatissant et humain en acceptant les autres qui sont différents.





 

Humorista Leo Lins é censurado pela Justiça Federal

  Leonardo de Lima Borges Lins, o humorista condenado O início é óbvio: Constituição da República Federativa do Brasil, artigo 5º, que trata...