Ho Chi Minh disse uma vez que metade da sociedade humana é
formada por mulheres. Por isso, elas merecem ter direitos iguais aos
homens. Ho Chi Minh era comuna. Morreu antes de assistir à
debacle norte-americana no Vietnã. Não viu os últimos helicópteros
dos Estados Unidos fugindo da embaixada, carregando os últimos
refugiados, enquanto os vietcongues ocupavam definitivamente
Saigon.
Concordo com Ho Chi Minh. As mulheres devem ter mesmo todos os direitos iguais aos homens. Com uma única exceção: elas deveriam abrir mão de narrar jogos de futebol.
Um dos meus derradeiros prazeres sobre o planeta é assistir futebol.
Se bem que tenho visto mais jogos ruins do que memoráveis.
Na realidade, são raros os craques, são raras as jogadas de efeito, são
escassos
os momentos de alegria e prazer vindos do futebol atual.
Sem craques, sem partidas inesquecíveis, o apaixonado pelo futebol
precisa caçar, aqui e ali, para tentar encontrar uma partida que
mereça ser assistida. Quando isso acontece, em muitos casos, quem
está narrando é uma moça. O jogo está morno como leite esquecido
no micro-ondas. Mas ela grita. Grita muito, tentando imprimir
emoção a jogadas banais. A bola é chutada bem lá em cima e a moça
usa toda a força da garganta para informar o óbvio: a bola não
alcançou o alvo. Longe disso. Bem longe.
Antes de morrer, o locutor Silvio Luiz declarou, em uma entrevista,
que mudava de canal, quando o jogo era narrado por uma mulher.
Silvio Luiz foi um dos melhores narradores de futebol. Tinha
bordões divertidos (“olho no lance”). Homenageava locutores do
passado. Com seu estilo personalíssimo, nunca foi cogitado para
trabalhar na Rede Globo. Em 1982, durante a Copa, a Record não
tinha os direitos de transmissão. A emissora então apostou em Silvio
Luiz. A propaganda pedia para o público ligar a TV na Rede Globo,
desligar o som e ligar na Rádio Record, para ouvir a narração de
Silvio Luiz. Foi um sucesso imenso. Na época, durante os protestos
contra a Ditadura Militar, os manifestantes gritavam nas ruas: “o povo não é bobo, fora Rede Globo”. O público associava a Globo ao regime militar (na prática, a emissora fazia o papel de relações públicas do regime de exceção) e por isso participava com prazer no boicote aos narradores globais.
No fim da vida, Silvio Luiz percorreu caminho inverso. Saiu da
faixa guerrilheira e optou por rejeitar as mulheres narradoras.
De minha parte, acredito que mais narradoras irão surgir e entre as
próximas estrelas haverá mais diversão e menos gritos. Vou dar boas
risadas com os bordões, com as sacadas e vida que segue.
Tomara que o mesmo aconteça com o futebol. A primeira medida
urgente seria impedir a exportação de craques infantis, adolescentes
e com idade de servir o Exército. O craque aparece. A torcida se
inflama. Aprende o nome dele. Começa a gritar na arquibancada e –
de repente, não mais que de repente – o garoto está em Madri, sendo
apresentado pelo presidente do clube bilionário.
Pode isso, Arnaldo?
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